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Gordon H. Clark e Carl F. H. Henry

Tanto Gordon H. Clark como Carl F. H. Henry parecem ser os herdeiros imediatos do legado da cosmovisão de James Orr. Como filósofo profissional, escrevendo a partir de um ponto de vista evangélico protestante, Gordon Clark (1902-86) foi, no auge de seus poderes, reconhecido como “talvez o deão daqueles filósofos americanos do século XX que têm procurando desenvolver uma Weltanschauung consistente com as Escrituras cristãs”. De fato, o título de um dos seus livros mais conhecidos – A Christian View of Men and Things – sugere uma continuidade com a obra de Orr. Na introdução Clark reconhece a popularidade que o volume do teólogo escocês teve anteriormente. Contudo, mais importante do que o título ou o reconhecimento é o fato que, como Orr antes dele, Clark identifica que o naturalismo apoderou-se da mente moderna como uma explicação completa da realidade. Se o cristianismo há de enfrentar esse desafio com sucesso, ele deve ser explicado e defendido em termos abrangentes também. Uma abordagem fragmentada e desconexa simplesmente não conseguirá fazer isso. Clark explica sua estratégia em linguagem que ecoa a abordagem exata de Orr.

Portanto, o cristianismo tem, ou, alguém até poderia dizer, o cristianismo é uma visão abrangente de todas as coisas; ele toma o mundo, tanto material como espiritual, como sendo um sistema ordenado. Consequentemente, se o cristianismo há de ser defendido contra as objeções de outras filosofias, o único método adequado será o abrangente. Embora seja de grande importância defender pontos particulares de interesse, essas defesas específicas serão insuficientes. Em adição a esses detalhes, é necessário também uma figura do todo na qual eles se encaixam.

Em seu livro, Clark procede à apresentação do quadro geral, analisando o estado atual da discussão na história, política, ética, ciência, religião e epistemologia e oferecendo uma perspectiva cristã em cada caso. Ele estava convencido que deveria ser escolhido aquele sistema que fosse mais abrangente, coerente e significativo. Conforme ele coloca, “quem pode nos negar, visto que devemos escolher, o direito de escolher o princípio primeiro mais promissor?” Para Clark, o cristianismo era a escolha clara e lógica.

A tradição da cosmovisão de Orr influenciou Clark F. H. Henry (1913-2003) também. Durante os seus anos de estudante ele enamorou-se com a compreensão e defesa da fé como uma “visão da vida e do mundo” total ao ler o volume de Orr. Em sua autobiografia Henry recorda que “foi a grande obra de James Orr, The Christian View of God and the World, usado como um texto obrigatório em teísmo [no Wheaton College], que melhor contribuiu para me dar uma visão convincentemente abrangente da realidade e da vida num contexto cristão”. Por meio de Henry, a ideia de cosmovisão em geral e da cosmovisão cristã em particular tem sido promovida largamente entre teólogos profissionais e o público evangélico. “Sua ênfase era sempre sobre o quadro geral”, diz Kenneth Kantzer. “Acima de tudo ele buscou pensar clara e eficazmente, consistente e abrangentemente, sobre a cosmovisão cristã total”. Dessa forma, de maneira não surpreendente, Henry estrutura a discussão em sua obra mais importante, God, Revelation and Authority, em termos de cosmovisões, e ele escreveu inúmeros volumes para audiências mais populares que abordam o mesmo tema. Nessas obras ele defende uma ressurgência das perspectivas cristãs em torno de todo o espectro da vida para impedir a crescente paganização da cultura contemporânea. Em 1998 Henry ainda defendia o conceito da cosmovisão cristã contra inúmeros críticos. Com frequência reconhecido como o “deão” dos teólogos evangélicos americanos contemporâneos, Henry tem exercido influência considerável em promover o cristianismo como uma cosmovisão completa.

Os mananciais da concepção do cristianismo como uma Weltanschauung abrangente e sistemática dessa forma tiveram origem na Escócia, na vida e no pensamento do grande teólogo presbiteriano James Orr. As águas do pensamento de cosmovisão são constantemente bombeadas dessa fonte para dentro do mainstream evangélico por escritos do filósofo Gordon Clark e do teólogo Carl Henry. Nos dias de Orr, entrementes, uma agenda parecida era desenvolvida no continente da Europa, agora por uma figura eclesiástica e política holandesa de proeminência cada vez maior, o segundo daqueles dois principais pontos de entrada intelectuais pelos quais a ideia de cosmovisão tem alcançado a igreja evangélica contemporânea.

[1] Ronald H. Nash, prefácio ao livro The Philosophy of Gordon H. Clark: A Festschrift, ed. Ronald H. Nash (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1968), p. 5. Clark possui também uma discussão extensa sobre a necesidade de uma cosmovisão e da cosmovisão teísta em particular nos dois primeiros capítulos do seu livro A Christian Philosophy of Education (Grand Rapids: Eerdmans, 1946).

[2] – Gordon H. Clark, A Christian View of Men and Things: An Introduction to Philosophy (Grand Rapids: Eerdmans, 1951; reprint, Grand Rapids: Baker, 1981).

[3] – Clark, A Christian View, p. 25.

[4] – Clark, A Christian View, p. 34.

[5] – Scorgie, A Call for Continuity, p. 156 n. 4.

[6] – Carl F. H. Henry, Confessions of a Theologian: An Autobiography (Waco, Tx.: Word, 1986). p. 75).

[7] – Kenneth S. Kantzer, “Carl Ferdinand Howard Henry: An Appreciation”, em God and Culture: Essays in Honor of Carl F. H. Henry, ed. D. A. Carson e John D. Woodbridge (Grand Rapids: Eerdmans, 1993), p 372.

[8] – Veja especialmente Carl F. H. Henry, God Who Speaks and Shows: Preliminary Considerations, vol. 1 de God, Revelation and Authority (Waco, Tx.: Word, 1976). Outras obras relevantes de Henry apresentando o tema da cosmovisão incluem: Remaking the Modern Mind (Grand Rapids: Eerdmans, 1946); The Christian Mindset in a Secular Society: Promoting Evangelical Renewal and National Reighteousness (Portland, Oreg.: Multnomah, 1984); Christian Countermoves in a Decadent Culture (Portland, Oreg.: Multnomah, 1986); Resgatando a Fé Cristã (Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012); God of This Age or God of the Ages? (Nashville: Broadman and Holman, 1994).

[9] – Henry, “Fortunes”, pp. 163-76. Os críticos a quem Henry responde em defesa da noção da cosmovisão argumentam que ela é uma construção modernista e muito racionalista ou especulativa em natureza, ou que as cosmovisões em si são mitológicas em conteúdo ou inteiramente condicionadas pela cultura. Veja os capítulos 9 e 11 neste volume para uma discussão crítica dos pontos fortes e fracos da noção de cosmovisão, e o uso desse conceito por cristãos.

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Fonte: David K. Naugle, Worldview: The History of a Concept. Páginas 14-16.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto, junho/2011.