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TULIP Não Significa Reformado

Há quatro anos, Cristianismo Hoje publicou um artigo, “Jovem, Incansável, Reformado”. Neste artigo, o autor Collin Hansen analisou um fenômeno que existe há uma década: o retorno de muitos jovens cristãos as doutrinas reformadas. Ele entrevistou alguns pastores e jovens membros de igrejas que saíram de movimentos carismáticos e “igrejas sensíveis ao público” que agora adotam as doutrinas do Calvinismo. Na opinião de Hansen, esse retorno é menos divulgado, mas é muito maior e persuasivo do que a “igreja emergente” ou a “igreja sensível ao público”. Ele acredita que o retorno do “Calvinismo” está “balançando a Igreja”. Ele chamou atenção para a popularidade de velhos autores Puritanos entre os “novos Reformados”, especialmente entre os jovens. O velho puritanismo dos séculos 17 e 18 pareciam ser o combustível ideológico por trás do retorno Calvinista. Muitas das obras Puritanas estavam sendo relançadas por causa do interesse renovado. Um professor em Gordon-Conwell chegou a dizer que ele suspeitava que “jovens evangélicos são atraídos aos Puritanos em busca de raízes históricas mais profundas e modelos para um Cristianismo dedicado”.

Isso foi muito encorajador. Tudo de bom que o Ocidente tem hoje – os conceitos de liberdade, estado de direito, ética de trabalho superior, organizações caridosas, espírito empreendedor, poupança e investimento em longo prazo, etc. – é devido a teologia Reformada e aqueles que a aplicaram na prática. Quando a hora chegou da liberdade ser defendida por todo mundo Ocidental, e especialmente na América, foram pregadores Reformados e Puritanos que encorajaram populações a defender suas liberdades sob Deus, e foram leigos Reformados e Puritanos que lideram as estações de batalha contra a opressão. E foram líderes Reformados e Puritanos que trabalharam para construir o Ocidente como uma sociedade justa e próspera, e para espalhar as ideias de liberdade ao resto do mundo; os outros só seguiram o exemplo. Então, se Collins estava correto em sua análise sobre o retorno do Calvinismo, então teríamos de volta a solução historicamente comprovada para a decadência da América no socialismo, paganismo, turbulência política e recessão econômica.

Mas seja qual fosse a esperança que alguém poderia extrair do que Hansen viu como o retorno do Calvinismo, estaria completamente extinguida em nossa experiência dos últimos dois anos. Em uma época em que nossa sociedade está lutando para preservar aquilo que a América já representou – tudo o que os Puritanos nos entregaram no decorrer das gerações – estes “novos Reformados” de Hansen falharam em materializar quando a influencia foi mais necessária. Desde 2008, em nossa intensa guerra cultural contra aqueles que querem subverter a América, as igrejas chamadas de “Reformadas” por Hansen não são de qualquer maneira visíveis. Seja qual for o “combustível” que pegaram emprestado dos Puritanos, não foi capaz de produzir os pregadores reformados responsáveis pela Primeira Revolução Americana. Não vemos esses novos reformadores assumindo a liderança em uma Segunda Revolução Americana. Se a Primeira Revolução foi chamada pelo Rei George de “Revolução Presbiteriana”, não há qualquer motivo para Obama, Nancy Pelosi ou qualquer outro aspirante a tirano esquerdista falar da “Insurreição Reformada” ou da “Tea Party Calvinista”. Longe de serem os herdeiros espirituais ou ideológicos dos Puritanos, os pastores mencionados no artigo de Hansen são muito cuidadosos em nunca mencionar nada de relevante nas batalhas culturais de nosso tempo.

Por quê? Por que um movimento tão grande e persuasivo de retorno as nossas raízes Reformadas não consegue produzir uma resposta apropriadamente Reformada? Uma mente Puritana não deveria produzir uma prática Puritana, individualmente e socialmente? Se os antigos Puritanos nos deram a América, os Puritanos modernos não deveriam restaurar a América ao que ela deveria ser? Como conciliar essa contradição?

A resposta é o seguinte: Não há contradição. Hansen está errado. O que ele acredita ser um “retorno ao Calvinismo” não é. O que ele vê como pastores e crentes “Reformados” não são. A definição que Hansen dá de “Reformado” é truncada. O motivo pelo qual não vemos uma resposta Puritana é porque não há influencia teológica Puritana nas igrejas que ele entrevistou. Ele somente vê a superfície. A essência não é Reformada.

Na procura por igrejas “Reformadas”, Hansen usa a TULIP – o acrônimo dos cinco pontos para Calvinismo – como sua régua de medição. Se uma Igreja acredita na TULIP (Total Depravação, Eleição Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irresistível, Perseverança dos Santos), se ensina isso, se isso se tornou o ponto central de sua doutrina, então Hansen acredita que é “Reformada”. TULIP é mencionado, direta ou indiretamente, mais de 20 vezes no artigo. É a inspiração de alguns dos convertidos ao Calvinismo que foram entrevistados em seu artigo. Algumas das igrejas “Reformadas” importantes têm cursos e instruções especiais sobre a TULIP. Outros estão nos púlpitos ousadamente pregando sobre. TULIP é o principio e fim do que Hansen define como “Calvinismo”. Ele acredita que se uma igreja é focada na TULIP, é Reformada.

A verdade que Hansen não percebeu é que TULIP não é a essência da teologia Reformada. É claro, as doutrinas da Total Depravação, Eleição Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irresistível e Perseverança dos Santos são um passo inicial importante em direção ao imenso corpo de verdades teológicas chamadas de “teologia Reformada”. É um resultado direto do conceito maior da Soberania de Deus. É uma descrição correta do estado caído do homem e da obra de Deus na salvação do indivíduo. Quando olhamos para o alto e agradecemos a Deus pelo que ele fez pessoalmente por nós, pensamos “TULIP”, mesmo que não conhecêssemos ou compreendêssemos o termo.

Em resumo, TULIP é o acrônimo para o “mecanismo” de nossa salvação pessoal. E só isso. Nada além de nossa salvação pessoal. Mas a teologia Reformada inclui imensuravelmente mais que simplesmente nossa salvação pessoal. E quanto uma Igreja faz da TULIP a soma de toda sua teologia, essa Igreja não é Reformada. Sim, ela deu o primeiro passo nessa direção, mas ainda está longe do objetivo.

Os Puritanos que os “novos Reformados” dizem gostar e seguir ficariam profundamente surpresos se alguém colocasse toda a Soberania de Deus na salvação individual das almas. Isso pareceria realmente egoísta para eles – ficaria parecendo que a Soberania de Deus foi feita para servir as necessidades do homem, em fez da salvação do homem servir aos planos de Deus. A salvação de indivíduos nunca ocupou um status tão alto no pensamento dos Puritanos e sim o Reino de Deus e sua justiça. Os Puritanos entendiam que os planos de Deus eram uma prioridade acima da salvação de indivíduos; o Faraó e seu coração endurecido era um tópico de sermão favorito para muitos pregadores Puritanos. Eles não vinham a soberania de Deus somente na salvação, mas também na condenação e em muitas outras coisas. O evangelismo realmente chamava para o arrependimento individual e para andar em justiça, mas eles compreendiam que pregar a salvação era somente o leite (Hb 6.1-2). Havia mais áreas do conhecimento e práticas que são alimentos mais sólidos e que merecem mais atenção.

O artigo de Hansen mencionou aqueles dentre os jovens “novos Reformados” que saíram das “igrejas sensíveis ao público” e se tornaram Reformadas. Mas o que mudou para essas pessoas? Sim, a justificação teológica para a fé mudou, sem dúvidas. Não acreditam mais que conquistam a própria salvação. Mas as prioridades e motivações mudaram? De jeito nenhum. Tanto em um ambiente “sensíveis ao público” quanto “novo Reformado”, o foco é no EU e no MEU, o que Deus fez por MINHA salvação. O principio e o fim é a salvação pessoal e só isso. Em um sentido muito verdadeiro, os “novos Reformados” são simplesmente uma versão teologicamente correta do movimento “sensível ao público”: o egoísmo da busca continua lá, exceto que agora tem uma teologia melhor. Essa ênfase em si mesmo, nas MINHAS necessidades, pareceria uma reinterpretação grosseira da Soberania de Deus para os antigos Puritanos. Dificilmente eles reconheceriam a si mesmos ou suas ideias no movimento “novo Reformado”. Não é o legado deles e a obsessão com batalha espiritual pessoal não fazia parte de suas mentes ou cultura.

Qual foi o legado deixado pelos Reformadores para futuras gerações?

Não foram igrejas cheias de crentes que ansiosamente estudam teologia somente para regozijar-se com sua salvação pessoal. Alias, com duas exceções – Escócia e Hungria – os primeiros Reformadores não nos deixaram igrejas permanentes. Não foram sermões intelectualizados de linguagem psicologicamente elaborada que analisam cada sentimento e emoção que um crente possa ter. Não foram sermões corajosos sobre tópicos irrelevantes, de importância periférica para nossa era e cultura. E, sem dúvidas, não foi uma crença em um Deus que somente é soberano para salvar indivíduos e nada mais.

O legado mais duradouro foi sobre o cultivo de sociedades, cujas culturas se baseavam na aplicação prática da teologia Reformada, de cima a baixo. Genebra, Estrasburgo, Holanda, Inglaterra, Escócia, Hungria, as comunidades huguenotes na França e posteriormente na Carolina do Norte e do Sul, Oranje-Vrystaat e Transval. Sociedades que se tornaram luz para o mundo, uma encarnação da liberdade e justiça de Cristo para todos. Os crentes Reformados de séculos anteriores construíram uma civilização que influenciou o mundo permanentemente. Eles mudaram o mundo, não pelo egoísmo de enfatizar a própria salvação, mas pela obediência em ensinar as nações e construir o Reino de Deus.

Foram cidades edificadas sobre o monte que nos deixou um legado, e o lema “Cidade Sobre o Monte” é o que melhor descreve a teologia Reformada hoje, não TULIP. Sejam Calvinistas ou Arminianos, Cristãos e Não-Cristãos, todo mundo na América hoje – e não somente na América – é uma testemunha do sucesso de construir aquela “Cidade Sobre o Monte”. Os Puritanos de quem Hansen falou não chegaram nesse litoral para encontrar a perfeita teologia TULIP. De fato, eles criam na soberania de Deus sobre a salvação, mas eles criam em muito mais do que isso. Eles sabiam que eram predestinados por Deus para serem os vasos escolhidos para manifestar a Soberania de Deus sobre culturas e sociedades de homens ao construir uma nova civilização. “Os reinos deste mundo vieram a ser o Reino de nosso Deus” tinha um significado muito específico para os Puritanos, e essa visão era o que caracterizava a visão deles de Soberania.

Com uma visão de Cidade Sobre o Monte, os Puritanos estavam muito mais preocupados com questões legais e culturais da sociedade do que com questões psicológicas e filosóficas da existência humana, como é o caso dos “novos Reformados”. Justiça e retidão era a prioridade acima de espiritualização excessiva e experiências místicas. Desenvolveram códigos legais, teorias e praticas econômicas, organização social, educação e ciência. Eles não se preocupavam com os pequenos e irrelevantes detalhes da vida espiritual do Cristão. Eles viam valor em encarnar as verdades de Deus na cultura, não em teologia do interior. A visão que tinham do mundo era de uma unidade, segundo a Lei de Deus, espiritual ou material, igreja, família, estado, mente, matéria, lei e graça. Eles não seriam capazes de compreender o dualismo das igrejas dos “novos Reformados”. “Pacto”, para eles, não era um termo religioso. Era o componente essencial de todas as relações, espirituais ou temporais, e todos os pactos – na esfera civil, no comercio, igreja, família, escola – deveria imitar o pacto supremo entre Deus e a humanidade em Jesus Cristo.

É por isso que quando John Whitherspoon declarou que a liberdade de cultuar e a liberdade econômica e política eram coisas inseparáveis, ele não estava declarando uma nova doutrina. Ele estava proclamando o que aprendeu com seus antepassados espirituais, com Agostinho, Calvino, Mather e Edwards. E quando os discípulos de Whitherspoon se juntaram para se tornar os Pais Fundadores dos Estados Unidos da América, isso foi um ato verdadeiramente Reformado, uma consequência lógica das doutrinas da Reforma.

Aqueles que querem ser Reformados hoje, não podem ficar limitados ao pensamento confortável de que Deus lhes deu a salvação pessoal. Reformado significa a Soberania de Deus sobre tudo – tudo na vida, pensamento e ação do homem, incluindo a sociedade e cultura do homem. Portanto, os “novos Reformados” de Hansen não são Reformados. É somente uma versão teologicamente de uma religião centrada no homem.

Da próxima vez que Cristianismo Hoje quiser encontrar o retorno do Calvinismo, a frase chave não é TULIP. O retorno do Calvinismo será conhecido pelo seguinte: “Cidade Sobre o Monte”, “Visão de Mundo Abrangente”, “Ensinar as Nações”, “Os Direitos Régios de Jesus Cristo Sobre Todas as Áreas da Vida”, “Cristandade”, “Domínio sob o Pacto de Deus”. O artigo deve se chamar: “Os Reformados, Historicamente Otimistas, Voltados para o Domínio”. Qualquer outra coisa será somente uma imitação vazia do legado dos Puritanos, não verdadeiramente Reformado.

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Tradução: Frank Brito

Fonte: www.americanvision.org