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João Calvino: o Reformador Suíço

Introdução

Quando Karl Barth estava preparando uma série de palestras sobre João Calvino, ele escreveu a um amigo:

[quote]Calvino é uma catarata… falta-me completamente os recursos, as ventosas, até mesmo para assimilar esse fenômeno, isso para não falar sobre a sua apresentação satisfatória. O que recebo é apenas um pequeno e tênue jorro e o que posso dar em retorno, então, é apenas uma porção ainda menor desse pequeno jorro. Eu poderia feliz e proveitosamente assentar-me e passar o resto de minha vida somente com Calvino.[/quote]

Impossível alguém questionar a asserção de que João Calvino é o maior reformador de todos os tempos. Mais livros têm sido escritos sobre ele e sua teologia do que sobre qualquer outra figura na história da igreja. Todos aqueles que nos últimos 450 anos têm estimado as doutrinas da graça reivindicam Calvino como seu líder espiritual. E todos os que confessam uma teologia inteiramente bíblica e incorporada em todos os grandes credos dos séculos XVI e XVII chamam a teologia deles de calvinismo. Além das próprias Escrituras Sagradas, há poucos livros, se os há, que têm exercido a influência nos séculos subseqüentes mais do que as Institutas da Religião Cristã têm exercido até o presente.

Não obstante, Calvino, depois que iniciou sua vida de trabalho, jamais se afastou para longe de Genebra, uma cidade relativamente pequena na Suíça Francesa. Foi aqui que ele apareceu em uma noite tempestuosa; foi aqui que ele permaneceu, alarmado pela ameaça de William Farel; foi aqui que ele realizou toda a sua obra. Porém, agora a obra dele circula pelo globo. A única explicação para isso só pode ser a de que Deus, mediante Calvino, trazia a reforma à sua igreja sitiada.

Contexto na Suíça

A parte da Suíça que nos interessa era denominada Suíça Francesa, porque fazia fronteira com a França e se falava ali o francês. Era composta dos cantões de Genebra, Vaud e Neûchatel. No cantão de Genebra encontrava-se a cidade de mesmo nome às margens de um lago também chamado Genebra.

O governo de Genebra exige uma breve explanação pois que tinha de desempenhar um papel considerável na Reforma lá. Os cidadãos da cidade encontravam-se anualmente na Assembléia Geral para eleger quatro síndicos e um tesoureiro. Os cidadãos, por seu turno, eram governados por um Pequeno Conselho de 25, o qual incluía os síndicos correntes e aqueles dos anos anteriores. O Conselho de 60, nomeado pelo Pequeno Conselho, decidia assuntos políticos de maior monta. Em 1527 um Conselho de 200 foi adicionado, o qual incluía o Pequeno Conselho e 175 outros escolhidos por este. Foi sobretudo esse último grêmio que proporcionou a Calvino muitos de seus problemas.

A Reforma chegara não somente à Alemanha, mas se espalhara para outras partes da Europa. Na Suíça, Zuínglio efetuara a maior parte da obra, e em Genebra o caminho para Calvino fora preparado pelo fervoroso e radical reformador, William Farel.

Berna, ao norte de Neûchatel, juntara-se à Reforma em 1528 e enviou mensageiros à Suíça Francesa para pregar ali o evangelho. Farel foi o líder e uma figura mais poderosa dificilmente podia ser achada.

Todo o trabalho de Farel foi levado a efeito com grande esforço e em turbulência e em 1532 Farel foi expulso da cidade. Em 1534 regressou e através de controvérsias e pregações conquistou um pouco de descanso para os protestantes que se converteram sob sua pregação. Contudo, a seu favor estava o fato de que, por Genebra ser tão pequena, estava tecnicamente sob o governo da Basiléia, e a Basiléia apoiava a Reforma. Gradualmente os padres, frades e freiras começaram a deixar a cidade, e a Reforma foi oficialmente estabelecida em 1535 e 1536. Mas a cidade continuava a herdeira do catolicismo romano: um lugar de assustadoras condições morais.

A Juventude de Calvino

Calvino nasceu em 10 de julho de 1509 em Noyon, França, 26 anos após o nascimento de Lutero. Ao passo que esse nasceu em uma parte da igreja onde se enfatizava a piedade e a religião, Calvino nasceu em uma parte daquela que tinha em grande conta educação e cultura. Pouco se sabe de sua mãe; seu pai era secretário apostólico do bispo de Noyon, mas caiu em dificuldades financeiras, tornou-se um constrangimento à igreja e foi excomungado.

Quase desde o princípio Calvino estava destinado ao clero, e aos doze anos recebeu parte da receita de uma capelania que o sustentava em seus estudos. Esses, apesar de em várias escolas, deram-se principalmente em Paris. Talvez eles todos possam ser mais bem resumido pela seguinte descrição do trabalho dele no Colégio de Montaigu, uma famosa escola conhecida por sua disciplina austera e sua comida ruim. Erasmo, que estudou aqui poucos anos antes de Calvino, queixou-se mais tarde dos ovos estragados que era forçado a comer no refeitório. Os contínuos problemas de Calvino com indigestão e insônia provavelmente se derivavam da rígida alimentação e de sua inclinação por estudar até altas horas em Montaigu. Reza lenda posterior que, durante esses anos, seus colegas de estudo premiaram Calvino com o apelido de “o caso acusativo”. Embora isso não seja verdade, Beza, em sua adorável biografia, reconheceu que o jovem estudante era de fato “um rigoroso censor de todas as coisas imorais em seus companheiros”. Enquanto seus colegas estavam pinoteando nas ruas ou festas turbulentas, Calvino estava ocupado com as minúcias da lógica nominalista ou com as quaestiones da teologia escolástica.

De modo geral, Calvino recebeu uma das melhores educações nas humanidades disponíveis naquela época e emergiu de sua educação um humanista consumado. Ele tornou a teologia o objeto de seus estudos, mudou para o direito, e depois retornou à teologia. Em 1532, ainda aparentemente intocado pela graça, escreveu um comentário a respeito do antigo ensaio pagão romano de Sêneca, “Sobre a Misericórdia”.

A Conversão e o Trabalho Inicial de Calvino

Porém, Deus começara Sua obra em Calvino. Já as primeiras influências algo benéficas vieram de dois mestres, um de nome Cordier, que mais tarde se tornou um protestante, e o outro chamado Wolmar, de profissão luterana.

Ao contrário de Lutero, Calvino sempre foi reticente acerca de si mesmo e de sua conversão. Beza nos relata que o pai de Calvino persuadiu a esse para estudar teologia porque Calvino “era por natureza inclinado [a teologia]; porque mesmo com pouca idade era notavelmente religioso, e também um censor rigoroso de todas as coisas depravadas em seus companheiros”. Calvino, em uma nota autobiográfica encontrada em sua carta ao Cardeal Sadoleto, escreveu:

[quote]Entretanto, embora eu haja realizado todas estas coisas (reparação pelas ofensas e fuga para os santos), ainda que eu tivesse alguns intervalos de sossego, ainda estava longe da verdadeira paz de consciência; pois, sempre que eu descia para dentro de mim mesmo, ou alçava minha mente a ti, o extremo terror se apoderava de mim – terror que nem expiações nem reparações podiam curam.[/quote]

Isso soa muito como Lutero.

Calvino chegou a Paris na mesma época em que as idéias reformadoras estavam alterando o pensamento de muitos. Em 1533 Nicholas Cop tornou-se reitor da Universidade de Paris e transmitiu um apelo por reforma em seu discurso inaugural, o qual alguns alegam que foi preparado pelo primeiro. A perseguição irrompeu quando um texto, fortemente crítico da massa, foi largamente distribuído em Paris e uma cópia pregada à porta do palácio. Cop e ele foram forçados a fugir para salvar suas vidas. E assim Calvino foi trazido ao ponto onde repudiou a igreja de Roma e escreveu sua primeira obra teológica, por incrível que pareça um ensaio sobre o sono da alma.

Por cerca de três anos Calvino perambulou como um evangelista no sul da França, na Suíça e na Itália. Parte do tempo esteve debaixo da proteção da Rainha Margarida de Navarra, irmã do rei da França; parte do tempo esteve em Ferrara da Itália na corte da Duquesa de Renee; e parte do tempo vistou a Basiléia, onde entrou em contato com alguns dos reformadores suíços.

Esses devem ter sido anos de intenso estudo nas Escrituras, porque durante esse período Calvino começou sua obra sobre as Institutas, cuja primeira edição foi publicada em 1536.

Mas, quisesse Calvino ou não, Genebra tinha de ser seu lar pelo restante de sua vida. Tudo começou quando Calvino, a caminho da Basiléia, foi forçado a desviar por Genebra. Nesta cidade ele passou a noite pensando que viria e iria sem ser observado. Porém, sua presença foi notada e Farel foi informado dela. Esse incontinenti o visitou e lhe implorou para que ficasse em Genebra e ajudasse com a obra de reforma. Calvino estava inflexível em sua recusa. Tímido por natureza e determinado a devotar sua vida ao mundo acadêmico e aos estudos, ele não queria tomar parte na barafunda resultante dos esforços para tornar Genebra uma cidade devotada à verdade escriturística. Contudo, depois de invocar do céu maldições sobre Calvino caso este não aceitasse, Farel persuadiu-o de que o lugar desse era verdadeiramente na cidade.

Primeira Estadia em Genebra

E assim começou a obra de Calvino nessa cidade. A data era 6 de setembro de 1536.

A cidade, com os efeitos de muitos séculos debaixo do catolicismo romano entrelaçados na trama de sua vida, estava repleta de toda imoralidade e requeria grande labor para trazer seus cidadãos sob o jugo do evangelho. Para realizar isso, Calvino começou ensinando, convencido de que a instrução na verdade era a única estrada para a reforma. Ele deu início a palestras expositivas sobre Paulo e o Novo Testamento, e um ano mais tarde era ordenado pastor.

Juntos, Farel e Calvino compuseram uma confissão de fé e regras de disciplina que foram aprovadas pelo Conselho. Na verdade, este apoiou todos os esforços em prol da reforma na doutrina, na liturgia e na moral.

Contudo, isso não significou que a oposição tenha sido persuadida. Gradualmente os inimigos de Calvino puderam dispor em ordem suas forças. A oposição deles era sobretudo contra o catecismo e as leis que foram passadas contrárias aos pecados predominantes. À medida que ganhavam força, ganhavam números no Conselho e conseguiam moderar os esforços rumo à reforma.

Duas coisas em especial chegaram a um ponto crítico. O Conselho dos 200 decidiu instruir os reformadores a praticarem a comunhão aberta de sorte que ninguém fosse barrado da mesa do Senhor. Isso era um golpe de morte na disciplina de Calvino. A segunda questão foi uma decisão do Conselho de fazer uso da liturgia bernense no culto. Calvino não objetava quanto à liturgia utilizada em Berna, porém, objetava vigorosamente contra o direito do Conselho de decidir semelhantes matérias para a Igreja. Nenhuma das duas partes quis ceder e o resultado foi que o Conselho decidiu expulsar Calvino e Farel da cidade.

Calvino em Estrasburgo

Depois de uma breve estadia na Basiléia, Calvino foi para Estrasburgo, uma cidade no sul da Alemanha onde a reforma suíça já se havia arraigado. Os três anos que passou nessa cidade foram provavelmente os mais felizes de sua vida. Ele não precisou combater um Conselho, não precisou batalhar contra inimigos por toda parte. Ele teve paz e quietude, tempo para estudar e escrever, oportunidade para efetuar o trabalho nos campos da liturgia e do governo da igreja.

Calvino foi nomeado para a faculdade da Universidade na cidade e chamado para ser pastor de uma igreja de refugiados franceses. Ele teve ocasião para se encontrar com teólogos luteranos e aprofundar seus próprios pontos de vista teológicos. Trabalhou nas revisões de suas Institutas e desenvolveu suas concepções sobre governo eclesiástico, cujos princípios básicos estão incorporados em nossa própria “Ordem Eclesiástica de Dordrecht”. Desenvolveu uma liturgia para a igreja que incluía uma ordem de culto (muito semelhante à que ainda usamos), formas litúrgicas, bem como versões dos Salmos.

Esses foram anos produtivos. Calvino ocupou-se com uma volumosa correspondência com todas as principais figuras da Europa. Ele escreveu várias de suas obras importantes, um dos quais foi sua missiva a Sadoleto. Sadoleto era um cardeal católico romano que escreveu uma carta ao povo de Genebra num esforço para os ganhar de volta para Roma. De certo ponto de vista humano, um trabalho magistral e persuasivo. A resposta de Calvino foi sem qualquer amargura ou rancor contra os genebrenses, mas a mais clara e útil defesa da reforma que podia ser encontrada em algum lugar. É uma leitura “obrigatória” a qualquer um que deseje saber por que a reforma no século XVI era necessária.

Calvino até se casou durante sua permanência em Estrasburgo. Sua esposa era Idelette de Bure, a viúva de um eminente anabatista a quem Calvino convertera à fé verdadeira e que morrera na peste. Ela era a mãe de vários filhos, porém, pobre e de débil saúde. Calvino tomou a responsabilidade por eles tanto quanto por ela, todavia, viveu com essa somente nove anos. Ficou solteiro o resto de sua vida. Com Idelette Calvino teve um filho que faleceu na infância, uma perda que suportou pelo resto da vida.

Segunda Estadia em Genebra

Porém, os anos felizes em Estrasburgo logo chegaram a um fim. A situação em Genebra deteriorava-se constantemente. Três partidos estavam se rivalizando pelo poder e a cidade estava mergulhando na anarquia.

Em 1541 pediram formalmente a Calvino que regressasse. Estrasburgo tinha relutância em deixá-lo ir. Ele estava até mais relutante em deixar sua vida feliz ali e aceitar os horrores de Genebra. Mas, compelido por Deus, retornou ao turbilhão (termo de Calvino) da contenda e controvérsia, onde permaneceu até que a morte o tomasse para a igreja triunfante.

Uma comprovação da estatura do homem foi sua conduta em seu retorno. No primeiro domingo ele entrou no púlpito de Saint Pierre perante uma enorme multidão agrupada em parte para o ouvir outra vez, mas em outra parte para o ouvir ralhar com seus oponentes e todo cheio de si proclamar “eu vos disse isso”. Contudo, em uma carta a Farel, Calvino conta o que fez: “Depois de um preâmbulo, retomei a exposição onde eu havia parado – pelo que eu indiquei que tinha interrompido meu ofício de pregar momentaneamente, não que tivesse desistido inteiramente”. Nada podia ter sido mais prosaico e, todavia, mais eficaz. Era como se Calvino reiniciasse seu ministério com as palavras: “Como eu estava dizendo…”

As lutas com o Conselho não foram por muito tempo, e os esforços para subjugar a cidade para que o governo de Cristo se fizesse presente não cessaram até que muitos que se opunham a Calvino partissem para outros lugares. Seus inimigos eram detestáveis e não tinham medo de exibir isso. As pessoas davam a seus cachorros o nome de Calvino, abertamente o insultavam nas ruas, por vezes ameaçavam a vida dele, perturbavam-no em seus estudos, e juravam fazer mal à família dele. Calvino suportou a tudo isso pregando, ensinando, escrevendo, levando o jugo do sofrimento de Cristo pela causa do evangelho. Dinheiro e prazer nada significavam para ele. Ele repetidamente recusava mais dinheiro oferecido a ele pelo Conselho. Ele vivia de modo frugal e sem luxo. Esteve disposto até a vender seus amados livros quando se tornou necessário. O próprio papa ficou tão impressionado com a total falta de cupidez de Calvino que expressou sua firme convicção de que, se apenas tivesse em seu séquito doze homens como Calvino, poderia conquistar o mundo.

Calvino pregava regularmente na igreja em Genebra, às vezes, numa freqüência de cinco vezes por semana; seus sermões foram anotados em escrita cursiva, e muitos publicados. Resultaram esses em uma literatura muito atilada. Ele estabeleceu a famosa Academia em Genebra, a qual virou um centro de aprendizagem para estudantes de todas as partes da Europa, os quais, tendo recebido sua educação em Genebra, regressaram para suas terras para disseminar o evangelho da Reforma ao próprio povo deles. John Knox estudou em Genebra, e foi ele quem observou que a mais perfeita escola de Cristo que podia se encontrar na terra desde os dias dos apóstolos era a cidade de Genebra. Na Academia ele deu aulas, e seus comentários, ainda dos melhores, foram os produtos de tais dissertações. Raramente, se é que alguma vez já ocorreu, eu preparo um sermão sem verificar o que Calvino tinha a dizer sobre um dado texto.

Controvérsias de Calvino

Dentro da cidade mesma os conflitos de Calvino se davam com um partido denominado Patriotas. Eram eles os descendentes dos cidadãos originais da cidade, católicos romanos inflexíveis quando Calvino chegou, e mui dados à vida descomedida. Visto como grande número de refugiados de todas as partes da Europa se mudavam para Genebra para escaparem da perseguição, os Patriotas se ressentiam do fato de que o controle da cidade estava passando para mãos estrangeiras. Odiavam Calvino e faziam tudo que estava em seu poder para o destruir. Quando a Igreja finalmente conseguiu excomungar os líderes por sua licenciosidade e o Conselho aprovou, esses homens fugiram.

Mas as controvérsias teológicas eram as mais importantes. Calvino escrevia contra o papado para mostrar os males desse e demonstrar quão longe o segundo se apartara das doutrinas de Cristo. Ele tinha de lutar para defender as verdades da trindade e da divindade de Cristo contra muitos que atacavam tais doutrinas, dentre os quais estava Serveto, queimado na estaca em Genebra por blasfêmia.

Contudo, suas controvérsias giravam sobretudo acerca de sua defesa das verdades da graça soberana e particular na obra de salvação. E, como normalmente se dá, os mais perversos ataques se concentravam contra a doutrina da predestinação soberana. Muitos detestavam esta doutrina e procuravam destruí-la. Talvez a mais interessante controvérsia sobre tal doutrina foi com o herege Bolsec. Este interrompeu a pregação de um dos pastores de Genebra para se levantar no meio do sermão e fazer um discurso contra a verdade da predestinação. O que Bolsec não sabia era que Calvino havia adentrado o santuário e estava escutando a arenga. Depois que aquele terminou, Calvino subiu ao púlpito e, em um magistral sermão, extemporâneo mas de uma hora de duração, explicou a doutrina e a provou pelas Escrituras.

Porém, Bolsec não se dissuadiu e continuou a pelejar publicamente em Genebra contra a verdade. Foi preso por sua oposição à Igreja e ao Conselho e foi julgado por heresia e difamação pública dos ministros. A opinião dos outros reformadores e igrejas suíços foi buscada antes dele ser condenado. Para amarga decepção de Calvino, com a exceção de Farel, nenhuma igreja ou reformador pôde ser achado para endossar a sua posição por completo e sem transigência. A cautela ou discordância era a respeito da doutrina de Calvino da predestinação.

Não obstante, esse perseverou e Bolsec foi condenado e banido da cidade. Da controvérsia emergiu uma das mais importantes obras de Calvino, “Um Tratado sobre a Eterna Predestinação de Deus”, uma obra que, junto com uma outra acerca da Providência, foi publicada no livro “O Calvinismo de Calvino”.

Morte e Importância de Calvino

Calvino partiu para estar com seu Senhor em 27 de maio de 1564. Ele sofrera muitas enfermidades antes de sua morte, na verdade, tantas que é de se admirar como pôde superá-las todas. Um estudante da história da igreja afirma que Calvino tinha não menos do que 12 grandes doenças no final de sua vida, muitas das quais acarretavam dor excruciante.

Em 19 de maio Calvino mandou chamar os pastores de Genebra e lhes deu adeus. Desde então ficou de cama, embora continuasse a ditar a um secretário. Farel, agora com 80 anos de idade, veio para ver seu velho amigo, apesar de Calvino insistir com ele para que não viesse. Passou seus últimos dias em oração quase contínua e suas orações eram na maior parte citações dos Salmos. Conquanto a voz dele estivesse definhada pela asma, seus olhos e mentes continuavam fortes. Via que todos desejavam vir, mas pedia que antes orassem por ele. À medida que o sol estava se pondo, por volta das 8:00 caiu em um calmo sono do qual não se despertou até acordar na glória. Ele tinha vivido 54 anos, 10 meses e 17 dias.

Calvino é a prova de que Deus emprega homens segundo Sua boa vontade. Fraco e tímido por natureza, Calvino foi lançado na entrada do turbilhão da reforma. Foi um papel que ele jamais desejou, e o qual ele denominou de sua cruz diária. Contudo, ele conhecia como poucos homens conhecem que o discipulado é caracterizado exatamente pela negação de si mesmo, tomando sua cruz, e seguindo o Senhor.

E assim Deus o usou como a figura chave na Reforma e na história subseqüente da igreja. Ainda que, ressalvada a doutrina dos sacramentos, Lutero e Calvino concordassem sobre todos os pontos da doutrina, aquele foi ordenado por Deus para arrebentar a imponente e aparentemente indestrutível cidadela do catolicismo romano. O segundo foi divinamente nomeado para erigir sobre as ruínas uma casa nova, um templo glorioso, a igreja onde Deus faz Sua habitação.

Calvino era um homem de vontade férrea. Durante quase toda sua estada em Genebra ele esteve enfermo. Todavia, venceu todas as suas indisposições e nunca deixou que a moléstia e a dor interferissem com seu trabalho. Ele trabalhou incessantemente com pouco ou nenhum descanso que até mesmo sua esposa, exasperada, pediu um pouco de tempo para o ver.

Calvino era acima de tudo um pregador e expositor das Sagradas Escrituras. Sua pregação era seu forte e permanece como de influência sem paralelo até o presente. Sua teologia estava arraigada na exegese porque a Palavra de Deus era para ele o padrão de toda verdade e direito. Seus comentários ainda são os melhores dentre todos os disponíveis, e os modernos comentários “eruditos”, muitos dos quais realmente vendidos à alta crítica, mal parecem dignos de nota em comparação.

A influência de Calvino espalhou-se por toda a Europa e no fim por todo o mundo. E essa influência não foi apenas a teologia dele, mas também sua liturgia, sua política eclesiástica e sua piedade. A herança de Calvino é – que isso jamais seja olvidado – também a herança da piedade genuinamente reformada. Seria bom se fosse escrito um livro somente sobre tal aspecto da vida de Calvino.

Calvino não era a personalidade dramática que Lutero era. Nem “abria seu coração”, como este abria. Particularmente na velhice, Lutero se tornou algo caturra e falava com veemência muitíssimo demasiada em sua oposição àqueles que discordavam dele sobre a doutrina da Ceia do Senhor. Porém, Calvino sempre respeitou Lutero pelo grande trabalho que esse fez na obra de reforma. Dizia a outros, não tão generosos para com o segundo, que, mesmo se Lutero o chamasse de diabo, ainda o honraria como vaso escolhido de Deus.

Porém, ele podia apreciar Lutero pelo que esse fez porque a vida de Calvino estava consumida pela glória de Deus. Seus inimigos denominavam-no um homem intoxicado de Deus – embriagado de Deus! Que coisa mais maravilhosa se podia dizer de um homem? O mais profundo princípio de sua teologia era a glória de Deus e a real essência de tudo que escreveu era essa grande verdade. Mas era também a vida de Calvino. Ele viveu e morreu tendo a glória de Deus como seu mais profundo desejo. Ele é um nessa nuvem de testemunhas cuja voz brada a nós pelos corredores do tempo.

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O autor: Professor Herman C. Hanko (nascido em 1930) foi ordenado ao ministério das Igrejas Reformadas Protestantes em 1955. Depois de pastorear congregações em Michigan e Iowa, em 1965 foi designado professor de Novo Testamento e História Eclesiástica na Escola Teológica das Igrejas Reformadas Protestantes em Grandville, Michigan. Serviu nessa função até a sua aposentadoria em 2001. Em sua aposentadoria, continua ocupado ensinando em vários cursos de seminário, liderando classes bíblicas, pregando em diferentes igrejas e escrevendo.

Fonte: Portraits of Faithful Saints, de Herman Hanko

Tradução: Vanderson Moura

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