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A Visão Teopolitana

O texto abaixa foi extraído de A visão teopolitana, o primeiro volume da Série Os Fundamentos do Theopolis, disponível pela Editora Monergismo.


Hei de chamar-te Téo ou Téa.

“Téo” é o nome que usamos no Instituto Theopolis a fim de descrever o tipo de homem que mais pode beneficiar-se daquilo que temos para oferecer. “Téa”, por seu turno, é a versão feminina.

Se és Téo ou Téa, és jovem ou ao menos jovial. És um cristão evangélico — isto é, um cristão comprometido com a Bíblia. Talvez sejas um pastor ou um seminarista. Talvez sejas um líder leigo na igreja, ou um membro que apenas acompanha as atividades à distância.

Téo e Téa compartilham um desejo de seguir a Jesus e tornar-se cada vez mais semelhante a ele; compartilham teu interesse pela Bíblia, teu amor pela igreja. Ora, esses amores moldam tudo em tua vida.

Amas a tradição da igreja, mas não és um tradicionalista. Percebes que a igreja tem de lidar com os desafios do presente, mas não és um progressista.

Mas Téo e Téa compartilham ainda outra coisa: uma fome insaciável por algo mais.

Se és um pastor, sentes que estás apenas roçando a superfície do texto bíblico, mas não sabes ir mais fundo. Sabes que se trata da palavra de Deus, mas ficas a imaginar porque é tão estranha. Podes até ver-te evitando alguns livros bíblicos (Levítico, partes do livro de Juízes) e apegando-te a porções mais claras, mais seguras, nas quais ao menos tens certa ideia do que está acontecendo.

Se és um leigo ou leiga, és edificado pelos sermões do pastor, mas suspeitas que há muito mais a ser dito. Levantas questões, mas estas não são respondidas. Recorres ao Google, mas és legitimamente cauteloso com que se apresenta como teologia na internet.

Participas do culto ao menos uma vez por semana, mas te indagas se porventura não há algo mais. Tu te ausentaste discretamente nos últimos meses para participar de uma Oração Vespertina anglicana, e esta, de algum modo, parece estar muito mais próximo daquilo que deveria ser um culto. Sabes que algumas igrejas realizam semanalmente a ceia do Senhor. Ora, isto intuitivamente parece o correto, mas não sabes bem o porquê.

Percebes que há algo profundamente errado com o mundo atual, e te mostras ansioso com relação ao futuro. Mas não queres voltar no tempo, não queres colocar-te ao lado dos arautos pessimistas que anunciam o fim, e acreditas que a politização do cristianismo provoca mais males do que bem. Sentes calafrios quando outros cristãos misturam fé cristã com patriotismo. Também sentes calafrios quando os cristãos atrelam sua fé à última moda.

Sabes que Jesus é a resposta e que a igreja é chamada a conduzir o ministério crístico de cura, justiça e salvação. Desejas tornar-te parte de algo maior, e a missão de Jesus é a maior possível. Mas te indagas se a igreja está à altura desse desafio.

Não queres tornar-te católico romano nem ortodoxo. Tens amigos católicos e ortodoxos, e sabes que são cristãos. Contudo, não consegues aceitar o papado nem queres venerar ícones. Além disso, tua mãe se reviraria no túmulo caso tu atravesses o Tibre ou se deslocasse para Constantinopla.

Amas tua igreja. Ama seu vigor e comprometimento com a Bíblia. Amas seu fervor evangelístico. Mas te espanta com o divisionismo do protestantismo. Anseias que a igreja seja unida.

E o pior de tudo: crês que és o único no mundo que te sentes desse modo. Tomas um café a cada duas semanas com outro pastor com quem partilhas esses anseios, mas vós dois parecem sozinhos no deserto. Tens um ou dois amigos na igreja com quem manténs conversas sussurradas acerca de vossas inquietações.

Não queres provocar divisões. Sabes que teu pastor é responsável por ti e queres honrá-lo. Não sabes bem quais mudanças almejas. Só sabes que desejas algo mais. E causa-te incômodo seres paciente.

Essas questões te parecem familiares? Caso sim, és Téo ou Téa.

Ora, este livro é para Téos e Téas, para pastores e leigos, que estão buscando algo a mais. Esse algo a mais é o que chamo “visão teopolitana”.

O que é isso? Este livro explicá-lo-á de maneira direta e tão simples quanto possível. Mas permite-me apresentar-te a tônica desta obra.

A visão teopolitana é uma perspectiva da igreja e de seu papel no mundo. Demonstrarei que a igreja é um posto avançado da futura cidade de Deus. A cidade de Deus existe já agora, no presente, como uma sociedade cotidiana entre as sociedades dos homens. Essa comunidade concreta, visível, é a família do Pai, o corpo do Filho, o templo do Espírito. Existe para transformar e renovar as sociedades humanas, por dentro e por fora, de cima para baixo. Como a cidade de Deus, a igreja conduz uma missão global de renovação urbana.

A adoração é a obra primeira da cidade de Deus. A adoração cristã deve estar em sintonia com a tradição litúrgica da igreja, da totalidade da igreja, mas deveria evitar o tradicionalismo e a nostalgia. Nossa prática e compreensão do culto deve ser moldada pela totalidade da Bíblia — desde o livro de Gênesis, passando pelos de Levítico e Crônicas, até o livro de Apocalipse. O culto deve estar saturado das Escrituras — isto é, as Escrituras devem ser lidas, ensinadas, cantadas, transformadas num diálogo de amor entre o Senhor e sua noiva.

O culto é apenas superficialmente cristão caso não culmine na alegre festividade da mesa do Senhor. A liturgia é o lugar em que encontramos a Palavra de Deus, no qual nossos mundos são estilhaçados e reconstruídos, no qual aprendemos a habitar o universo simbólico das Escrituras.

Uma igreja que adora biblicamente, uma igreja cuja adoração está saturada das Escrituras, uma igreja cujos membros aprenderam a navegar biblicamente pela vida, uma igreja que partilha o corpo e sangue de Cristo a cada semana — eis uma igreja preparada para a missão.

O jardim, o lugar de adoração, é a fonte de águas vivas que flui para o mundo. O santuário é o farol cuja luz reluz entre as nações. A menos que desfrutemos o reino na adoração — e com isso quero dizer desfrutar literalmente —, não teremos as palavras de vida que o mundo precisa ouvir. Se não deparamos com a luz de Jesus em sua palavra e junto à sua mesa, não seremos luzes nas trevas.

Alguns Téos são pastores ou aspirantes a pastores. Se és esse tipo de Téo, tens minha aprovação. O ministério pastoral não é o que se chamaria de uma profissão “atraente”. “Um clérigo é um nada”, diz Mary Crawford, no romance Mansfield Park, de Jane Austen, e Mary Crawford sabe uma coisa ou outra acerca de atração.

Como pastor, não ficarás rico. Não obterás prestígio. Não receberás muita atenção, a menos que faças questão de ser um provocador.

Fatigar-te-ás, semana após semana, ensinando a Bíblia para paroquianos mais ou menos atentos, aconselhando, confrontando, confortando. Dedicarás uma quantidade inusual de horas compartilhando os momentos críticos da vida — enfermidade, separação conjugal, filhos rebeldes, perdas de emprego. Não há forma confiável de medir o êxito. Teu trabalho pode parecer inútil, e os resultados, exíguos.

Contudo, escolheste essa vocação, ou foste escolhido para ela. Não tens minha aprovação por causa de tua disposição de aceitar algo incerto. Tem-na antes por creres que essa vocação é importante.

Pois, a despeito da opinião generalizada, de fato é. É mais importante que qualquer outra coisa. Um pastor no púlpito está no timão do navio do mundo. Um pastor que oferece o corpo e sangue de Jesus na mesa do Senhor encontra-se no centro do universo. O pastor lidera o ataque na missão, equipando as tropas para que lutem na guerra santa de Jesus.

Durante séculos, os pastores foram desprezados. São considerados efeminados, e muitas hoje são de fato mulheres. Creio que Deus convoca homens, e não mulheres, para serem pastores, e eles têm de ser viris, prontos para agir com coragem, prontos para lutar, prontos para liderar. A visão teopolitana busca dar-te as ordens de marcha.

Mas a visão teopolitana não é só para pastores. É uma visão para a igreja, e ela tem muito mais não pastores que pastores. O Espírito equipa todos os homens, mulheres e crianças da igreja com dons para construir a cidade e servir sua missão.

Mais que o pastor, vós, Téos e Téas que não são pastores, fazem a mediação entre a cidade celestial e a cidade terrena. Sois vós, o povo — o laos, “o laicato” — que tomam a palavra, e o pão, e a glória da adoração para os nichos e sendas das cidades dos homens. Cheios do Espírito, sois os agentes da cidade de Deus que conduzem o programa de renovação urbana de Jesus.

Devo alertar-te de início. As cidades dos homens não receberão o que tens a ofertar — não de modo pacífico. Jesus alertou seus discípulos de que seriam espancados, presos, açoitados e crucificados (Mt 10), e que esta é desde sempre a vida da igreja. O mundo compreende, por vezes melhor que os cristãos, quão radical é o evangelho, quão profundo é o arrependimento que ele exige, quantas coisas precisam mudar, se o evangelho é de fato verdadeiro. O mundo não deseja arrepender-se nem aprecia que as pessoas convoquem ao arrependimento.

Não pensa nem sequer por um instante que se lançar à missão da cidade de Deus seja uma decisão segura. Jesus te convoca para entregares tua vida — talvez de formas literais — para segui-lo e construir sua cidade.

O mundo é sempre hostil à igreja, mas alguns mundos são mais hostis que outros. Nosso mundo é mais hostil do que muitos, já que está edificado sobre uma rejeição explícita da fé cristã. Nosso mundo está também fraturando e decaindo. Política, geopolítica, econômica e culturalmente, o mundo está ruindo. Mas isso só o torna mais cruel: um urso encurralado é um urso perigosíssimo.

Tragicamente, muitos setores da igreja se tornaram tão mundanos que são agora hostis às exigências de Jesus. Se convocas a igreja ao arrependimento, estejas preparado para os ataques. Não te incumbas dessa tarefa a menos que estejas preparado para morrer.

A morte não é uma derrota. Longe disso. Partilhamos da morte de Cristo para que possamos partilhar de sua vida e glória abundantes. Quando participamos na morte de Cristo, somos então semelhantes aos primeiros mártires que, “mesmo em face da morte, não amaram a própria vida” (Ap 12.11), tornamo-nos uma força que transforma o mundo. O testemunho corajoso estilhaça mundos antigos e lança fundamentos para novos mundos. É por meio da cruz que a cidade de Deus renova as cidades dos homens.

Eis a visão teopolitana da cidade de Deus: uma cidade fundada sobre o sangue de Jesus, sustentada pelo testemunho e sangue de seus discípulos, estabelecida no mundo para arrancar e plantar, para derribar e edificar.

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