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Prefácio – Teonomia na Ética Cristã

Em 1872, Robert L. Dabney, escrevendo sobre a “Teologia dos Irmãos de Plymouth”, comentou com desalento sobre a interpretação estranha dada à esperança criança pela “teoria do pré-advento” daquele grupo. [1] A gloriosa e completa esperança da Escritura tinha sido reduzida a uma expectativa com respeito ao milênio, e com um conceito equivocado de milênio. Sentimos um desalento similar quando vemos tantos cristãos que professam crer em todo o conselho de Deus, e professam sua fé na Bíblia “de capa a capa”, desprezarem um aspecto importante e muito vital dela, a lei de Deus.

Se a lei for separada da graça, então a graça também desaparece, pois a Bíblia não conhece nenhuma graça antinomiana. A obra redentora de Jesus Cristo, e a necessidade da sua morte expiatória na cruz, atestam o caráter absoluto da lei de Deus: ela não poderia ser deixada de lado. A obra redentora de Cristo não acabou com a função da lei, mas antes restabeleceu o homem em obediência à lei. Fomos redimidos, S. Paulo deixa claro, “para que a justiça da lei se cumprisse em nós” (Rm 8.4).

Adão foi criado à imagem de Deus para exercer domínio sobre a terra e subjugá-la aos propósitos de Deus por meio do homem como sacerdote, profeta e rei de Deus. Como sacerdote, o homem foi ordenado a dedicar a si mesmo e as suas atividades ao Deus trino. Como rei, o homem devia governar a terra como vice-gerente de Deus, e, como profeta, interpretar todas as coisas em termos da palavra soberana de Deus. Com a queda, o chamado do homem foi desviado e pervertido, e, em vez do Reino de Deus, o Reino do Homem tornou-se seu objetivo, e as torres de Babel têm, de uma forma ou de outra, consistentemente ocupado suas energias.

Ao redimir e restaurar o homem à imagem de Deus, Jesus Cristo restaurou o homem ao seu mandato de criação, para subjugar a terra por meio da ciência, agricultura, as artes, comércio e indústria, educação, e todos os outros empreendimentos humanos legítimos, e para exercer domínio sobre todas as coisas em sujeição a Deus. Essa tarefa foi o propósito da lei desde o princípio. A salvação é pela graça de Deus, mediante a fé, e a santificação é pela lei. Porque a lei de Deus tem sido abandonada pela igreja moderna, tanto evangélica como reformada, ela tem, em primeiro lugar, restringido a santidade às coisas pessoais. Claramente, a santificação começa inescapavelmente no coração do homem, mas não pode parar ali. O homem que está sendo progressivamente santificado irá inescapavelmente santificar seu lar, escola, política, economia, ciência e tudo o mais ao entender e interpretar todas as coisas em termos da palavra de Deus e trazendo todas as coisas para debaixo do domínio de Cristo o Rei. Na Escritura, a santidade não é restrita ao homem somente, e a visão profética do Reino de Cristo é enfática sobre esse ponto:

Naquele dia será gravado sobre as campainhas dos cavalos: SANTIDADE AO SENHOR; e as panelas na casa do SENHOR serão como as bacias diante do altar.

E todas as panelas em Jerusalém e Judá serão consagradas ao SENHOR dos Exércitos, e todos os que sacrificarem virão, e delas tomarão, e nelas cozerão. E, naquele dia não haverá mais cananeu na casa do SENHOR dos Exércitos. (Zacarias 14.20-21)

Como T. V. Moore observou, “A ideia é consagração absoluta e universal ao Senhor”. [2]

Quando a lei de Deus é honrada, nenhum homem pode considerar-se cumprindo os requerimentos de santidade de Deus, se ele entrega os seus filhos a um sistema de educação ímpio para educá-los, ou se ele pensa que um estado secular é aceitável a um cristão. A lei de Deus requer obediência de todos os homens e instituições, em todos os tempos.

[pullquote_right]Porque a lei de Deus tem sido abandonada pela igreja moderna, tanto evangélica como reformada, ela tem… restringido a santidade às coisas pessoais.[/pullquote_right]

Segundo, visto que a lei de Deus é o programa de Deus para a vitória em Seu nome, onde o antinomismo em qualquer grau prevaleça, uma escatologia pessimista prevalecerá igualmente, pois o cerne da escatologia bíblica foi negado. A segunda vinda e o último julgamento nos dão o triunfo da lei e do Reino de Deus, e como ousará encarar aquele dia aqueles que já desprezam a lei de antemão?

A história do Puritanismo na América tem muito a dizer neste ponto. A lei, uma escatologia otimista e bíblica, e o poder social andavam de mão dadas. O declínio de uma era o declínio de todas. A Palavra de Deus é uma roupa sem remendos, e o homens que negam a sua lei negam sua escatologia também, e estão privados do poder de Deus. Não é surpresa, portanto, que esta é uma era de impotência na igreja. Essa impotência não será curada por reuniões de oração frenética e insistente, assim como o problema dos profetas de Baal não foi resolvido pelos gritos: “Ah! Baal, responde-nos!” (1 Reis 18.26). A fé verdadeira significa obediência à lei, e obediência produz poder e bênção. Deuteronômio 28 nos diz precisamente, e para todos os tempos, como as orações são respondidas e um povo abençoado. Houve um tempo quando os magistrados civis nos Estados Unidos, desde o presidente aos cargos inferiores, faziam o juramento de posse com a Bíblia aberta neste capítulo, pois eles sabiam o que a lei de Deus significa. Santidade e bênção estão vinculadas à lei, não a exercícios religiosos (Dt 28.8, 9) que colocam a religiosidade como substituta da fé no Senhor e obediência à sua palavra soberana.

O propósito da Chalcedon Foundation é, entre outras coisas, restaurar o conhecimento da palavra-lei de Deus a toda área da vida e desenvolver suas implicações para cada disciplina de estudo. Para este fim, o estudo de Greg L. Bahnsen, Theonomy in Christian Ethics, foi escrito. A questão, como Bahnsen coloca de forma notável, é entre teonomia (lei de Deus) e autonomia (lei própria). O homem moderno autônomo é ajudado e incentivado em sua apostasia de Deus pelo antinomismo da igreja, a qual, por negar a lei de Deus, tem, na teologia, política, educação, indústria, e tudo o mais, entregado o terreno à lei do homem caído e sem Deus, à autonomia. As respostas à crise da era moderna são fúteis se elas referem-se à Escritura somente como matéria de fé e então olham para as invenções do homem autônomo para encontrar respostas. Muitos pastores têm sido menos honestos que os incrédulos modernos, pois eles têm restringido a Escritura às questões da “fé” e criado um mundo mítico da graça comum onde o homem antônomo e seus princípios de lei anti-teísta prevalecem. Contra tal incredulidade e heresia, este estudo é uma defesa importante e magistral da fé e uma extensão à sua plena força dos direitos régios do Rei Jesus.

Rousas John Rushdoony

26 de outubro de 1971

NOTAS:

[1] – Veja Robert L. Dabney, Discussions: Evangelical and Theological, reprint, 2 vols. (London: Banner of Truth Trust, [1890] 1967), 1:168-213.

[2] – Thomas V. Moore, The Book of Zechariah (London: The Banner of Truth Trust, 1958), p. 236

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Fonte: Theonomy in Christian Ethics, p. xi-xiv.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto, 31 de dezembro de 2011.