Uma linha reta até o púlpito: O legado de John MacArthur
Em meados do século XX, com os subúrbios e as igrejas crescendo com intensidade avassaladora, o romancista Peter De Vries anteviu grandes problemas para o protestantismo histórico. Escreveu sobre o Reverendo Peter Mackerel, tão sofisticado, erudito e culto. A própria epítome da respeitabilidade protestante — ou assim parecia —, Mackerel pregava a uma abastada congregação suburbana de protestantes liberais. A congregação projetou com cuidado o novo prédio de sua igreja: “a primeira igreja americana com desnível interno”, sem linhas retas. Tudo era curvo, inclusive o púlpito.
Não era assim na Grace Community Church, em Sun Valley, Califórnia. Na igreja de John Fullerton MacArthur Jr., as linhas são retas, e todas as linhas apontam para o púlpito, pois ali está o pregador proclamando a Palavra de Deus, e a pregação da Palavra de Deus permanece como o ato central do culto cristão.
Por mais de meio século, John MacArthur, que faleceu na segunda-feira (14/07/2025) aos oitenta e seis anos, definiu, em grande medida, o que é pregação bíblica nos Estados Unidos e muito além. Teria sido o primeiro a insistir que Deus havia suscitado — e continuaria a suscitar — um exército de expositores bíblicos prontos para pregar, como Paulo instruiu Timóteo, “a tempo e fora de tempo”. Mas JMac, como frequentemente era chamado, de fato se destacava dos demais.
Tudo isso deve ter começado cedo, pois tanto o pai quanto o avô de John MacArthur foram pregadores. Seu avô era canadense conservador e anglicano. O pai de John foi um influente batista independente, que merece seu próprio lugar na narrativa panorâmica do fundamentalismo americano. John foi formado e moldado no protestantismo conservador, e, ao concluir o ensino médio, seguiu para a Bob Jones University. Mais tarde, transferiu-se para o Los Angeles Pacific College, onde concluiu seu curso e jogou futebol americano.
Após a faculdade, John ingressou no Talbot Theological Seminary, parte da Biola University. A Biola, fundada como Instituto Bíblico de Los Angeles, possuía uma identidade conservadora e dispensacionalista. O dispensacionalismo da escola se refletia até mesmo em sua arquitetura original: Jesus vem sem demora, portanto, não há necessidade de um campus muito elaborado. Com o tempo, a Biola viria a construir estruturas mais permanentes, e quando MacArthur cursava seus estudos de pós-graduação em teologia, a instituição já se tornara uma grande força propulsora da energia evangélica.
A oportunidade histórica surgiu em 1969, quando a pequena Grace Community Church estava à procura de um pastor. A igreja possuía um pequeno campus na Roscoe Boulevard, mesmo enquanto o Vale de San Fernando experimentava um crescimento populacional explosivo. A congregação correu um risco considerável ao chamar um pastor tão jovem. John tinha apenas vinte e nove anos quando assumiu o púlpito. Seu primeiro sermão foi longo, mas a congregação o amou.
Sermões protestantes históricos eram frequentemente apresentados como obras de arte que começavam com algum texto bíblico seguro, perambulavam por certa dose de angústia existencial e aterrissavam com segurança por meio de uma boa história. Isso não deveria tomar mais de vinte e cinco minutos, não é mesmo?
Um sermão curto de John MacArthur durava cerca de quarenta e cinco minutos. A congregação passou a esperar uma hora de exposição — e saboreava cada minuto. Sua congregação crescia sem cessar, assim como sua reputação. Logo, a igreja necessitou de um auditório maior, e assim o construíram — até o limite da propriedade: uma estrutura em forma de caixa, com milhares de assentos, uma plataforma central com o púlpito especialmente projetado para MacArthur no centro, e um espaçoso coro atrás da área de pregação. O recinto foi edificado para a pregação, não para a terapia. Com todo respeito, Reverendo Mackerel, não há sequer uma linha curva naquele lugar. São todas linhas retas conduzindo ao púlpito, e foi no púlpito que John MacArthur permaneceu, diversas vezes por semana, ao longo de mais de cinquenta anos. Ali ele se levantava e pregava as Sagradas Escrituras, verso após verso, livro após livro, tendo pregado sobre todo o Novo Testamento até o ano de 2011.
Harry Emerson Fosdick, famoso pregador liberal da era modernista, certa vez declarou aos estudantes de teologia em Yale que “ninguém vai à igreja no domingo de manhã querendo saber o que aconteceu com os jebuseus”. Aquilo era um insulto ao texto bíblico, mas também um insulto à congregação. John MacArthur subia ao púlpito e deixava a congregação pronta e ansiosa para saber mais sobre os jebuseus. Ele entendia que essa era sua missão. E cumpria-a com notável excelência.
A igreja é seu legado, mas também o é um exército de pregadores e pastores espalhados pelo mundo. John MacArthur foi capaz de transpor o abismo sociológico que confundiu tantos fundamentalistas. Era corajoso, mas invariavelmente afável em sua maneira de ser. Pregava (e escrevia livros que se tornaram best-sellers) contra evangelhos superficiais e distorções carismáticas. Tornou-se mais amadurecido na conexão dos temas das Escrituras e das grandes doutrinas da fé. Tornou-se mais calvinista, simplesmente por pregar verso por verso todo o Novo Testamento. Tornou-se mais abertamente confrontador em relação aos poderes culturais estabelecidos, e mais explicitamente político, especialmente ao resistir às restrições impostas durante a Covid.
Sua pregação alcançou o mundo por meio de fitas cassete e rádio. Ouvi pela primeira vez um sermão de John MacArthur em fita quando eu era um rapaz de dezessete anos. Fiquei cativado. Assim também aconteceu com milhares incontáveis ao redor do mundo. Mais tarde, ele se tornou meu amigo, e pregamos juntos muitas vezes — um verdadeiro presente.
Grace to You, a plataforma de mídia que veicula seu ensino, hoje pode transmitir milhares de mensagens de MacArthur para todo o mundo. Por meio das Shepherds Conferences, reuniu e instruiu múltiplos milhares de pregadores. Fundou o The Master’s Seminary e serviu como presidente da The Master’s University. Editou uma monumental Bíblia de estudo e produziu exposições bíblicas que alcançaram os quatro cantos da terra. Esse alcance, enraizado na autenticidade e no poder de sua pregação e ensino, explica por que MacArthur definiu a pregação bíblica em sua geração.
Permita-me expressar de outra maneira. Onde quer que eu esteja no mundo, ao ver um pregador com uma MacArthur Study Bible — agora traduzida em múltiplas línguas — sei imediatamente que se trata de um homem comprometido com a integridade da pregação expositiva. Pode pregar num templo de qualquer tamanho, ou mesmo sem templo algum, mas sabe como se colocar diante do povo de Deus, ler um texto das Sagradas Escrituras e pregar em linha reta. John MacArthur foi um pregador até o fim. Que legado!
Fonte: First Things
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto