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Quem causa o seu sofrimento? A soberania de Deus e a realidade do mal (Christopher Ash)

Quando o sofrimento vem, nós naturalmente – instintivamente – queremos saber o que ou quem o causou. A resposta a essa pergunta geralmente afeta como respondemos a dor. Nós focamos imediatamente nas causa óbvias. Para uma doença, nós pensamos sobre o que aconteceu de errado com nossa química corporal. Depois de um acidente, nós visitamos e revisitamos o que aconteceu, como aconteceu e de quem foi a culpa.

Quando um desastre “natural” ocorre, nós podemos pensar no porque as pessoas viviam onde elas viviam, porque os alarmes de aviso não funcionaram, porque as defesas contra inundações foram inadequadas, e por aí vai. Nós queremos culpar alguém ou alguma coisa. E, independente de podermos culpar algum agente humano por trás disso tudo, nós queremos culpar Deus. Porque Deus –  se Ele existe – deve ter algo a ver com isso tudo.

Depois disso, nós podemos reagir com amargura, recriminações ou ressentimento. Talvez seja expresso, ou talvez nós apenas ficamos com a aquela sensação residual de que fomos tratados injustamente. No começo do livro de Jó, ele passa por quatro terríveis tragédias (Jó 1:13-19) antes de perder sua saúde (Jó 2:7-8). Duas das quatro tragédias podemos chamar de desastres naturais (embora a Bíblia nunca use essa expressão); as outras duas seriam, talvez, rotuladas como “terrorismo”.

Trabalho de Deus ou de Satanás?

Uma das questões mais profundas do livro de Jó é: quem causou o sofrimento de Jó? Há uma resposta clara, dada ou assumida por Jó, por seus três “confortadores”, e pelo narrador inspirado por Deus. Essa resposta é expressa claramente no final do livro, onde o narrador descreve como a família e os amigos de Jó “o consolaram acerca de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado ” (Jó 42:11).

O Senhor, Deus do pacto, é quem trouxe esses sofrimentos sobre Jó. Ele não simplesmente os permitiu; Ele os causou (o verbo em Hebraico aqui indica causalidade). Jó mostra que ele sabe que é verdade quando ele diz: “…e o Senhor o tomou” (Jó 1:21). Ele reitera essa convicção quando diz para sua esposa: “receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal?” (Jó 2:10). Dizendo isto, o narrador inspirado indica que “Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma….Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios” (Jó 1:22; Jó 2:10). Jó acredita que Deus fez isso; e Jó está certo em acreditar nisto.

Em Jó 2:10 e Jó 42:11, a palavra traduzida como “mal” não indica mal moral, mas desastre – coisas que são terríveis de experimentar. Os três amigos compartilham essa convicção. O título mais comum para Deus no livro é “O Todo Poderoso” (Jó 5:17).

O Estranho Servo de Deus

Mas por baixo e ao lado dessa convicção da ativa soberania de Deus, existe uma importante convicção subsidiária: Satanás causa o sofrimento de Jó. Satanás (ou, mais adequadamente, “o Satanás” – isto é mais um título do que um nome, e significa algo como “o adversário”) é um ser sobrenatural que tem um papel estranho no conselho dos “filhos de Deus ou “anjos” (depende da tradução). Ele é totalmente mal e malicioso; e ainda assim ele tem um trabalho a fazer. É sua “mão” que ativamente atinge Jó (Jó 1:12; 2:6). Então, em um sentido, ele os causa. Mas como vimos, se lermos o livro cuidadosamente, ele não é a causa última.

Antigos comentadores liberais tomam o caminho mais fácil dividindo Jó em uma parte em que Deus causa o sofrimento de Jó e uma parte que Satanás o causa. Então, por exemplo, H.H Rowley pega as palavras “todo o mal que o Senhor lhe havia enviado” (Jó 42:11) como simplesmente indicando (erroneamente) as suposições de Jó e seus amigos. Mas essas palavras são ditas pelo narrador inspirado da história, então nós não devemos tomar esse, embora fácil, caminho errado.

Mas comentadores mais responsáveis reconhecem que a Bíblia suporta isso ao mesmo tempo. O paralelo com o censo de Davi demonstra esse paralelo de visões. Quem motivou Davi a convocar o senso? O Senhor o fez (2 Samuel 24:1); e Satanás o fez (1 Cronicas 21:1). A Bíblia – e o livro de Jó – suportam isso ao mesmo tempo. Satanás é o estranho servo para fazer a vontade de Deus, afligindo Jó. Satanás faz isso por malícia; O Senhor  faz por amor a Sua glória. Satanás é – como Lutero vividamente coloca – “Satanás de Deus”.

Aqueles que rejeitam a soberania de Deus vão ou ignorar os claros versos sobre a soberania de Deus sobre o sofrimento (Jó 1:21; 2:10; 42:11) ou colocar isso (como faz Rowley) como uma possível visão errada dos personagens humanos. Entretanto, quando se referem ao “mal” que veio sobre Jó, o texto é claro “todo o mal que o Senhor lhe havia enviado” (Jó 42:11). Isto é claro por todo o livro e foi escrito para nossa instrução.

Mal para nosso Bem Supremo

É de grande importância pastoral que compreendamos o que a Bíblia ensina acerca da causalidade de desastres quando se trata dos crentes. Existem dois erros comuns. De um lado, nós podemos negligenciar Satanás totalmente e apenas assumir que Deus controla o mundo de uma forma simples e direta. Isto é, me disseram, próximo da visão do Islã. Alguns cristão tacitamente assumem isto, mas não é o ensinamento bíblico. Por outro lado, nós podemos pensar em Satanás como um segundo, independente, autônomo poder do mal, nesse caso o universo é um lugar terrivelmente incerto, pois não podemos ter certeza se Deus ou Satanás vão ganhar algum round particular da disputa.

A Bíblia, no entanto, ensina que Deus escolhe exercer seu absoluto, direto e intencional governo soberano do mundo através da agência do seu conselho de poderes intermediários (os “filhos de Deus” ou “anjos”), alguns deles são maus. Esses poderes não tem autonomia alguma. E ainda, dentro do propósito de Deus, eles são significantes e exercem influência, como Deus decidiu que eles fariam.

Compreender essa verdade profunda acerca do governo do universo dará aos crentes grande confiança – pois a soberania de Deus é incontestável – e ainda sim realismo, pois levaremos a sério o papel sobrenatural do mal na infinita sabedoria de Deus, O qual é absolutamente intocado pelo mal, e ainda sim decidiu utilizar o mal para seus propósito de bem supremo.

Christopher Ash é um escritor residente em Tyndale House em Cambridge, Inglaterra. Ele é casado com Carolyn. Christopher escreveu vários livros, incluindo o comentário: Job: The Wisdom of the Cross.

Link original: https://www.desiringgod.org/articles/who-causes-your-suffering

Traduzido por: Felipe Barnabé Duarte