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Onde encontrar esperança e ajuda em meio à revolução sexual por Sam Alberry

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Não é segredo que o mundo ocidental tem passado por uma transformação dramática em questões de sexualidade e identidade de gênero. Vinte anos atrás, a ampla aceitação do casamento gay parecia impensável pela maior parte das pessoas. Até só 10 anos atrás, questões de transgenerismo estavam bem longe da consciência da maioria da população. Muitos em nossa cultura veem essas mudanças como um bem sem qualificações, um sinal bem-vindo do progresso a uma sociedade mais justa e inclusiva.

Mas para muitos cristãos essas mudanças têm sido assustadoras. O mundo que pensávamos conhecer sumiu debaixo dos nossos pés. A visão cristã do casamento como sendo entre um homem e uma mulher, e o pressuposto básico de que todos nós fomos feitos como homens e mulheres pode nem sempre ter sido promulgada ativamente pela nossa cultura, mas ao menos era vista como uma parte legítima (ainda que estranha) do pensamento ocidental. Agora, essas visões são vistas cada vez mais como um perigo real à sociedade.

Então, como chegamos até aqui e o que devemos fazer sobre isso?

Eu quero sugerir ao menos quatro mudanças que explicam como a nossa cultura chegou até esse momento e então sugerir sete formas em que podemos responder.

Quatro mudanças culturais relevantes

  1. As nossas intuições morais mudaram

No seu marcante livro The Righteous Mind, o psicólogo Jonathan Haidt mostra que as nossas convicções morais tendem se formar intuitivamente em vez de racionalmente. Sentimos lá no fundo o que é certo e errado moralmente, e as intuições que regem essa reação visceral mudaram por volta da última década. Alguns botões gustativos morais têm vindo à tona: um certo curso de ação parece danoso ou não; libertador ou opressivo; e igualitário ou discriminatório? Esses fatores primários, argumenta Haidt, determinam as nossas conclusões morais. 

Sendo assim, podemos ver como a cultura ocidental abraçou o casamento gay tão rapidamente. Aplicando o primeiro desses botões gustativos morais: Faz dano a alguém mais? É claro que se aquele amável casal gay da esquina puder se casar, isso não vai me afetar de qualquer forma ruim. Segundo, proibir o casamento gay parece mais opressor do que libertador. É claro que alguém tem o direito de amar o direito de amar quem quiser e exprimir esse amor da forma que eles querem. E, terceiro, parece profundamente injusto se opor a isso. Como pode ser justo ou igualitário um casal poder casar, mas outro casal não? Visto dessa forma, apoiar o casamento gay parece intuitivamente certo. Não é à toa que muitos que se opuseram a ele antes mudaram seu pensamento nos últimos anos.

Adicionalmente, podemos ver o porquê de muitos dos argumentos cristãos contra o casamento gay parecerem entrar por um ouvido e sair pelo outro: eles não fazem sentido para essas intuições morais em mutação. Muitos cristãos, sem saber, estão fazendo um raciocínio moral que não parece se conectar com a pessoa secular comum. Eu lembro assistir um debate televisivo sobre se as igrejas evangélicas deveriam permitir o casamento gay. O defensor da posição a favor faz um argumento sucinto (e atraente, para a audiência): “Deus é amor. Eu passei a amar outra mulher e então isso é algo que Deus quer abençoar e a igreja deve celebrar”.

Em resposta, um pastor evangélico continuava a repetir: “Mas a Bíblia diz que o casamento é entre um homem e uma mulher”. Ele está certo. Mas ele ainda estava recorrendo a algo (a autoridade da Escritura) que tinha pouca tração com os telespectadores. (A resposta ao argumento de “Deus é amor” é ressaltar que Deus ser amor não quer dizer que ele aprova tudo que pensamos ser amor. Significa que Deus conhece bem mais sobre o amor do que nós e então precisamos ouvi-lo se é para sabermos como ordenarmos os nossos amores e assim amarmos uns aos outros apropriadamente e bem). 

2. A nossa visão das minorias mudou.

As pessoas seculares hoje olham para a discriminação anterior contra pessoas LBTQ+ e se sentem horrorizadas. Agora sabemos da dor causada pela homofobia e demonização passada da comunidade gay. Vemos filmes como Jogo da Imitação e shows televisivos como Transparent e sentimos compaixão pelas pessoas que a nossa cultura violentava abertamente outrora. De muitas maneiras, os cristãos podem aplaudir essa mudança. Há várias razões bíblicas para se horrorizar com bullying dessa (e de qualquer outra) forma.

Esse sentimento de vergonha social pela discriminação passada levou ao fenômeno da inerseccionalidade. Por causa do que aconteceu no passado e por causa de como certos grupos foram silenciados, agora privilegiamos o status de vítima e de minoria. E se alguém está na intersecção de mais de um status, essa voz têm uma credibilidade exponecialmente maior na esfera pública. Não é uma luta no mesmo nível, e isso é intencional. Se alguém é, digamos, negra, mulher e lésbica, a sua voz conta mais do que alguém que é homem, branco e heterossexual.

Essa dinâmica também levou a uma grande preocupação com as minorias serem feridas emocional ou psicologicamente. Algum tempo atrás, eu fui convidado para falar sobre sexualidade e o evangelho para um grupo cristão numa universidade secular e o grupo universitário militante LBTQ+ organizou um protesto. Eu me encontrei com os militantes logo antes da reunião começar para ouvir as suas preocupações e ver se eu poderia resolver alguma coisa com eles. Quando eles verbalizaram as suas ansiedades com o evento, ficou claro que a preocupação mais relevante era se as minhas palavras machucariam um crentes gays que pudessem estar presentes na reunião. Quando eu pressionei mais, eu descobri que pelo menos parte do que eles queriam dizer por “machucar” era simplesmente a presença de uma opinião contrária, por mais graciosa que fosse a expressão dela. 

Podemos ver, então, por que tanto do pensamento progressista vira censura, especialmente na universidade. Se o ponto de vista de alguém vai ser danoso, ele não precisa ser respondido ou debatido com. Ele só precisa ser silenciado e suprimido.

3. A nossa visão de sexo e de casamento mudou.

Isso demorou mais tempo do que as outras mudanças, remontando à revolução sexual da década de 1960.

Primeiro, a nossa visão de sexo mudou. Para muitos, ela foi separada da procriação. É simplesmente um meio de recreação e não deveria ser nada mais. Isso ajuda a explicar um pouco por que, a despeito de avanços na tecnologia de ultrassom e um entendimento crescente sobre a sensibilidade e desenvolvimento de um feto, o lobby pró-aborto tem tanta voz. Não se trata sobre o status do feto, no final das contas; é sobre o direito de ter sexo como recreação sem consequências reprodutivas.

Segundo, a nossa visão do casamento mudou, não só por muitos países ocidentais reconhecerem legalmente o casamento homossexual hoje, mas também de uma forma anterior e mais significativa. O casamento não é mais um pacto vitalício ordenado para a procriação. Na prática, agora é efetivamente um flexível contrato romântico; uma oportunidade de celebrar sentimentos românticos profundamente recompensadores um pelo o outro. E caso esses sentimentos não persistam, caso um parceiro não seja mais um meio de realização romântica para o outro, então cada um ou ambos estão livres para dissolver o casamento. Esta visão de casamento obviamente não demanda que o casal seja heterossexual. Se o casamento se trata de celebrar sentimentos românticos, então seria profundamente injusto excluir certos tipos de relacionamentos do casamento.

4. A nossa antropologia mudou.

Hoje, o seu eu “real” é o eu que você sente ser o seu eu lá no fundo. A narrativa heróica dos nossos dias é a pessoa que busca lá dentro de si, descobre quem realmente é e então persiste em expressar o que elas descobriram mesmo diante da oposição. O seu eu “real” é alguém que só você pode descobrir; ninguém mais pode determinar a sua identidade.

Além disso, o corpo físico é puramente casuístico. Na evolução ateísta, o corpo é simplesmente o aglomerado de matéria a que você está associado. Ele não tem um sentido ou uma relevância intrínsecas. De fato, a evolução nos mostra que qualquer coisa física pode se tornar literalmente qualquer outra coisa, então não há razão pela qual não podemos moldar o nosso corpo físico em algo inteiramente diferente do que ele começou a ser. Se ele é casuístico, segue-se que ele é periférico. O corpo é uma tela em que eu posso expressar a minha identidade, mas ele não determina essa identidade de forma alguma.

Essas quatro mudanças revelam algo que é de importância vital se é para navegarmos o nosso tempo cultural: o entendimento cristão tradicional da ética sexual e da identidade de gênero não é só exótico e ultrapassado. Ele é perigoso. 

Precisamos manter em mente que as mudanças acima afetam não só a sociedade secular. Elas também estão profundamente inscritas em muitas pessoas das nossas igrejas. Para aqueles que tem menos de 25 anos, esse é o oxigênio que eles respiram. É a única realidade que eles já conheceram.

O resultado é que há muitas pessoas nas nossas igrejas que não estão convencidas biblicamente sobre como entender essas questões; e muitas outras que estão convencidas biblicamente, não estão convencidas emocionalmente: elas entendem o que a Bíblia diz, mas não parece atrativo.

Sete maneiras em que precisamos responder.

Quando começamos a pensar sobre como responder essa realidade cultural, precisamos levar em consideração as seguintes sugestões.

  1. Precisamos ouvir bem

Um dos versículos mais subutilizados no ministério pastoral é o do livro de Provérbios: “Responder antes de ouvir é estultícia e vergonha” (Pv 18.13).

Algo semelhante é dito alguns capítulos depois: “Como águas profundas, são os propósitos do coração do homem, mas o homem de inteligência sabe descobri-los” (Pv 20.5).

Precisamos ouvir bem, porque a maior parte da formação da pessoa não está imediatamente evidente. Os nossos corações são “águas profundas”. A nossa impressão inicial de alguém, e as suas primeiras palavras trocadas conosco, podem revelar somente uma pequena parte do que as está motivando nas profundezas do seu coração. Ouvir bem vai nos ajudar a ver o que está acontecendo debaixo da superfície. Se alguém está feliz de compartilhar algo da sua história (e sempre precisamos perguntar para ver se é isso mesmo, em vez de simplesmente presumir), então vamos saber melhor da formação delas e como elas chegaram até onde estão. Vamos saber um pouco sobre os altos e baixos que elas experimentaram ao longo da vida.

Isso pode nos ajudar a saber onde é melhor começar para compartilharmos algo sobre Cristo com elas. Se elas foram muito atingidas ao longo da vida, podemos começar falando sobre como Jesus não vai esmagar a cana quebrada; sobre sobre ele é alguém a quem realmente podemos confiar as nossas feridas mais profundas. Se virmos algum orgulho considerável, podemos mostrar quão humilhantes e desafiadoras são as palavras de Jesus para todos nós quando se trata de questões de sexualidade. Se virmos confusão sobre quem elas são, ou um senso de inquietação e insatisfação com a vida, podemos introduzi-las ao encontro de Jesus na fonte em João 4 e a como ele tanto revela a nossa identidade e também oferece água viva que sempre vai satisfazer.

O perigo de não ouvir é que falamos por reflexo, sem dar o pensamento e consideração devidos pelas nossas palavras. Podemos ser antipáticos, não tendo cuidado para descobrir sensibilidades que podem estar presentes.

2. Não diga algo a alguém que você não pode dizer para todo mundo

Algum tempo atrás eu falei numa universidade secular no Canadá, e um estudante veio me procurar depois: “eu sou gay e não sou cristão. Eu costumava liderar um grupo militante LGBTQ em outra faculdade. Eu li o seu livro e estou me reunindo com um pastor para ler o evangelho de Marcos”. Intrigado por esse envolvimento em coisas cristãs, eu lhe perguntei o que lhe estava fazendo pensar sobre o cristianismo. Ele pensou por um momento antes de dizer: “eu percebi que Jesus me trata da mesma forma que ele trata do mundo”. Ele explicou que o grupo militante anterior se baseava na noção de que “somos diferentes, temos uma parada, vocês nos celebram. Quando for o mês do orgulho vamos tentar procurar as empresas que podem nos dar mais coisas”.

Quando ele começou a levar em consideração a mensagem de Jesus, todavia, ele percebeu que ele não era diferente. Ele não queria ser diferente. No nível mais fundamental, a mensagem de Jesus é exatamente a mesma para ele que é para todo o resto. Isso me fez perceber naquele momento que há uma igualdade no evangelho que não conseguimos ter numa cultura que se orgulha de ser igualitária.

Uma das maiores distorções que as pessoas têm sobre sexualidade é que o cristianismo não é justo. Nós temos um conjunto de regras para um grupo e outro para outro grupo. As pessoas acham que odiamos e queremos condenar a comunidade gay. A suposição é que os cristãos desprezam as pessoas LGBTQ+.

A melhor maneira de corrigir essa distorção é mostrar como o evangelho nos coloca todos no mesmo barco. Jesus sempre nivela. Todos nós somos caídos e pecadores na nossa sexualidade. Todos nós temos desejos desordenados. Nenhum de nós é tudo que deveria ser nessa área. Todos nós precisamos aprender a dizer não a certos desejos sexuais se é para seguirmos a Jesus.

O mesmo é verdade para a identidade de gênero. Todos viemos a Deus com visões profundamente falhas da nossa própria identidade. Nenhum de nós entende de verdade quem nós somos e todos nós localizamos o nosso maior propósito e maior senso de identidade nas coisas erradas. Quando se trata de disforia de gênero, todos nós experimentamos formas de alienação com os nossos corpos físicos. Nenhum de nós está em condições de desprezar os outros, por mais diferente que pareça a sua pecaminosidade da nossa. Nenhum de nós é um pária; todos nós somos imagens profundamente distorcidas de um Deus maravilhoso.

Isso não é dizer que todos nós tivemos a mesma experiência. Eu tenho a experiência de viver num corpo que foi sujeito à mesma queda que todo mundo. Mas eu nunca experimentei a dor de uma disforia de gênero. Então, embora eu queria que alguém que luta com isso saiba que estamos juntos nessa, eu não vou fingir saber pelo que eles estão passando. Eles vão precisar me ensinar nesse ponto.

Nem isso é dizer que todo pecado sexual é o mesmo. Alguns pecados sexuais são mais lamentáveis do que outros. Alguns representam um desvio maior do plano de Gênesis 1—2 de um homem e uma mulher num casamento pactual. A bestialidade representa um desvio maior do que o adultério, o homossexual mais do que o heterossexual. Mas, num mundo caído, nenhum de nós tem base para se sentir superior. Todos nós por natureza estamos catastroficamente destituídos da glória de Deus.

Então especialmente nos primeiros estágios de interação, não diga a alguém algo que você não pode dizer para todo mundo. Deixe que essa pessoa saiba o que Jesus diz a todos nessa questão antes de tentar explicar o que isso diz a elas. O meu medo é que, do contrário, eles pensarão que estão sendo alvejados de uma maneira que os outros não estão.

3. Reconheça o custo do discipulado para todos.

O custo do discipulado parece alto para aqueles que vem a fé de um contexto LGBTQ+. Mas isso não pode esconder o fato de que o custo do discipulado é alto para todos. Jesus disse: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Marcos 8.34). A palavra chave é alguém. Para seguir a Jesus, todos nós temos de dizer um profundo e sonoro não a alguns dos nossos maiores anseios e intuições. Jesus não coloca o “eu” na frente da “identidade”; ele coloca só na frente de “negar”.

Esse chamado precisa ser desenvolvido. Jesus prossegue para dizer que há algo de “perder a vida” ao segui-lo (v. 35), que às vezes parece que obedecer a ele vai tirar a nossa vida. Mas o glorioso paradoxo é que é por meio dessa perda que ganhamos vida na verdade. Ao negar o eu e seguir a Jesus não nos tornamos menos quem somos; nos tornamos mais nós mesmos.

Mas esse custo do discipulado vai parecer cruel e incomum se for aplicado rigorosamente aos que seguem a Cristo de um contexto LGBTQ+, mas não se não for aplicado a todos. Se o custo do discipulado é alto demais para pessoas LGBTQ+, então ele é alto demais para qualquer um

4, Mostre a bondade de Deus

Um amigo meu tem uma garota de dois anos que, pela maior parte do tempo, é totalmente divertida, mas na hora de comer, como vou dizer, é bem … desafiadora. Como muitas crianças dessa idade, a comida frequentemente parece inaceitável para ela, mesmo se foi a sua comida favorita alguns dias antes. Não preciso dizer que isso é desesperador para seus pais que querem que ela seja alimentada e grata, de preferência sem ter a comida voando pela casa regularmente.

O problema é que muitas pessoas acham que Deus é igual essa menininha. Elas acham que ele decide arbitrariamente que não gosta de certas coisas e a ética sexual bíblica parece confirmar essa visão. Tudo parece tão aleatório.

Sendo assim, não é suficiente simplesmente ensinar o que a Bíblia diz. Precisamos garantir que ensinamos por que a Bíblia o diz, para mostrar que há uma racionalidade e uma bondade no que Deus diz,

Toda vez que Deus nos dá uma proibição, ele está protegendo algo bom. Então precisamos ensinar os positivos por trás dos negativos, e mostrar como a Palavra de Deus não é arbitrária de verdade, mas que na verdade aponta para o que é melhor e mais vivificante para nós. Sempre que ele diz não a algo, ele está dizendo um sim bem maior a outra coisa. A não ser que impressionemos as pessoas com a visão bíblica para o casamento e a sexualidade humana, especialmente como eles apontam para além de si mesmos para o amor de Deus para nós em Cristo, não estaremos fornecendo os recursos espirituais completos necessários para lutar contra desejos pecaminosos profundos e persistentes. Como Thomas Chalmers nos lembrou há muitos séculos, precisamos do “poder expulsivo de uma nova afeição”.

Refutação não é persuasão. Apontar os erros de um pensamento antibílico não vai por si só acordar corações à verdade de Deus.

5. Precisamos manter o enredo da Bíblia em vista

No final das coisas, o casamento é uma questão bíblico-teológica. A Bíblia começa com o casamento, entre Adão e Eva, e acaba com um casamento, entre Cristo e a sua noiva. Esse primeiro casamento aponta para o casamento final.

Não é por acaso que o enredo da Bíblia começa com um jardim com um homem se ajuntando com uma mulher. Eles foram feitos um pelo outro, O binário criado de homem e mulher se juntando é uma figura da eventual união dos céus e da terra, quando todos os casamentos humanos se curvarão e deixarão o palco para dar lugar ao casamento supremo entre Jesus e o seu povo. Isso é algo profundo e belo. É uma narrativa que todos entramos e antecipamos nos nossos estados terrenos de agora, quer casados, quer solteiros. Se o casamento aponta para o formato do evangelho, então a solteirice aponta para a sua suficiência, pois esta união é o único casamento que verdadeiramente precisamos.

Sendo assim, não podemos bagunçar com a definição do casamento sem ir contra o fluxo de tudo que a Bíblia trata. A nossa teologia do casamento flui dos nossos entendimentos do evangelho. É por isso que sempre que uma igreja muda a sua visão de casamento ela também muda a sua visão do evangelho, no final das contas.

Também nos lembra do cerne de toda nossa reflexão e discussão teológica sobre a sexualidade humana. Mesmo se a Bíblia não mencionasse diretamente a homossexualidade, ainda saberíamos como pensar sobre isso, dado o que a Escritura diz sobre o casamento sendo por definição heterossexual e como o único contexto piedoso para a atividade sexual. A Bíblia não nos dá uma teologia da homossexualidade; ela nos dá uma teologia do casamento. O que é por si só uma teologia do evangelho.

6. Precisamos continuar apontando para Jesus.

Precisamos apontar para a vida de Jesus. A pessoa mais completa e mais plenamente humana que já viveu nunca se casou, nunca entrou num relacionamento romântico e nunca fez sexo. Então, embora (no contexto apropriado), essas sejam boas dádivas, elas não podem ser essenciais para a realização humana individual. Dizer que precisamos tê-las para sermos completos é diminuir a humanidade de Cristo, o que a Escritura adverte ser o espírito do anticristo (1João 4.3).

Precisamos apontar para o ensino de Jesus. Ele ensinou que sexo fora do casamento é pecado (Mt 15.19-20 e paralelos), que o desejo sexual, e não só o comportamento sexual, é moralmente culpável (Mt 5.28), que o casamento se dá entre um homem e uma mulher (Mt 19.3-6) e que a única alternativa piedosa para o casamento é o celibato (Mt 19.10-12). Temos que vir a termos com esses ensinos. Contrariamente à impressão que se passa hoje em dia, Jesus não era neutro quando se tratava de ética sexual.

Se temos um problema com essas posições, o nosso problema não é com a igreja, ou evangelicalismo, ou o cristianismo, mas com o próprio Cristo. Não podemos nos desviar dessas crenças sem nos desviar deles. Cremos no que cremos sobre casamento e sexualidade porque cremos o que cremos sobre Jesus. Se alguém quer que eu abandone a minha visão do casamento, elas primeiro precisam me persuadir a abandonar a minha visão sobre Cristo. Como diz o ditado: “e aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música”. Não podemos esperar as pessoas a entender completamente como vivemos e o que cremos se não entenderem quem Cristo é para nós.

Finalmente, precisamos apontar para as afirmações de Jesus. Só ele traz satisfação suprema e duradoura (Jo 6.35). Na verdade, Deus criou a sexualidade humana por essa razão: para apontar para um apetite mais profundo, um anseio mais poderoso e uma consumação maior que só pode ser encontrada nele. Jesus, não a realização sexual ou qualquer outro ídolo contemporâneo, é aquele que verdadeiramente liberta e alimenta as nossas almas.

7. Precisamos de confiança no evangelho

Lendo as entrelinhas dos primeiros versículos de Romanos 1, parece que os crentes em Roma pensavam que Paulo estava relutante de vir até eles. A mensagem do seu evangelho tinha frutificado nas províncias do império, mas ali era Roma. Agora era diferente. Roma era o centro e o ápice do mudo. O pensamento e influência gregas eram vistas em todo lugar. O que o evangelho poderia oferecer nesse contexto?

Então Paulo deixa claro que não foi a relutância que o tinha impedido de ir a Roma. Pelo contrário:

Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, é minha testemunha de como incessantemente faço menção de vós em todas as minhas orações, suplicando que, nalgum tempo, pela vontade de Deus, se me ofereça boa ocasião de visitar-vos. Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados, isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha. Porque não quero, irmãos, que ignoreis que, muitas vezes, me propus ir ter convosco (no que tenho sido, até agora, impedido), para conseguir igualmente entre vós algum fruto, como também entre os outros gentios. Pois sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes; por isso, quanto está em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros, em Roma.

Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego (Rm 1.9-16, grifo meu)

Como esses cristãos romanos se sentiam sobre os seus concidadãos estarem além do alcance do evangelho é como muitos de nós podem se sentir sobre a comunidade LGBTQ+, como se o evangelho fosse de alguma forma menos eficaz com essa parte da nossa sociedade. Contudo, Deus não precisa de mais força ou graça para salvar um tipo de pecador do que outro.

Quando se trata de responder às mudanças culturais que vemos ao nosso redor, não podemos pensar que o nosso trabalho é simplesmente “segurar o tranco”. Na verdade, é descobrir com Paulo os frutos que nos esperam.

Sam Alberry  é ume editor da The Gospel Coalition, um palestrante internacional do Ravi Zacharias International Ministries e um pastor em Maidenhead, Reino Unido. Ele é o autor do livro Deus é contra os homossexuais? (Editora Monergismo, 2018).

Traduzido por Guilherme Cordeiro.