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Teocentrismo vs. Antropocentrismo

Saiba disto: nos últimos dias sobrevirão tempos terríveis. Os homens serão egoístas, avarentos, presunçosos, arrogantes, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios, sem amor pela família, irreconciliáveis, caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem, traidores, precipitados, soberbos, mais amantes dos prazeres do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder. Afaste-se desses também.

São esses os que se introduzem pelas casas e conquistam mulheres instáveis sobrecarregadas de pecados, as quais se deixam levar por toda espécie de desejos. Elas estão sempre aprendendo, e jamais conseguem chegar ao conhecimento da verdade. Como Janes e Jambres se opuseram a Moisés, esses também resistem à verdade. A mente deles é depravada; são reprovados na fé. Não irão longe, porém; como no caso daqueles, a sua insensatez se tornará evidente a todos. (2 Timóteo 3.1-9)

O traço fundamental desses não cristãos, quer estejamos falando sobre a doutrina ou caráter deles, é que eles são “amantes de si mesmos” “amantes dos prazeres”, e não “amantes de Deus” (NIV). Isso é similar ao que queremos dizer quando afirmamos que a doutrina e ética cristã são centradas em Deus, enquanto a doutrina e ética não cristã são centradas no homem. Chamamos uma de pensamento teocêntrico, e a outra de pensamento antropocêntrico.

O pensamento antropocêntrico coloca o homem no centro de uma cosmovisão, e apresenta certas suposições sobre o homem que são consideradas essenciais e inegociáveis. Essas suposições são consideradas essenciais e inegociáveis não porque sejam racionalmente necessárias, mas porque são desejáveis e consistentes com as inclinações ímpias dos não regenerados. Elas são racionalmente arbitrárias e injustificadas. Uma vez que essas suposições estão presentes, todas as outras coisas são categorizadas, priorizadas e interpretadas relacionando-as com essa preocupação central, o homem, de uma maneira que seja consistente com e controlada por essas suposições essenciais e inegociáveis.

Por exemplo, se é considerado importante o homem possuir livre-arbítrio, então essa é uma suposição básica pela qual até mesmo a natureza e a ação de Deus são interpretadas. Os cristãos são frequentemente incapazes de romper com o pensamento centrado no homem, de forma que eles introduzem preocupações antropocêntricas em suas construções teológicas. Dessa forma, temos heresias como o arminianismo e o teísmo aberto. Um exemplo mais sutil seria uma doutrina enganosa como o compatibilismo. Uma teologia centrada em Deus atribuiria todo poder, toda causa e toda liberdade a Deus, e negar que o homem tenha livre-arbítrio. O fundamento da responsabilidade moral descansaria unicamente na soberania de Deus, e não em alguma liberdade ou escolha no homem.

A natureza do centro, ou fundamento, de uma cosmovisão determina o restante do sistema de pensamento da pessoa. Por exemplo, um sistema centrado no homem pode assumir a confiabilidade da sensação humana em vez da confiabilidade da revelação divina, e procedendo disso, o sistema pode também depender do método falacioso de experimentação científica. Os cristãos que permanecem cativos ao pensamento centrado no homem até mesmo tornam a confiabilidade da sensação uma pré-condição para qualquer confiabilidade na revelação divina. Isso coloca o próprio homem como o centro de todo conhecimento. Há uma escola de pensamento que faz isso, mas ao mesmo tempo é famosa por alegar que Deus é a pressuposição ou precondição de todo conhecimento! Como Paulo escreve, os “impostores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados”. Ela é centrada em Deus na aparência, pelo menos para aqueles que são enganados por suas alegações, mas na realidade é centrada no homem.

Então, quando diz respeito à ética centrada no homem, certo e errado não são definidos por mandamentos divinos, mas pela relação de uma determinada ação com as suposições básicas sobre o homem. Assim, porque a dignidade e bem-estar do homem é primordial, uma ação poderia ser considerada moralmente aceitável simplesmente porque, na opinião dos pensamentos antropocêntricos, não prejudica o bem-estar de nenhum homem. É completamente irrelevante se a ação é consistente com o mandamento de Deus ou se o honra. Dessa forma, por exemplo, alguns não cristãos argumentam que a homossexualidade é moralmente aceitável porque não inflige nenhum dano a outras pessoas. Mas por que esse é o padrão de julgamento moral? E como dano é definido? Pode ser argumentado que a homossexualidade é danosa em algum sentido mesmo quando avaliada por um padrão antropocêntrico.

Um exemplo de transigência cristã na área de ética é o absolutismo ideal. Nesse sistema predominante de ética, primeiro, os mandamentos de Deus são priorizados, frequentemente não de acordo com a revelação mas de acordo com a opinião do homem. Segundo, muitas situações são ditas apresentar dilemas, de acordo com o julgamento do homem, nos quais dois mandamentos divinos (ou pelos dois) parecem se aplicar, mas uma pessoa deve violar um deles para obecer o restante. Terceiro, o mandamento que é considerado ser o superior é obedecido, e o outro é quebrado, enquanto a violação deste, sem fundamento bíblico para assim o dizer, não é considerado como pecado. O absolutismo ideal é na realidade um relativismo disfarçado.

A rebelião é bem explícita, mas a blasfêmia está implícita. Isto é, quando Deus deu os mandamentos, ele não teve a inteligência ou a perspicácia para perceber que eles gerariam dilemas éticos em muitas situações, nas quais seria impossível obedecer todos os mandamentos relevantes. Mas parece que o homem detecta esses dilemas com maior facilidade. Podemos não ser capazes de matar Desu, mas podemos pelo menos enganá-lo. Assim, priorizamos os seus mandamentos, algumas vezes de acordo com a sua revelação, algumas vezes de acordo com o nosso próprio julgamento, e decidimos obedecer somente aqueles que consideramos viáveis em qualquer situação.

Pode ele esperar mais de nós? O quê? Obediência total a todo mandamento em cada situação? Deus realmente pensa que ele é Deus? E se alguém bate à porta e exige saber a localização de um amigo para que possa assassiná-lo? Esse é o caso de teste clássico. Não é mais importante proteger a vida de um homem do que dizer a verdade, embora a verdade seja o princípio pelo qual Deus age, por meio da qual ele estabelece o valor da vida, e pela qual ele nos testifica o evangelho da graça? Mas não existe nenhuma forma de obedecer os dois mandamentos, existe? O que você diria? Tentaríamos subjugar o agressor, ou recusaríamos revelar a informação e sofrer o risco da tortura, ou mesmo sacrificar a nossa própria vida para salvar o amigo? Você deve estar brincando. Nós lhe demos apenas duas opções entre as quais escolher. O pensamento centrado no homem não pode processar a coragem abnegada e o sacrifício. Pare de nos confundir.

Considere o que isso significa para Jesus Cristo. A Escritura diz que ele foi tentado, mas nunca pecou. O que isso significaria de acordo com os proponentes do absolutismo ideal? Eles dizem que os mandamentos divinos frequentemente se contradizem devido às circunstâncias nas quais eles se aplicam, e quando se contradizem, a coisa certa a fazer é obedecer o mandamento superior, enquanto desobedecer ao mandamento menor não é contado como pecado. Isso significa que, na visão deles, Jesus poderia ter matado milhares de pessoas com as suas próprias mãos – homens, mulheres e crianças – mas enquanto estivesse obedecendo um mandamento superior em cada caso, ele nunca teria pecado ou assassinado ninguém. Ou, ele poderia ter cometido fornicação, até mesmo atos homossexuais, centenas de milhares de vezes. Ele poderia ter estrupado milhares de mulheres e crianças. Ele poderia ter roubado centenas de milhares de vezes, e mentido centenas de milhares de vezes. Se ele foi compelido a fazer isso em cada caso para obedecer a um mandamento superior, então ele não pecou.

Pelo menos por implicação, essa é a ideia deles da impecabilidade de Cristo. Se eles não abandonam o absolutismo ideal após esse ter sido clara e repetidamente explicado para eles, então eles deveriam ser julgados perante a igreja e excomungados. Pessoas que sabem que sua doutrina implica essa blasfêmia sobre Cristo e ainda insistem nela não podem ser consideradas cristãs. E todos aqueles que os poupam compartilham de seu pecado. A única visão correta é reconhecer que os mandamentos de Deus nunca contradizem um ao outro, e que é sempre logicamente possível obedecer todos eles.

À luz do material acima sobre pensamento antropocêntrico, o pensamento teocêntrico precisa somente de uma breve explicação. Em vez de colocar o homem, e o que é considerado sua capacidade inerente de descobrir informação, no centro de um sistema de pensamento, este pensamento coloca Deus e sua revelação no centro do sistema. As suposições básicas dizem respeito aos atributos de Deus – que ele é criador, sustentador, governador, e eterno, onipresente, onisciente, onipotente, santo, justo, misericordioso e assim por diante – e os atributos da Escritura – que ela é inspirada, verdadeira, completa, racional, consistente, autoritativa e assim por diante. Essas suposições são essenciais e inegociáveis. E uma vez que estão presentes, todas as outras coisas são categorizadas, priorizadas e interpretadas relacionando-as com essa preocupação central, Deus, de uma maneira consistente com e controlada por essas suposições essenciais e inegociáveis.

Assim, o restante do sistema é também muito diferente de uma cosmovisão centrada no homem. Quando diz respeito a doutrinas, a majestade e soberania de Deus são determinativas, e não a dignidade e liberdade do homem. Quer estejamos falando sobre metafísica ou soteriologia, as conclusões corretas concordarão com esse princípio. E quando diz respeito à ética, a preocupação central não é o conforto e bem-estar do homem, mas a honra de Deus. Os mandamentos de Deus definem o certo e errado, e todos os seus mandamentos devem ser obedecidos em toda situação. Não existe situação na qual as circunstâncias requeiram que uma pessoa desobedeça a um mandamento divino. Talvez ele desobedecerá por causa de defeitos em sua inteligência e caráter, mas nenhuma situação torna uma impossibilidade lógica prestar obediência completa a todos os mandamentos divinos.

É evidente que essas duas formas de pensamento e esses dois tipos de sistemas não são apenas radicalmente diferentes, mas mesmo nos princípios básicos estão em conflito. Os dois sistemas nunca podem concordar verdadeiramente em algo. Uma pessoa não pode reter o mesmo fundamento e modificar somente os detalhes. Por essa razão, para um não cristão concordar com Deus, ele deve abandonar seus princípios antropocênticos e abraçar princípios teocêntricos. Portanto, uma pessoa que chega à fé em Jesus Cristo não adiciona simplesmente um pedaço de informação à sua atual filosofia antropocêntrica. Antes, ele renuncia toda a sua antiga cosmovisão, e adota um novo fundamento, uma nova forma de pensamento, uma nova estrutura e sistema intelectual.

Nenhuma persuasão sobre a base de suposições antropocêntricas pode realizar isso, pois as suposições antropocêntricas não podem levar a conclusões teocêntricas, e o jeito é ele adotar uma nova série completa de princípios teocêntricos. Dessa forma, quer isso seja efeito ou não na ocasião de uma apresentação de argumentos, esse evento ocorre numa pessoa quando Deus a transforma mediante uma ação direta na alma. Isso é o que chamamos de conversão. O produto é uma pessoa que não somente exibe uma forma de piedade, mas também possui o seu poder.

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Fonte: Reflections on Second Timothy

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

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