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Van Til e Gordon Clark: uma comparação

Ao comparar os pensamentos de Cornelius Van Til e Gordon Clark, descobrimos vários pontos de concordância, bem como várias áreas de discordância. Em primeiro lugar serão examinados alguns pontos de concordância entre estes dois homens.

Ambos eram calvinistas sérios e consistentes. Como ambos acreditavam que, à parte da obra regeneradora do Espírito Santo, ninguém poderia livremente se decidir por Cristo, as tentativas diretas de persuadir os incrédulos eram consideradas contraproducentes.

Ambos concordavam que o evangelho deveria ser pressuposto, e não provado. Van Til e Clark sentiam que defender a verdade do evangelho era negar a doutrina calvinista da depravação total do homem. Ambos acreditavam que a razão do homem estava danificada devido à Queda e que seria inútil uma argumentação direta pela verdade do cristianismo. Ainda assim, ambos estavam dispostos a refutar as crenças dos incrédulos e fornecer uma confirmação indireta da verdade do cristianismo.

Ambos concordavam que a filosofia secular era um completo fracasso. Clark ensinava que todas as filosofias não cristãs reduziam-se eventualmente ao ceticismo. Van Til acreditava que a filosofia secular era fútil, posto que a razão humana encontrava-se num estado caído. Na sua visão, se a pessoa não pressupõe o Deus da Bíblia, nenhum conhecimento é possível. Contudo, Van Til acreditava que até mesmo os incrédulos pressupõem a existência de Deus (embora suprimam esta verdade) para encontrar a verdade.

Ambos concordavam que a apologética tradicional é antibíblica e inútil. Ao longo de seus escritos, Clark e Van Til depreciavam o método tradicional de defesa da fé. Eles acreditavam que entre o crente e o incrédulo não havia campo de batalha neutro onde o cristianismo poderia ser defendido. O evangelho deveria ser pressuposto em vez de defendido. Eles não viam qualquer utilidade aos argumentos clássicos para a existência de Deus ou para o uso tradicional de evidências históricas para a fé cristã.

A despeito desses pontos de concordância entre Clark e Van Til, havia áreas de discordância. Os exemplos a seguir ilustrarão isso.

Eles discordavam sobre o raciocínio circular. Van Til acreditava que todo raciocínio é circular. A conclusão dos argumentos de uma pessoa pode sempre ser encontrada nas premissas dos seus argumentos. No entanto, Clark era mais racionalista em seu pensamento. Considerava o raciocínio circular uma falácia lógica. Por causa disso, Clark pressupôs de forma dogmática seu princípio primeiro (A existência do Deus da Bíblia [1]) e então deduziu as suas crenças a partir deste princípio primeiro.

Eles discordavam sobre o status e uso da lei da contradição. Clark acreditava que a lei da contradição fluía da natureza de Deus. Ele ensinava que Deus é lógica. Portanto, ao pressupor o Deus trino que se revelou na Bíblia, ele também pressupôs a lei da contradição. Ele então usaria essa lei para destruir os sistemas de crenças dos incrédulos.

Van Til, no entanto, acreditava que essa lei era uma limitação humana que Clark tinha forçado sobre Deus. Van Til acreditava que Clark sujeitara Deus a essa lei. Embora Van Til usasse esta lei para refutar os demais sistemas de crenças, isto somente assim se dava porque ele escolhera usar “a própria munição do inimigo para derrotá-lo na batalha”. De fato, a visão clarkiana da lei da não contradição é provavelmente o que produziu a maior lacuna entre o pensamento destes dois homens. Clark assumia a lei da não contradição como pressuposto ao fazer apologética. Van Til recusava-se a fazê-lo.

NOTAS:

[1] É comum ver esta afirmação nas análises que são feitas sobre o pensamento de Clark. Contudo, quem lê todos os seus escritos e está mais familiarizado com seu método, percebe que o seu princípio primeiro era na verdade o seguinte: “A Bíblia é a Palavra de Deus”. “A existência do Deus da Bíblia” é uma crença extraída desse princípio primeiro, e não o próprio princípio primeiro. Na verdade, esta é outra diferença entre Clark e Van Til. Van Til começa com a existência do Deus trino, e Clark começa com a divina inspiração da Bíblia. [N. do T.]

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Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto – maio/2011

 

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