Em 2015 tive uma longa conversa com Voddie Baucham1, em um cruzeiro, na costa de Cuba. Sério.
Nós dois éramos convidados do Alliance Defending Freedom, um escritório de advocacia em defesa da liberdade religiosa. Quando descobri que ele estava no cruzeiro, perguntei se poderíamos tirar um tempo para conversar. Ele concordou prontamente. Eu queria falar sobre as relações raciais na América. Estavam melhorando? Piorando? Os esforços em relação à “reconciliação racial”, que havia sido uma palavra de ordem entre evangélicos desde a década de 1980, tinham tido algum impacto? Logo no início da conversa, usei o termo “afro-americano”.
Baucham me interrompeu. “Antes de tudo”, disse ele, com uma força que me surpreendeu. Baucham era um homem grande e podia ser intimidador. Afinal, havia sido jogador de futebol americano universitário, atuando na New Mexico State University e na Rice University, antes de concluir sua graduação na então Houston Baptist University.
“Eu não sou afro-americano. Eu sou negro. Eu sou americano, e sou negro.” Mas seu tom suavizou, e ele respondeu à pergunta.
“As coisas estão incrivelmente melhores”, disse ele. “Não estão soltando cães contra pessoas negras e nem usando jatos d’água contra elas. As coisas estão melhores, sem dúvida, mas penso que há pessoas que têm interesse em que as coisas não melhorem, ou pelo menos em não permitir que as pessoas reconheçam o fato de que as coisas estão melhorando. A indústria da queixa racial é uma indústria bilionária.”
A conversa que tive com Voddie naquele dia foi franca, desafiadora, clara e direta, revigorante — uma daquelas que permanece conosco por anos. É por isso que a notícia de sua morte, nesta semana, aos 56 anos, me atingiu tão fortemente. E não fui o único a sentir agudamente a perda.
“Estamos tristes em informar aos amigos que nosso querido irmão, Voddie Baucham, Jr., deixou a terra dos que morrem e entrou na terra dos que vivem”, foi o anúncio da Founders Ministries na quinta-feira. Baucham vinha liderando o novo seminário do ministério na Flórida.
O Rev. Tom Buck, pastor da First Baptist Church em Lindale, Texas, chamou Baucham de “um querido amigo, um irmão fiel e um leão no púlpito”.
É verdade: ele era um leão, mas um leão em cuja presença os cordeiros se sentiam seguros. Impressionava-me a rapidez com que Voddie podia passar de uma declaração clara, direta e vigorosa para um tom e uma postura de ternura.
Durante nossa conversa, ele falava frequentemente sobre meninos e meninas, e sobre como criá-los para se tornarem homens e mulheres piedosos. Essa foi uma das razões pelas quais se tornou um defensor precoce e convicto da educação domiciliar, educando em casa seus próprios filhos numa época em que famílias negras que faziam homeschooling eram raras.
Ele disse que, quando começou a educar seus nove filhos em casa, “não sabia nada sobre homeschooling. Eu trabalhava em uma igreja em Sugarland, Texas, e havia ali um forte grupo de famílias que educavam no lar. Nossos dois filhos mais velhos eram os únicos que tínhamos na época, e haviam começado a estudar na escola cristã ligada à nossa igreja. Conheci esses homeschoolers e fiquei intrigado, principalmente porque nunca tinha ouvido falar sobre isso.
“À medida que investiguei e que compreendi o conceito de assumir plenamente o mandato do discipulado, isso se tornou cada vez mais atraente para mim. Quando descobri o que estava acontecendo na comunidade de ensino domiciliar… a ideia de poder adaptar a educação às necessidades de nossos filhos e aos desejos específicos de nossa família simplesmente se tornou mais atraente para mim. A ideia de não estar sobrecarregado pelo horário, pela agenda e até mesmo pelo currículo de outras pessoas, essas coisas simplesmente se tornaram mais atraentes para mim. Foram essas coisas que começaram a nos conduzir naquela direção.”
Voddie Baucham também era amplamente conhecido por conclamar os homens a “assumirem” suas responsabilidades como líderes no lar, na igreja e na cultura.
Ele me disse: “Se você já esteve no ministério pastoral por mais de quinze minutos, sabe que o pedido de oração número 1 das mulheres casadas na igreja é que seu marido seja o líder espiritual do seu lar. Há uma escassez de liderança nos lares cristãos, no que diz respeito a homens serem e fazerem o que são chamados a ser e fazer. Isso está ligado a uma real falta de compreensão, entre os homens, sobre qual é a descrição do trabalho, associada a certos elementos do movimento feminista que demonizaram até mesmo a própria palavra patriarca. Junte tudo isso, e você tem homens que não sabem o que fazer, não sabem como fazer e não têm certeza se é certo fazer. O resultado, é claro, são lares que não estão sendo conduzidos por pais”.
Mas Voddie não se limitava a diagnosticar o problema. Ele tinha uma solução.
“Eu resumo em quatro Ps: priest, prophet, provider, protector (sacerdote, profeta, provedor, protetor). [Ele deve ser] o líder espiritual, aquele que é o sacerdote ou intercessor de sua família; o profeta, o instrutor de sua família; o provedor, que garante que sua família tenha o que precisa; e o protetor, que se coloca entre sua família e qualquer pessoa ou coisa que possa lhes fazer mal.”
Quando o entrevistei há dez anos, Voddie estava em plena forma e parecia saudável. Talvez não tivesse mais a forma atlética dos tempos de futebol universitário, mas se mantinha em forma com o jiu-jítsu brasileiro. Em 2015, contudo, estava se preparando para ir à África, onde acabaria por passar seis anos como presidente de um seminário. Em 2019, chegou até a abrir uma academia de BJJ na Zâmbia.
Mas foi enquanto estava na África que surgiram problemas de saúde, trazendo-o de volta aos Estados Unidos, onde passou por cirurgia cardíaca, e sua saúde se deteriorou.
Esses problemas, no entanto, ainda estavam à frente quando conversamos em 2015. Por isso, senti-me um tanto constrangido ao perguntar o que passei a chamar de “a pergunta do legado”: Como o senhor gostaria de ser lembrado? Afinal, ele estava então em meados de seus quarenta anos. Não teria ainda muitos anos, até mesmo décadas, de vida e ministério à frente? Agora sabemos, é claro, que a resposta a essa pergunta é “não”.
Mas Voddie não se mostrou constrangido com a questão. Claramente, ele havia refletido sobre isso, e tinha uma resposta pronta: “Que eu tenha engrandecido a Cristo. Isso é o que eu quero que seja o veredito: que eu tenha engrandecido a Cristo”.
Tradução: Felipe Sabino
- Para ler a transcrição da conversa de 2015 com Voddie Baucham, clique aqui. ↩︎