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Não leia somente sozinho – por Brian J. Wright

 

Aprendi a ler aos 25 anos – ao menos foi quando aprendi a ler comunitariamente. Comecei a participar de um grupo semanal de leitura, em que discutíamos Agostinho, Calvino, Edwards, Lewis e outros em um ambiente interativo, com discussões guiadas. Eu poderia ter lido sozinho, mas eu não os teria entendido profundamente, nem teriam me impactado tão dramaticamente.

Eu ouvia os autores de forma diferente quando os ouvia falar para nosso grupo, quando 20 santos compartilhavam seus insights, experiências e estudos sobre o texto. Foi então que percebi o quão importante era ler em comunidade.

Somente depois percebi que eu estava participando de uma tradição que o povo de Deus vem praticando desde antes do primeiro século.

O que é leitura comunitária?

Paulo instruiu Timóteo, “dedique-se à leitura pública da Escritura” (1 Tim. 4.13). Ele falou para seu discípulo ler a Escritura em voz alta para a igreja, para que o povo de Deus ouvisse a Palavra de Deus juntos – como comunidade e não como indivíduos. Ele estava priorizando a leitura comunitária em detrimento da leitura individualista, fosse em um ambiente público ou privado. Leitura comunitária é quando duas ou mais pessoas se juntam para ler, ouvir e discutir um texto.

Ler com outras pessoas não era um fenômeno novo no primeiro século. Sua primeira menção é no Antigo Testamento, quando Deus ordena Moisés a escrever os eventos recentes e, então, ler para Josué (Êxodo 17.14). São muitos os exemplos de leitura comunitária e geralmente aparecem em momentos chave na história do povo da aliança, como na conclusão da Torá (Deuteronômio 31.11-12), no reavivamento durante o reinado de Josias (2 Crônicas 34.30) e no retorno da comunidade exílica em Neemias (Neemias 8.7-8). Coisas importantes acontecem quando o povo de Deus se reúne para ouvir e responder à Palavra conjuntamente.

À época de Jesus, os eventos de leitura comunitária foram penetrantes nos contextos greco-romano, judaico e cristão. De fato, todos os livros no Novo Testamento foram escritos para serem lidos em comunidade, até mesmo Filemon e 3 João. O apóstolo Paulo colocou toda a igreja “sob juramento perante o Senhor” para que lessem a carta juntos (1 Tessalonicenses 5.27). Ele instruiu e esperava que as comunidades cristãs circulassem suas cartas e as lessem em voz alta (Colossenses 4.16). João abre Apocalipse com as seguintes palavras: “Feliz aquele que lê as palavras desta profecia e felizes aqueles que ouvem e guardam o que nela está escrito” (1.3).

De acordo com o Novo Testamento, a leitura comunitária envolveu uma ampla gama de locais, participantes e culturas – espalhou-se social, bem como geograficamente. Poderia ser em um lugar pequeno e inesperado, como em uma carruagem (Atos 8.23-40) ou em um lugar grande e rotineiro, como em um culto ou em uma sinagoga (Lucas 4.16-30). Poderia ser em um local formal, como a escola de Tirano (Atos 19.9) ou informal, como uma casa (Lucas 1.63) ou um apartamento (Atos 28.23). A leitura comunitária envolvia interação e resposta (Atos 13.15-16; 18.26). Judas e 1 Pedro parecem ser endereçadas a comunidades familiarizadas com a literatura apócrifa judaica como 1 Enoque, Testamento de Abraão e Testamento de Moisés.

Evangelismo, discipulado e estudos profundos eram centrados em leitura conjunta. Por lerem em comunidade, os crentes podiam:

  1. estabelecer debates (Atos 15.16-30)
  2. regozijarem-se juntos (Atos 15.31)
  3. manter a unidade na diversidade (Atos 15.33)
  4. trazer a luz de Cristo para um mundo descrente (Atos 17.2)
  5. elogiar as pessoas (Romanos 16.1-2)
  6. entender os insights de Paulo sobre os mistérios de Cristo (Efésios 3.4)

Ler conjuntamente era normalmente mais frutífero do que ler sozinho. Ajudou o entendimento (Atos 8.3; Lucas 24.32), fomentou os lanços da comunidade (Colossenses 4.16), permitiu os cristãos a discutirem confissões em comum (Hebreus 3.1) e a ouvir o Espírito falar (Apocalipse 2.29). Na verdade, os crentes deveriam frequentar eventos de leitura comunitária, para que todos pudessem examinar e ler (2 Cor. 3.2-3).

Um fato importante obscurecido na tradução da Bíblia em inglês é que quase todo pronome de segunda pessoa e mandamentos nas epístolas estão no plural. Paulo estava escrevendo para todos vocês (you all ou y’all) não para você (you), que é como tendemos a interpretar quando lemos sozinhos.

Vamos ler juntos

A leitura comunitária tem um prodigioso pedigree vindo de Moisés e passando por Jesus (Lucas 4), por Paulo (Atos 17), pela igreja primitiva (Colossenses 4) e assim por diante. No entanto, muitos cristãos, hoje, leem pouco e se reúnem com pouca frequência. Como podemos recuperar essa grande tradição e reinstituir essa importante prática espiritual?

Primeiro, em vez de incentivar os crentes a simplesmente “pegarem e lerem”, devemos encorajá-los a “pegarem e lerem juntos”. Pastores podem promover essa prática providenciando listas de leitura para sua congregação, escola dominical e ministérios, para trabalharem como um corpo. Indivíduos podem começar grupos de leitura para discutirem não somente a Escritura ou literatura cristã, mas, também, romances clássicos, poesias e outros gêneros. Não é pecado ler outra coisa que não seja a Bíblia. Sola Scriptura significa a supremacia da Bíblia e não exclusivamente a Bíblia.

Os pais também precisam perceber que uma educação adequada inclui, se não enfatiza, a leitura comunitária. A escola cristã tradicional que minha filha frequenta cumpre isso de diversas maneiras. Eles separam um momento na semana para leitura comunitária na sala de aula, com participação, ocasionalmente, de leitores externos. Ela também encoraja os pais a lerem com seus filhos pelo menos 600 minutos por mês – cerca de 20 minutos por dia – e nos dá um formulário para marcarmos nosso progresso.

A leitura comunitária deve ganhar espaço nas igrejas, escolas e casas – não só para edificação, mas para diversão também. Por vários séculos, judeus e cristãos (4 Macabeus 18.10; 2 Timóteo 3.15) liam comunitariamente como recreação, bem como para momentos sagrados e para estudo. Eles liam, discutiam, cantavam as Escrituras em casa. Talvez, sua família possa ler (ou reler) As Crônicas de Nárnia ou podem aprender o The New City Catechism, o qual inclui música.

Independentemente de como você faça, leia com mais gente. Leia em voz alta. Leia em comunidade e como comunidade por causa da comunidade redimida de Deus e pelo bem da sua comunidade em geral.

Peguem e leiam juntos!

 

Brian J. Wright (PhD, Ridley College, Melbourne, Australia) é autor de Communal Reading in the Time of Jesus: A Window into Eearly Christian Reading Practices.Ele também é professor adjunto na New Orleans Baptist Theological Seminary e na Palm Beach Atlantic University (Campus de Orlando). Brian e sua esposa, Daniella, vivem em Pensacola, Florida, com seus quatro filhos e são membros ativos da Hillcrest Church.

Tradução: Victor Bimbato

Fonte: https://www.thegospelcoalition.org/article/dont-just-read-alone/