A Primeira das Dez Palavras trata da questão de a quem adoramos: não devemos ter outros deuses diante da face de Yahweh. A Segunda Palavra diz respeito a como adoramos: devemos nos aproximar de Deus da maneira como ele nos ordena que o façamos.
A Segunda Palavra é, por vezes, mal compreendida. Ela acabou se enredando em debates sobre se podemos ou não pintar ou desenhar imagens, ou fazer esculturas, de Jesus, ou de Deus Pai. Tem sido interpretada como uma proibição de se colocar arte — especialmente arte figurativa — em um local de culto. Alguns chegam a afirmar que ela proíbe toda arte representacional.
Essa última leitura, ao menos, leva a sério a especificidade do mandamento. Se a Segunda Palavra é uma proibição à feitura de imagens, então ela proíbe todas as imagens. O mandamento não diz: “Não façam imagens de Deus”. Ele diz: “Não farás para ti imagem de escultura das coisas que há no céu, nem na terra, nem nas águas debaixo da terra”. Isso abrange todas as coisas, pois não há nada que exista fora do céu, da terra ou do que está debaixo da terra.
Mas o mandamento não proíbe a confecção de imagens. Se fosse esse o caso, ele entraria em contradição com outros mandamentos. Apenas alguns capítulos depois, o Senhor dirá a Moisés: “farás dois querubins de ouro” (Êx 25.18), e um castiçal com copos “em forma de flores de amendoeira” (Êx 25.33), e romãs de tecido azul e escarlate (Êx 28.33). Querubins são coisas celestiais, amêndoas e romãs são coisas terrenas. Palmeiras foram entalhadas nas paredes do templo, e o trono de Salomão era ladeado por leões. Se a Segunda Palavra tivesse a intenção de proibir toda arte representacional, o Senhor não teria permanecido fiel a essa norma por muito tempo.
O Senhor não se contradiz. Ele não está proibindo o ato de fazer, nem de fazer coisas que se assemelhem às que ele mesmo criou. Ele está proibindo a confecção de semelhanças de qualquer coisa para um fim específico — para se prostrar diante delas e para servi-las.
Os dois verbos no versículo 5 são termos típicos de adoração. A palavra geralmente traduzida como “adorar” significa, na verdade, “prostrar-se”. Refere-se a uma postura corporal. “Servir” é um termo sacerdotal geral, que descreve o trabalho dos levitas e dos sacerdotes aarônicos.
Deus proíbe a confecção de imagens que sirvam como ponto focal da ação litúrgica. De forma mais direta, ele está proibindo o tipo de serviço que os sacerdotes da antiguidade realizavam diante das imagens de seus deuses. Um templo sem imagem era um templo sem uma divindade residente, e os serviços principais de um templo eram realizados diante da imagem e para a imagem. Os sacerdotes traziam alimento, limpavam a imagem, prostravam-se diante dela. Em ocasiões especiais, levavam a imagem em procissão, para que outros pudessem vislumbrá-la — embora frequentemente sob uma cobertura.
O que Yahweh proíbe especificamente é a “prostração” diante de imagens. Ele nos proíbe de adotar uma determinada postura corporal diante de imagens de escultura. Ou seja, ele não diz que está tudo bem se nos curvamos fisicamente, contanto que nosso coração não esteja inclinado. Ele não diz que somos livres para usar nosso corpo como quisermos, desde que tenhamos os pensamentos certos na mente. Ele proíbe uma ação corporal específica.
É claro que ações corporais expressam intenções. Se um sacerdote deixasse cair um pedaço de pão diante do candelabro e se curvasse para apanhá-lo, ele não estaria violando este mandamento. Deus está proibindo especificamente o ato corporal de fazer homenagem por meio da prostração, e, de modo mais amplo, está proibindo os atos de prestar homenagem a imagens e de servir imagens. Deus se importa com o que fazemos com nosso corpo, e uma boa intenção não torna uma má ação aceitável.
Isaías zomba dos idólatras por fazerem um deus a partir de um pedaço de lenha e usarem o resto da madeira para cozinhar alimentos e aquecer-se. Isso parece tão obviamente estúpido que somos levados a perguntar: Será que os antigos realmente achavam que a imagem era o deus?
É praticamente impossível saber com certeza o que os povos antigos pensavam sobre seus deuses, mas pelas fontes escritas parece que a resposta — ao menos entre as elites reflexivas — era não. Todos compreendiam que o pedaço de madeira não era o mesmo que Zeus ou Atena, que a imagem de bronze não era Baal ou Aserá ou Rá.
Em vez disso, pensavam que a imagem era um ponto de contato com a divindade. A imagem do deus era um sinal da presença do deus, e o serviço prestado à imagem era implicitamente um serviço prestado ao próprio deus. Alguns rituais do mundo antigo indicam que os ritos realizados diante de uma imagem tinham o intuito de “baixar” a essência divina para dentro da imagem. Os sacerdotes realizavam seu ofício diante da estátua para “vivificar” a essência divina nela. O metal não era o deus, mas passava a ser identificado com o deus, repleto de poder divino, um ponto de conexão entre o adorador e a divindade. Estar com a imagem significava estar na presença do próprio deus ou deusa. A imagem era vista como um “sacramento” da presença divina.
A proibição de imagens por parte de Yahweh é ainda mais radical do que podemos perceber à primeira vista. Ele não está apenas dizendo: “Eu não sou feito de pedra, madeira, bronze ou ouro”. Todos já sabiam que os deuses não eram feitos dessas coisas. Ele está dizendo: “Não pensem que podem me servir servindo a uma imagem; que podem me honrar honrando uma semelhança de mim”. Em suma, a Segunda Palavra proíbe a Israel aquilo que, para os povos antigos, era o funcionamento normal do culto.
A meu ver, nada na nova aliança revoga essa proibição. Jesus é o Filho de Deus em carne, visível e tangível, fotografável e representável. Não há nada de errado em desenhar um retrato de Jesus. Não há nada de errado com vitrais, murais ou estátuas numa igreja. Mas, então, nunca houve nada de errado com imagens, janelas, murais ou estátuas em si. No Sinai, como ainda hoje, a questão é como essas imagens são usadas.
Se isso está correto, então uma grande parte da Igreja Cristã está corrompida com idolatria litúrgica condenada pela Segunda Palavra. Nenhum cristão ortodoxo acredita que o ícone seja idêntico ao santo representado no ícone. Ninguém pensa que um ícone de Cristo é o próprio Cristo. No entanto, os cristãos ortodoxos realmente creem que os ícones são “sacramentos” da presença de Cristo ou dos santos, e que a veneração do ícone é uma forma de prestar homenagem àquele que está retratado nele. É precisamente isso que Deus proíbe.
Os debates sobre a Segunda Palavra às vezes se confundem com debates sobre a capacidade da matéria de transmitir a presença de Deus. João de Damasco sentiu a necessidade de defender a bondade da criação contra o que ele percebia como o semi-gnosticismo dos iconoclastas.
Mas essa não é a questão. A pergunta não é se coisas físicas, feitas por mãos humanas, podem se tornar veículos da autocomunicação de Deus, lugares e momentos de comunhão com ele. A pergunta é: quais coisas e momentos Deus instituiu como veículos de sua autodoação.
Jesus nos deu sinais físicos da presença de Deus: o pão e o vinho da ceia, a água do batismo, as palavras visíveis e audíveis da Escritura, a imagem de Deus renovada nos irmãos em Cristo. Jesus prometeu conceder vida pelo Espírito por meio desses meios físicos. Ele não prometeu nos encontrar em quadros e imagens. Quando cristãos buscam um encontro com Jesus por meio de uma imagem, estão procurando Deus no lugar errado.
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Fonte: https://theopolisinstitute.com/leithart_post/no-graven-images/
Tradução: Francisco Batista de Araújo