Pular para o conteúdo

Deus proíbe imagens de Cristo?

Imagens de Cristo são permitidas em contextos não cultuais?

Tenho defendido o direito de representações artísticas de Cristo. Não tenho defendido — e, de fato, me coloco contra — o uso de imagens de Cristo no culto. Em Deuteronômio 4.15, Deus adverte expressamente a Israel: “Guardai, pois, cuidadosamente as vossas almas, pois aparência nenhuma vistes no dia em que o Senhor vos falou em Horebe, do meio do fogo; para que não vos corrompais e vos façais alguma imagem esculpida na forma de qualquer figura”. Esta declaração proíbe diretamente o uso de imagens no culto.

Recentemente, publiquei uma declaração sobre a permissão de imagens de Cristo em contextos não cultuais. Meu interesse neste assunto não se deve ao fato de eu gostar de quadros de Cristo. Na verdade, não tenho nenhum pendurado em minha casa; prefiro pendurar os versículos bíblicos que minha esposa bordou em ponto cruz e emoldurou.

Antes, envolvo-me neste debate porque me interesso por um raciocínio teológico e exegético sólido. E o debate acerca de quadros de Cristo expõe raciocínios exegéticos e teológicos errôneos. O que quero dizer com isso?

Do ponto de vista exegético, é impossível extrair uma condenação de quadros de Cristo a partir do Segundo Mandamento (a menos, é claro, que alguém os reverencie em adoração). O mandamento trata da adoração de imagens.

Do ponto de vista teológico, é impossível distinguir corretamente as duas naturezas de Cristo nos argumentos apresentados contra imagens de Jesus. E é impossível proibir representações mentais de Cristo sem, ao mesmo tempo, condenar os apóstolos, que certamente se lembravam de como ele era — e até falaram sobre isso (1 João 1.1-2)!

A LEI DE DEUS E AS REPRESENTAÇÕES DE CRISTO

Cristãos reformados geralmente têm se oposto a quaisquer representações artísticas de Cristo. Isso decorre de sua reverente preocupação quanto à transgressão da Lei de Deus, particularmente do Segundo Mandamento. Infelizmente, porém, esse temor é, em certos aspectos, teologicamente desequilibrado. Permita-me apresentar um breve estudo das implicações teológicas e exegéticas do Segundo Mandamento.

Deus e representações visíveis

O Segundo Mandamento declara: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima no céu, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o Senhor, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem” (Êx 20.4-5). Aqui, Deus proíbe expressamente a confecção de imagens. Mas o que exatamente está sendo proibido?

Os Amish estão fundamentalmente equivocados quando proíbem todas as representações visíveis com base em sua interpretação do Segundo Mandamento. Por exemplo, eles proíbem o uso de espelhos porque refletem suas próprias imagens. Proíbem também a arte, pois esta cria “imagens”. Contudo, a Bíblia não proíbe todas as imagens. Em Números 21.8, Moisés é ordenado a “fazer uma serpente abrasadora e pô-la sobre uma haste”. Em Êxodo 25.18, o Senhor ordena a Israel que “faça dois querubins de ouro e os coloque sobre o propiciatório no tabernáculo”. Assim, a própria Escritura justifica a confecção de imagens, embora não para fins de adoração e culto (o que é precisamente o alvo do Segundo Mandamento).

O que, então, proíbe o Segundo Mandamento? João Calvino explica corretamente, em suas Institutas (2.8.17), que ele proíbe “ousarmos sujeitar Deus, que é incompreensível à nossa percepção sensorial, ou representá-lo por qualquer forma”, e que “nos veda adorar quaisquer imagens em nome da religião”.

Mas por que Deus proíbe a confecção de imagens dele? Calvino prossegue: “Formas visíveis são diametralmente opostas à sua natureza. Toda representação figurativa de Deus contradiz seu ser”. Deus é invisível (Cl 1.15; 1Tm 1.17), não está localizado (isto é, ele é onipresente, Jr 23.24), e é glorioso além de qualquer descrição. Consequentemente, lemos em Deuteronômio 4.12 que “o Senhor vos falou do meio do fogo; ouvistes a voz de palavras, porém não vistes forma alguma”. Mesmo no céu, os serafins cobrem seus rostos diante da majestade de Deus (Is 6.2).

Portanto, lemos em Deuteronômio 4.15-19: “Guardai, pois, cuidadosamente as vossas almas, pois aparência nenhuma vistes no dia em que o Senhor vos falou em Horebe, do meio do fogo; para que não vos corrompais e vos façais alguma imagem esculpida na forma de qualquer figura, semelhança de homem ou de mulher, semelhança de algum animal que há na terra, semelhança de alguma ave que voa pelos céus, semelhança de algum réptil que se arrasta sobre a terra, semelhança de algum peixe que há nas águas debaixo da terra. E guarda-te, não levantes os olhos aos céus e, vendo o sol, a lua e as estrelas — todo o exército dos céus — sejas seduzido a inclinar-te perante eles e dar-lhes culto, coisas que o Senhor, teu Deus, repartiu a todos os povos debaixo de todos os céus”.

Calvino certamente está correto ao observar que “toda estátua que o homem erige ou toda imagem que pinta para representar a Deus simplesmente desagrada a Deus como algo desonroso à sua majestade”. Assim, é evidente que não devemos produzir imagens de Deus, nem usar imagens como instrumentos de culto.

Cristo e representações visíveis

Apesar da condenação divina quanto à confecção de imagens de Deus, cometemos um erro teológico se afirmamos que, sob nenhuma circunstância, se pode pintar um retrato de Cristo. Como isso é possível, visto que Cristo é Deus, o Filho, a encarnação de Deus (Cl 2.9; Hb 1.3)?

De forma simples, quadros de Cristo não são quadros de Deus. Esse argumento precisa ser cuidadosamente compreendido, pois, em última instância, está em jogo a própria integridade do cristianismo ortodoxo.

Em 451 d.C., o Quarto Concílio Ecumênico da Igreja, reunido em Calcedônia, declarou a visão ortodoxa e bíblica de Cristo como sendo um grande mistério. Pois Cristo possui verdadeiramente duas naturezas, ao contrário de nós. E suas duas naturezas estão contidas em uma só pessoa “sem confusão, mudança, divisão ou separação”. Consequentemente, Cristo tem tanto uma natureza divina quanto uma natureza humana — sem qualquer mistura ou diluição de uma na outra.

Assim, um retrato de Cristo é um retrato de sua humanidade, pois ele possui, de fato, um corpo verdadeiramente humano (bem como uma alma verdadeiramente humana). Um retrato de Cristo não é um retrato de sua essência divina interior, nem mesmo de sua alma. Antes, é um retrato de sua forma corporal externa. Portanto, um retrato da forma humana de Cristo é um retrato de sua humanidade, não de sua divindade; é um retrato do homem (o Deus-homem), não um retrato de Deus.

Alguns objetarão que não se pode separar o humano do divino, pois estão para sempre unidos numa só pessoa em Cristo. É verdade que não se pode separá-los, mas se pode distingui-los. De fato, a visão ortodoxa de Cristo exige que as duas naturezas sejam distinguidas, pois são sem mistura ou diluição.

Devemos lembrar que o ponto central da encarnação é o fato de que o Deus eterno não poderia morrer pelos pecados de seu povo eleito a fim de prover redenção (Hb 2.9-15). Consequentemente, a Segunda Pessoa da Trindade assumiu para si um verdadeiro corpo e alma humanos para cumprir a redenção:

Gálatas 4.4-5: “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”.

Hebreus 10.5: “Por isso, ao entrar no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste; antes, um corpo me formaste”.

Assim, quando produzimos representações artísticas de Cristo, não estamos fazendo imagens de Deus, que é invisível e impossível de ser representado. Antes, o próprio Deus preparou essa “imagem”, o corpo de Cristo. Representar artisticamente a forma humana de Cristo não é nossa tentativa de reduzir a natureza divina a uma imagem. E o corpo que Cristo assumiu era verdadeiramente humano: era um corpo suscetível à sede (Jo 4.7; 19.28), ao cansaço (Mt 8.24), à fome (Mt 21.18) e à morte (Rm 5.6).

Devemos ser cuidadosos para não sugerir que seu corpo era divino. Quando cortava o cabelo, a divindade não caía ao chão para se perder. Quando seu corpo jazia no túmulo na frieza da morte, a divindade não estava morta. Antes, o corpo mortal de Cristo era a manifestação real e tangível de sua verdadeira condição encarnada. E, como tal, era passível de reprodução artística.

Devemos recordar a razão bíblica pela qual Israel foi proibido de fazer uma imagem de Deus: “Então o Senhor vos falou do meio do fogo; ouvistes a voz de palavras, porém não vistes forma alguma — apenas voz. […] Guardai, pois, cuidadosamente as vossas almas, pois aparência nenhuma vistes no dia em que o Senhor vos falou em Horebe, do meio do fogo; para que não vos corrompais e vos façais alguma imagem esculpida na forma de qualquer figura” (Dt 4.12, 15-16).

João 1.18 nos informa que “ninguém jamais viu a Deus”. No entanto, muitos homens viram a Cristo. João também nos informa, nesse mesmo contexto, que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória” (Jo 1.14). De fato, enquanto andava sobre a terra, ninguém podia dizer, por sua aparência, que nele habitava a natureza divina (exceto talvez na transfiguração, Mt 17.1-2). Como João explica em outro lugar: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida” (1Jo 1.1).

Quando participamos da ceia do Senhor, participamos de elementos tangíveis que representam o corpo humano corpóreo do Senhor. E o próprio Cristo nos deu essa “imagem” dele.

Devemos nos perguntar: Se a fotografia existisse no primeiro século, Deus proibiria retratos de Cristo? Sem dúvida que não, pois ele não proibiu as pessoas de olharem para ele. E certamente os próprios discípulos (em especial) se lembrariam com carinho de sua aparência terrena.

CATECISMO E ARTE

Considerarei brevemente o Catecismo Maior de Westminster especificamente, e então a questão geral de se o artista cristão deve retratar a vida de Cristo em sua arte.

Representações visíveis e nosso Catecismo

A resposta do Catecismo Maior de Westminster à Pergunta 109 afirma: “Os pecados proibidos no segundo mandamento são […] fazer qualquer representação de Deus, de todas ou de qualquer das três pessoas, seja interiormente em nossa mente, seja exteriormente em qualquer tipo de imagem ou semelhança de qualquer criatura; todo culto prestado a isso, ou a Deus nisso ou por meio disso…”.

Creio que esta resposta catequética é teologicamente exata. Mas percebo que muitos cristãos reformados compreendem mal suas implicações teológicas quando negam todas as representações artísticas de Cristo.

O Catecismo proíbe “qualquer representação de Deus”. Mas devemos lembrar que, segundo a ortodoxia histórica, evangélica e fiel às Escrituras, Cristo possuía um corpo verdadeiramente humano, e que o divino não está co-misturado no humano. Assim, um retrato de Cristo é um retrato de sua forma humana, não de sua deidade oculta e interior. Na Transfiguração, Cristo permitiu que sua natureza divina interior brilhasse, mas fora isso ela permaneceu velada aos olhos humanos.

Se interpretarmos essa resposta do Catecismo como significando que nenhum retrato do corpo de Cristo pode ser feito (o que ela não afirma), então o Catecismo condenaria os próprios apóstolos. Observe que o Catecismo não apenas proíbe “qualquer representação de Deus”, mas também projetar imagens “interiormente em nossa mente”. Consequentemente, quando os discípulos se lembravam (em sua mente) da forma humana de Cristo, estariam, por essa interpretação, transgredindo o Segundo Mandamento.

Além disso, vocês mesmos estariam, de tempos em tempos, culpados de idolatria. Pois como pode um ministro pregar sobre a cruel crucificação de Cristo sem que sua mente forme uma imagem mental daquilo que ele provavelmente parecia pendurado na cruz? E, no entanto, nada mais estariam fazendo do que conceber mentalmente o que testemunhas do primeiro século de fato viram com seus próprios olhos.

A fé cristã encoraja a arte

Ao tratar do Segundo Mandamento, João Calvino escreve (Institutas 1.11.12): “Contudo, não sou dominado pela superstição de pensar que absolutamente nenhuma imagem seja permissível. Apenas aquelas coisas devem ser esculpidas ou pintadas que os olhos sejam capazes de ver: que a majestade de Deus, que está muito acima da percepção dos olhos, não seja aviltada por representações indecorosas”.

Creio que um grande, embora sutil, perigo espreita nessa concepção reformada amplamente difundida. O que se leva as crianças a crerem quando nunca veem um retrato de Cristo? Elas veem retratos de Abraão, Isaque e Jacó em seus materiais escolares da Escola Dominical. Veem retratos dos discípulos. Mas toda vez que Jesus deveria estar presente com os discípulos, está estranhamente ausente. Não estarão sendo inadvertidamente ensinadas de que ele carecia de uma presença real e corpórea?

E que será da influência do cristianismo nas artes? Proibiremos os artistas cristãos de representarem para a posteridade alguns dos maiores acontecimentos históricos de todos os tempos? Proibiremos que retratem o nascimento? O batismo de Cristo? Sua morte e ressurreição?

Devemos lembrar que Deus criou um corpo real para Cristo. Que ele habitou realmente na história em um corpo mortal. Obviamente, devemos proibir o uso de imagens no culto, como objetos de veneração (assim como devemos desencorajar as pessoas de venerarem suas Bíblias físicas, como se o objeto físico fosse de algum modo sagrado). Mas creio que erramos quando vamos além do Segundo Mandamento e negamos todas as representações do Cristo encarnado.

PREOCUPAÇÕES PRÁTICAS E RETRATOS DE CRISTO

A seguir, responderei a duas preocupações comumente levantadas a respeito de retratos de Cristo.

Imagens no culto

Tenho defendido o direito a representações artísticas de Cristo. Não defendi — e, de fato, me coloco contra — o uso de imagens de Cristo no culto. Em Deuteronômio 4.15, Deus adverte expressamente a Israel: “Guardai, pois, cuidadosamente as vossas almas, pois aparência nenhuma vistes no dia em que o Senhor vos falou em Horebe, do meio do fogo; para que não vos corrompais e vos façais alguma imagem esculpida na forma de qualquer figura”. Esta declaração proíbe diretamente o uso de imagens no culto.

Nosso culto a Deus deve ser direto — isto é, dirigido ao próprio Deus. Ao passo que, ao produzir uma imagem com a finalidade de adoração, a imagem em si mesma se torna objeto de veneração e adoração.

Por fim, não vemos na Escritura o uso de imagens no culto a Deus. Não vemos tal prática em nenhum dos testamentos. Não vemos a adoração por meio de imagens nem em preceito nem em prática. Deus é quem dirige a forma de nosso culto — e o faz com zelo ciumento. Vemos isso demonstrado de maneira dramática em Levítico 10.1-3:

Ora, Nadabe e Abiú, filhos de Arão, tomaram cada um o seu incensário e, pondo neles fogo e sobre este incenso, trouxeram fogo estranho perante o Senhor, o que ele não lhes ordenara. Então saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor. Disse Moisés a Arão: Isto é o que o Senhor falou, dizendo: Serei santificado naqueles que se cheguem a mim, e serei glorificado diante de todo o povo.

Como ensina Jesus no Novo Testamento: “Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24). Aqui aprendemos que Deus deve ser adorado conforme as exigências da verdade, isto é, segundo o ensino expresso da Escritura.

Imagens na arte

Retratos de Cristo não devem ser usados como auxílios no culto. Contudo, podem ser usados em outros contextos e com outros propósitos. Por exemplo, podem ser utilizados na arte para representar grandes eventos históricos, e podem ser empregados como “marcos visuais” de caráter educativo.

Representações artísticas de Jesus o mostram agindo no mundo material, no curso da história objetiva. Deus é a fonte de nossa criatividade e talentos. Chegamos até mesmo a chamar as habilidades artísticas de “dons” e dizemos daquele que as possui que é “dotado”. Deveriam, então, os que são dotados nas artes visuais abster-se de criar representações artísticas dos maiores eventos da história? A arte deveria omitir — proibir! — a retratação do nascimento de Jesus, sua morte na cruz, sua ressurreição do túmulo, sua ascensão à glória? Estes estão entre os maiores e mais gloriosos eventos da história — que, em sentido muito real, é a “sua história”.

COMO ERA A APARÊNCIA DE CRISTO?

Agora considerarei duas questões práticas relativas a retratos de Cristo.

Nas seções anteriores, abordei a questão das imagens visíveis de Cristo por causa do debate que surge acerca da legitimidade das representações artísticas de Jesus. Sou profundamente reformado, firmemente comprometido com os Padrões de Westminster. Nesses Padrões e entre muitos dos meus irmãos reformados, vemos uma forte rejeição a quaisquer e todas as representações visuais de Cristo.

O absurdo de tal argumentação

Infelizmente, um efeito colateral dessa posição é a proibição de toda representação artística de alguns dos elementos históricos mais importantes da fé cristã: aqueles relacionados à vida de Cristo. Tenho argumentado que podemos produzir imagens de Cristo para fins educativos e artísticos, embora não como auxílio ao culto.

Mas quando se apresenta um argumento em defesa de imagens visuais de Cristo, frequentemente surge uma reação emocional, que logo assume o controle e busca desesperadamente algum outro motivo para rejeitar tais expressões artísticas. Muitos abandonam os argumentos exegéticos e teológicos e partem diretamente para a dificuldade prática da representação visual de Cristo: “Como podemos pintar um retrato de Cristo se não sabemos como ele era?”

Mas esta objeção, na verdade, não é objeção alguma — e certamente não é lógica. Podemos facilmente submeter esse argumento a uma reductio ad absurdum. Fazer tal pergunta é minar toda representação artística de qualquer pessoa, lugar ou evento que não tenhamos visto com nossos próprios olhos. Ou para os quais não possuímos fotografias. Ou para os quais não temos pinturas, estátuas ou baixos-relevos esculpidos por testemunhas oculares competentes e artisticamente talentosas.

Por essa lógica, não deveríamos permitir nenhuma arte representando eventos antigos, a menos que tenhamos um registro artístico autêntico da pessoa ou evento, criado por alguém que os tenha realmente visto. Não deveríamos produzir imagens de Abraão, do rei Davi ou dos apóstolos. Tampouco deveríamos ter quadros de batalhas antigas, de pessoas comuns do ano 100 a.C., de descobertas célebres ou de qualquer outra coisa que não tenha sido preservada por um registro visual objetivo. Este argumento simplesmente não faz sentido.

O erro de tal argumentação

É verdade, naturalmente, que não sabemos exatamente como era a aparência de Cristo. Mas possuímos uma quantidade enorme de informações sobre sua aparência. Sabemos que ele era homem, tinha dois braços, dois cotovelos, duas mãos, duas pernas, dois joelhos, dois pés, dois olhos, dois ouvidos, uma cabeça, um nariz, duas sobrancelhas, cabelo, lábios, dentes, língua, um torso, estrutura óssea, pele cobrindo tudo isso, etc., etc., etc., etc., etc.

Sabemos também que tudo isso estava organizado sob a forma do que diariamente experimentamos como um homem. Esses elementos corporais não eram um amontoado aleatório de partes anatômicas, como aqueles que restam após um culto muçulmano no Oriente Médio hoje. Portanto, sabemos que sua aparência era bastante distinta e facilmente diferenciável de lâminas de grama, moléculas de ferro, continentes, arame farpado, aparadores de livros, rios, lemingues, sanduíches de presunto, purificadores de ar Glade, tinta seca, teclados de computador (e outras partes associadas a um sistema computacional), fórmulas matemáticas, aurora boreal, o alfabeto, numerais romanos, nebulosas cometárias, explosões atômicas, tsunamis, o Egito, e assim por diante.

Ou seja, sabemos que ele se parecia com um homem. Na verdade, sabemos que sua aparência era sem atrativos — como a de um homem comum, ordinário. O registro bíblico não indica qualquer surpresa ou confusão quanto à aparência de Jesus por parte das pessoas que com ele interagiam (exceto no caso de sua transfiguração temporária). As pessoas se dirigiam a ele como a outro homem qualquer, semelhante a elas. Não sabiam sequer que ele era o Filho de Deus encarnado — a menos que ele lhes ensinasse isso, e cressem. E mesmo assim, sua aparência exterior permanecia a mesma.

Assim, no grande quadro (sem trocadilho intencional), sabemos como ele era. Ainda que não saibamos exatamente como era. Sabemos, isto é, que ele veio “em semelhança de homens” e foi “reconhecido em figura humana” (Fp 2.7-8). E esse é o ponto das representações artísticas de Cristo. Nenhum artista, fora o místico mais extremo ou algum visionário carismático, alega estar pintando o retrato exato de como Jesus era fisicamente.

O desespero de tal argumentação

Alguns têm argumentado que, após a ressurreição, nem mesmo os próprios discípulos e amigos de Jesus o reconheceram. Mas isso é absolutamente irrelevante para a discussão. Afinal, seus amigos e discípulos o reconheceram antes da ressurreição. Isso significa, então, que podemos pintar quadros de Cristo antes da ressurreição? Estou certo de que o objetor não deseja essa conclusão lógica.

Além disso, esse problema parece resultar de algum tipo de intervenção divina, concebida para intencionalmente confundi-los após a ressurreição — provavelmente a fim de prová-los. Por exemplo, a respeito dos discípulos no caminho de Emaús que não o reconheceram, lemos em Lucas 24.31: “Então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram”. Isso implica que suas mentes estavam fechadas para essa possibilidade até que Deus lhes removeu a barreira mental.

Na verdade, o oponente de retratos de Cristo deve ter cuidado ao insistir nesse argumento. Afinal, a ortodoxia histórica ensina que Cristo ressuscitou com o mesmo corpo com que morreu. Assim, sua aparência teria permanecido a mesma. De fato, seu corpo ressurreto ainda continha as marcas de sua crucificação (Jo 20.27).

E, por fim, as pessoas que inicialmente não reconheceram o Cristo ressurreto, acabaram por reconhecê-lo. E, portanto, o argumento baseado no não-reconhecimento serviria, na verdade, para justificar retratos do Jesus então reconhecido. O máximo que esse argumento poderia sustentar seria: não deveríamos fazer retratos do Cristo ressurreto nos primeiros cinco minutos de sua aparição a diferentes pessoas — mas, depois disso, tudo bem.

É claro que algumas representações artísticas de Cristo são mais fiéis à forma como ele provavelmente teria se apresentado: como um homem de pele morena, cabelos escuros, do Oriente Médio. E se o retrato de Sallman, “Cabeça de Cristo”, ofende por esse motivo, a ofensa constitui apenas um argumento contra esse tipo específico de representação.


Nota do revisor: Sobre esse assunto, veja o excelente livreto de Jeffrey J. Meyers: Quando precisamos de imagens de Jesus: Um estudo sobre arte, culto e o Segundo Mandamentohttps://amzn.to/3GJCPZ0


Fonte: https://theaquilareport.com/does-god-forbid-images-of-christ/
Tradução: Francisco Batista de Araújo