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A Glória de Cristo Torna Possível Conhecer a Deus por Mark Jones

Quando discutimos a glória de Deus, podemos falar basicamente de duas formas. Primeiro, a glória essencial de Deus: a soma de seus atributos o tornam o “Deus da glória” (At 7.2). A sua glória é o “cintilar da divindade”. A vida de Deus está na sua glória e a sua glória não pode aumentar ou diminuir, pois a sua glória é infinita, imutável, eterna e assim por diante. Essa glória pertence ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo porque cada pessoa compartilha da essência divina. Segundo, há uma glória que é atribuída a Deus em termos do que as suas criaturas almejam trazer a ele (1Cr 16.29). Esse último sentido da glória tem em vista o nosso louvor, culto, obediência e deleite à medida que guardamos o nome Senhor como santo em tudo o que fazemos (Mt 6.9).

Em termos do ser essencial de Deus, precisamos reconhecer que, até mesmo sem o pecado, os seres humanos não podem contemplar a glória de Deus e viver. A glória infinita do Deus trino é elevada demais, ilustre demais e maravilhosa demais para nós. Está totalmente acima de nossos poderes, e até uma pequenina gota da sua glória, por assim dizer, nos consumiria totalmente. Com a entrada do pecado no mundo, essa realidade fica ainda mais proeminente (ver Ex 33.20).

Consequentemente, contemplamos a glória de Deus na pessoa de Jesus Cristo (2Co 3.18; 4.6), não só nesta vida, mas também na vida porvir! Cristo tem três glórias distintas, todas as quais precisamos conhecer se queremos entender a fé cristã. Cristo, porque ele é Deus, tem uma glória essencial. Mas ele também tem outras duas glórias que são vitais para nós conhecermos e entendermos.

Jesus tem uma glória peculiar que é unicamente dele, e dele somente. Até o Pai e o Espírito não possuem essa glória específica, pois eles não são plenamente Deus e plenamente homem, mas simplesmente plenamente Deus. Cristo é o Deus-homem, o que os teólogos chamam de uma “pessoa complexa”. Assim, ele tem uma glória distinta, que também é chamada de uma “glória pessoal” pelos teólogos.

A união do Filho com a natureza humana é, segundo o teólogo puritano Thomas Goodwin, “a mais elevada manifestação que a Divindade poderia ter comunicado às criaturas”.

Como resultado, “mais da glória de Deus resplandecerá instantaneamente em … o homem, Cristo Jesus, tendo a Divindade habitando nele pessoalmente do que Deus fazendo milhões de mundos … mobiliados com glórias”. Isto é, Cristo torna a glória de Deus não só possível, mas também visível. John Arrowsmith, um teólogo famoso durante a era puritana, ressalta que, assim como Deus é invisível, a sua glória seria “ofuscante demais para os nossos fracos olhos”. É como não podermos contemplar o sol em sua esfera, mas ainda podermos contemplar o sol numa bacia de água. Cristo é a “bacia” que nos possibilita contemplar a glória de Deus.

Se não podemos contemplar os atributos de Deus diretamente, como devemos entender uma passagem como Isaías 6? Isaías não viu Yahweh? Isaías não olhou a santidade (“Santo, santo, santo é o SENHOR dos exércitos; toda a terra está cheia da sua glória!”) de Yahweh? Isaías não viu Deus diretamente (e viveu), mas na verdade Isaías viu a Cristo. E é precisamente assim como o apóstolo João interpreta a experiência de Isaías. Depois de citar palavras de Isaías 6 (ver Jo 12.40), João escreve: “Isto disse Isaías porque viu a glória dele e falou a seu respeito” (Jo 12.41; ver também At 7.55-56).

Isaías viu a glória de Deus. Mas ele viu a glória de Deus na pessoa de Cristo, não a glória de Deus como Deus vê e conhece a sua própria glória. Isaías viu o que era adequado para ele como um pecador (ver Is 6.5). Como pecadores, devemos ser gratos por vermos a glória de Deus na pessoa do seu Filho, porque essa glória, quando contemplada pela fé, nos salva ao invés de nos consumir.

Glória Mediatorial: a glória da sua noiva

Cristo também tem outro glória além da sua glória pessoal: uma glória mediatorial. Esta glória é “adquirida, comprada e merecida” pela sua obra (em obediência ao Pai) em prol dos pecadores (Goodwin).

Podemos chamá-la de uma “glória superadicionada”. Essa glória envolve o povo de Cristo porque eles são, afinal, a sua noiva. E a noiva de Cristo, naturalmente, é a sua glória, assim como a mulher é a glória do homem (1Co 11.7). Nós, que somos o seu corpo, somos “a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.23).

À medida que a noiva de Cristo recebe as bençãos de sua obra em seu favor, Cristo é dessa forma glorificado. Ele vê os frutos do seu trabalho. Quanto mais bençãos Cristo derrama do céu como o rei ressurrecto da glória, mais ele é glorificado. Na verdade, quanto mais amor Cristo demonstra à igreja, mais amor ele demonstra a si mesmo. Pois o homem que ama a sua esposa a si mesmo se ama (Ef 5.28).

Assim, Cristo é glorificado na sua noiva:

Quanto a Tito, é meu companheiro e cooperador convosco; quanto a nossos irmãos, são mensageiros das igrejas e glória de Cristo. (2Co 8.23)

Jesus orou: “ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado”. (Jo 17.10)

Já que o grande fim de Deus é a glória do seu Filho (Cl 1.16), Cristo necessariamente precisa ser glorificado naqueles por quem ele morreu. Cristo torna a igreja pura, bela e santa, o que quer dizer que o “Senhor Cristo é, e será, glorioso por toda a eternidade” (Owen).

Se o pastor John Piper cunhou a frase “Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos nele”, então eu gostaria (como complemento) cunhar a frase “Deus é mais satisfeito em si quando Cristo é mais glorificado em nós”. Em outras palavras nos propósitos de Deus para o seu Filho, o mundo e o seu povo, ele está “mais satisfeito” quando o seu Filho é glorificado por aqueles por quem ele entregou o seu Filho.

Aplicação

Cada uma das glórias descritas acima é relevante para nós.

Primeiro, em termos da sua glória divina, somos confrontados com o fato de que Deus é grande demais para nós. A sua majestade, santidade, poder e conhecimento estão totalmente além da nossa compreensão. Longe de causar desespero, essa verdade deveria nos confortar. Não queremos um deus que podemos manipular; precisamos ouvir vez após vez que Deus está totalmente além de nossa capacidade de compreensão.

Segundo, porque essa realidade é verdadeira, e porque Deus deseja ter comunhão com suas criaturas, ele condescende na pessoa do seu Filho, Jesus Cristo. A glória pessoal de Cristo é a glória primária pela qual viemos a conhecer, amar e gozar a Deus. A única forma pela qual podemos ter qualquer acesso a Deus, qualquer visão de Deus, qualquer conhecimento de Deus, qualquer fruição de Deus é em e por meio do Deus-homem, Jesus Cristo. Cristo torna a teologia possível; e ele torna o céu na terra possível. Aparte de Cristo, não há possibilidade de qualquer relacionamento divino-humano.

Terceiro, a expectativa da visão beatífica, pela qual seremos como ele porque o veremos (face a face) como ele é (1Jo 3.2), estimula a nossa fé, esperança e amor nesta vida. E fé, esperança e amor nos capacitam a trazer glória a Cristo na terra como a sua noiva. O nosso desejo de sermos santos e de evitar o pecado tem, como seu objetivo primário, não a nossa felicidade pessoal, por mais importante que ela possa ser, mas sim a glória de Cristo. A nossa principal ocupação na terra é glorificar o Glorioso, que é glorioso, glorioso, glorioso.

 

Traduzido por Guilherme Cordeiro

Fonte: Christ’s Glory Makes Knowing God Possible