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O livro de Ester na história do pacto por James Jordan

É claro que os eventos em Ester são uma parte essencial da história da formação da Era da Restauração Pactual. Amaleque ataca. Amaleque tem seus bens tirados no espólio. Os espólios são usados para construir o templo, no sentido de que o rude templo de Zerubabel pode agora ser glorificado com esses espólios.

Isso não é entendido por comentadores por duas razões. Primeiro, o período da Restauração não é geralmente considerado como tal. Histórias da Bíblia veem o tempo “pós-exílico” como algum tipo de coda ou apêndice da história do Antigo Testamento. Na realidade, ele era a formação de uma nova aliança, a primeira etapa dos “últimos dias”. Era a primeira fase da Nova Aliança. Essa nova aliança tinha novos arranjos, estabelecidos no lugar devido pelos livros dados por Deus de Ageu, Zacarias e Ezequiel. Contudo, os panoramas da história do pacto normalmente discutem as alianças de Adão, Noé, Abraão, Moisés e Davi, ignorando a Aliança do Remanescente estabelecida por Elias e Eliseu e a Aliança da Restauração. Se essa nova aliança fosse entendida como uma nova era distinta, o lugar de Ester na história do pacto teria se torna clara anteriormente. No estado atual, precisamos corrigir esse erro.

A aliança sinaítica foi feita com Moisés e implementada por Josué. A aliança do Reino foi feita com Davi e implementada por Salomão. A aliança da Restauração foi feita com Ciro no que diz respeito ao aspecto imperial, e então foi implementada por Dario. Ciro é o novo Davi internacional e Dario é o novo Salomão internacional. Ciro, como Davi, conquista o mundo e estabelece o cenário para a construção do templo. Dario ordena a construção do templo e a executa.

Adicionalmente, isto é importante: o casamento de Salomão com a filha do Egito é celebrado em Cântico dos Cânticos, onde a garota é chamada de “sulamita”, o que simplesmente significa Sra. Sholomo, o nome de Salomão em hebraico. O livro de Ester é o equivale da Restauração ao livro do Cântico de Salomão. É o “Cântico de Dario”.

As imagens do Cântico de Salomão foram retiradas do templo de Salomão. Um interpreta o outro. O templo é a noiva, assim como a nova Jerusalém posteriormente é a noiva. Semelhantemente, Ester se conecta com o templo da Restauração. O palácio de Assuero é descrito em termos que se aproximam muito do próprio templo. Assuero se casa com Ester logo depois do templo ser reconstruído. O ataque aos judeus, que também é um ataque à noiva, Ester, corresponde às tentativas dos perversos de impedir Neemias de reconstruir Jerusalém. E, é claro, em Ester, os espólios da guerra santa são dados ao templo.

Ester como o novo êxodo

Em Through New Eyes, eu discuti o “Padrão Êxodo”. Ester segue esse padrão. Quando vemos que há um novo êxodo acontecendo em Ester, nós vemos novamente quão intimamente Estar está atrelada a todo o curso da história redentiva. Os eventos em Ester são absolutamente essenciais para o desenvolvimento do reino de Deus de Adão até Cristo. Ester é tão importante quanto o Êxodo.

Como eu apontei no livro que eu acabei de mencionar, cada detalhe do Padrão Êxodo não é apresentado em cada momento dele e há reviravoltas na forma de apresentação do padrão; contudo, o padrão sempre é óbvio e claro. Aqui está a sequência, conforme aplicada em Ester:

  1. Alguma ameaça, algum aspecto do pecado ou da maldição, tira o povo de Deus do seu lar. Os pecados de Israel levaram os judeus ao exílio da Babilônia, que virou a Pérsia.
  2. Durante o tempo no cativeiro, Eva é atacada pela Serpente, que deseja usá-la para gerar sua descendência perversa. Enquanto nada é dito sobre Assuero querendo filhos de Ester, ele a leva para o seu harém porque ela é bela, a mesma razão por que Faraó tirou Sarai de Abrão em Gênesis 12 (um dos primeiros êxodos). Nos eventos de Ester, todavia, há uma reviravolta: o “ataque” a Eva não é um ataque de verdade, mas algo que Mordecai e Ester cooperam para acontecer. Assim, num sentido mais amplo, o ataque a Eva nesta história é o ataque de Hamã à noiva de Yahweh, que Ester representa ou é o ponto focal.
  3. O uso justo da “santa fraude” para enganar a serpente e proteger Eva. Ester engana Hamã para que ele pense que ele vai ser honrado e dessa forma faz uma artimanha para que Assuero caia numa situação em que ele é confrontado com a perfídia de Hamã.
  4. Frequentemente, o povo de Deus é escravizado durante o tempo fora da terra. Não é o caso aqui.
  5. Deus traz bênçãos sobre o seu povo durante o cativeiro, mas joga pragas sobre o tirano, ou progressivamente ou como parte da libertação. Hamã observa que os judeus têm a bênção de manter leis próprias no Império Persa. Também se sugere que os jdueus são ricos, porque Hamã procura pilhá-los e pretende dar uma boa parcela dessa pilhagem a Assuero (Ester 3). A destruição de Hamã e Magogue são pragas sobre o tirano neste caso.
  6. Deus intervém miraculosamente, frequentemente com visões do senhor pagão a fimd e salvar o seu povo. O livro de Ester nos faz reconhecer a mão de Deus debaixo dos panos. O sonho dado ao senhor pagão durante a noite é, neste caso, a noite sem dormir de Assuero durante a qual ele lê as crônicas do seu reino e se propõe a abençoar a Mordecai.
  7. Frequentemente a serpente tenta colocar a culpa em outra pessoa e acusa o justo de ser a causa da dificuldade. Nenhuma cena assim acontece em Ester, embora em Ester 3 Hamã insinue a Assuero que os judeus estão perturbando o seu império.
  8. Deus humilha os falsos deuses do inimigo. No caso de Ester, isso também acontece debaixo dos panos. Hamã-Gogue claramente tem os seus próprios deuses; na verdade, quando ele se orgulha da sua glória e louva as suas realizações, Hamã parece ser o seu próprio deus (Ester 5.11). 

Há uma reviravolta deste aspecto do Padrão Êxodo em Ester. Mordecai, embora exteriormente um judeu, diz a Ester para esconder o seu povo. Ele também se rebela contra o justo decreto do rei Assuero. Ele é um exemplo perfeito do tipo de pecado que levou os judeus para o exílio: rebelar-se contra os poderes gentílicos que o próprio Deus estabeleceu, enquanto deixando de evangelizar e testeumnhar reconhecendo quem realmente são. Esta é a perversidade que Deus humilha em Ester, quando Ester é forçada a se declarar e Mordecai se torna servo do rei.

  1. O povo de Deus sai com os espólios. Já que Deus queria que os judeus fossem “espalhados como os quatro ventos” dentro do império, nenhuma saída geográfica era necessária. Já comentamos sobre os espólios.
  2. No caminho, o povo de Deus é atacado por Amaleque. Em Êxodo 17 e 1Samuel 15 vemos esse padrão. Aqui de novo. Ciro deixa o povo retornar, que é o êxodo inicial. Agora, Amaleque ataca na pessoa de Hamã, agagita, descendente do rei de Amaleque. Desta vez, todavia, o ataque de Amaleque se expande para ser uma recapitulação de todo o padrão do êxodo.
  3. Finalmente, o povo de Deus se estabelece na Terra Santa. Esse estabelecimento consiste na construção da casa de Deus com alguns dos espólios. Nós já vimos que isto aqui é claramente implicado pelo fato de que os judeus não tomavam os espólios pessoalmente, mas eles os separavam para Deus. O templo de Ezequiel, descrito segundo a batalha de Gogue e Magogue, serve para fazer esse ponto.

O que acontece na história do pacto em Ester

Os eventos de Ester, e a maneira como foram relatados, são essenciais para entender a Era da Restauração Pactual e trazer uma mudança necessária no entendimento do “povo de Deus”. Primeiro, embora Jeremias e Daniel tivessem dito aos judeus que eles seriam governados por imperadores dados por Deus até a vinda do Messias, claramente muitos judeus não aceitaram esse edito divino completamente. A recusa de Mordecai de honrar a demanda do rei de Hamã de ser honrado é o que precipitou a quase aniquilação dos judeus. A mão de Deus precisa ser observada aqui. Se os judeus continuassem nesse tipo de rebelião, Deus os aniquilaria.

Segundo, Israel era uma nação de sacerdotes e o livro de Jonas é uma crítica afiada da recusa de Israel de agir como evangelista das nações. Debaixo do conselho pecaminoso de Mordecai, Ester escondeu a sua identidade. Deus providencialmente fez acontecer que ela tinha de ou testemunhar ou perecer. Dar testemunho deveria ser ainda mais importante na Era da Restauração do que antes, porque Deus tinha espalhado o seu povo pelos quatro ventos no meio do mundo. O testemunho internacional dos judeus estabeleceu o fundamento das sinagogas, cheias de gentios tementes a Deus, que encontramos no livro de Atos.

Terceiro, Deus deu aos judeus uma grande história cheia de descrições do padrão de suas ações. Eles agora deveriam já ser amadurecidos o suficiente para entender esses padrões e identificar a mão de Deus para agirem por conta própria. Assim, Deus não é mencionado em Ester e nenhum milagre acontece. Pelo contrário, os “milagres” são providenciais. O leitor devoto pode ver a obra de Deus em Ester, mas, diferente dos livros de Êxodo, Josué, Juízes, Samuel e Reis, não se diz a ele o que Deus está fazendo explicitamente e ele não vê milagres. Há milagres em Daniel, mas nenhum milagre em Esdras, Neemias e Ester, uma geração depois. O livro de Ester ensina aos judeus que o tipo de obras miraculosas que Deus fez no passado não aconteceriam de novo, até a vinda do Messias. Não é que eles estão sozinhos; jamais! Pelo contrário, eles devem viver com justiça e ver a mão invisível de Deus agindo por meios não miraculosos.

Em quarto lugar, a associação de Amaleque com o império gentílico é nova. Anteriormente, Amaleque atacou o povo que deixou o império gentílico. Em Êxodo 17, Amaleque atacou depois de os israelitas deixarem o Egito. Em 1Samuel 15, Amaleque e Agague atacam depois de Saul e Jônatas terem derrotado os filisteus. Agora, contudo, o edomita amalequita é agente do império. O rei não sabe relamente quão maligno esse servo amalquita é. Isso prepara a cena para o relacionamento entre Herodes e Roma. Herodes era o rosto de Roma na Palestina. Enquanto os romanos são retratados na Bíblia como buscando proteger o povo de Deus, como no livro de Atos, e no fato de que Pilatos buscou poupar Jesus, os Herodes são assassinos. Os Herodes eram edomitas ou, nos termos do Novo Testamento, idumeus. Eles são, assim, o equivalente do samalequitas. O livro de Ester fornece um antegosto da situação sob os Herodes e fornece um contexto teológico para entender a tentativa de Herodes, o Grande, de matar Jesus, o assassinato por Herodes de João, o precursor, e o assassinato de Tiago e a tentativa de assassinato de Pedro por Herodes Agripa I.

Em quinto lugar, Ester é parte da revelação do caráter da terceira era. Os pecados do homem em Gênesis 3—6 são, primeiro, contra o Pai no santuário; segundo, contra o Irmão na terra; e terceiro, contra o Espírito associador no mundo (Gn 6).  Esse último pecado é o pecado do casamento misto, o pecado apontado em Esdras-Neemias, e o pecado de Mordecai quando ele colca Ester no concurso de beleza e diz para ela esconder a sua identidade. Ademais, na primeira era, a de Moisés, o pecado era contra o primeiro mandamento, como vemos em Juízes. Na segunda era, a era do Reino, o pecado era contra o segundo mandamento, como vemos no culto em “lugares altos” como no livro de Reis. Na terceira era, o pecado era contra o terceiro mandamento. As pessoas tomaram o nome de Deus sobre si em vão. Mordecai comete esse pecado quando ele se rebela contra a demanda razoável do governante designado por Deus, sendo que rebelião é como o pecado de feitiçaria (1Sm 28). Esses dois pecados são grandes tentações perante os judeus na Restauração. Eles são o contexto dos evangelhos. Jesus não guerreou contra falsos deuses ou imagens, mas contra a hipocrisia. Quando os judeus continuaram na sua feitiçaria-rebelião, eles foram destruídos em 70 d.C..

Embora provavelmente existam outros aspectos de Ester que são importantes para a história pactual, esses são suficiente para ressaltar o fato de que Ester não pode ser considerada uma piedosa obra de ficção (como os liberais fazem) ou uma história com uma lição de moral (como os conservadores fazem). Ester está no meio da linha histórica central, o cerne da história, a história do povo sacerdotal. Deus está desenvolvendo essa história para o objetivo da intervenção do Messias e, além disso, para a história da Igreja. Se colocarmos Ester de lado, perdemos uma conexão essencial nessa cadeia histórica.

James Jordan é pesquisador no Instituto Theopolis.

Original aqui.

Traduzido por Guilherme Cordeiro.