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A importância da escatologia

Introdução

A escatologia pós-milenarista não é apenas um ramo da teologia que fala sobre quando florescem as rosas. É muito mais que isso. A escatologia pós-milenarista é a rosa de toda teologia — e a rosa de toda verdadeira teologia em pleno florescimento. Noutras palavras, uma escatologia otimista não é o que temos quando um bando de teólogos se juntam em uma conferência e compartilham seus artigos acadêmicos sobre o valor da Primavera. Não. A escatologia bíblica é a Primavera.

Assim como, certa vez, Philip Schaff disse que a Reforma foi o maior triunfo da igreja medieval, Warfield disse que a religião pura e sem mácula era simplesmente o… calvinismo. “Pois o calvinismo é apenas a religião em sua forma pura. Portanto, temos apenas que conceber a religião em sua pureza, e isso é o calvinismo”.

Por mais ofensivo que isso soe aos ouvidos modernos — porque há um espírito de moderação obrigatória que não permite assumir o seu próprio lado em um argumento —, há, ainda assim, uma forma cristã graciosa de defender tal postura sem se tornar um fanático intolerante. Crer que uma determinada proposição é verdadeira é o mesmo que pensar que sua negação é falsa. Se, ao jogar a moeda, a “cara” está para cima, então a “coroa” está para baixo. Pensar em algo em termos definidos e específicos é sinônimo de pensar. E a menos que pense algo, você não está pensando.

Portanto, quero dizer que eu creio no pós-milenarismo, e também afirmar que essa é uma questão importante.

Uma questão de fé e incredulidade

Como espero que você veja em instantes, a base exegética é firme. O fundamento está assentado e creio que ele sustentará o edifício. Mas então por que as questões escatológicas são tão incômodas e problemáticas em nosso dias?

Minha resposta é tirada da caixa de ferramentas do pressuposicionalismo. Van Til nos diria, se estivesse aqui, que não existem fatos brutos [lat. bruta facta], fatos não interpretados. Não existem dados brutos. E, da mesma forma, não existe exegese bruta. A mensagem da Bíblia deve sempre ser compreendida e aceita pela fé.

O que Jesus disse na estrada para Emaús é pertinente:

E ele lhes disse: “Ó néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram” (Lc 24.25).

Aqui, Jesus estava falando com seus discípulos, com dois homens que o amavam e que, sem dúvida, eram cristãos melhores do que eu. Mas ainda é possível que um seguidor dedicado de Cristo tenha dificuldade em crer em “tudo o que os profetas disseram”. E apenas alguns versículos depois Jesus apareceu aos seus apóstolos e abriu o entendimento deles para compreenderem os profetas (v. 45).

Assim como o cumprimento pós-milenarista, entender a natureza das gloriosas promessas também se dá pela graça. E a graça sempre deve ser recebida pela fé — e pela fé somente. Logo, a fé somente é a estrutura sobre o qual tudo mais se sustenta.

Uma digressão autobiográfica

Em instantes eu vou compartilhar algumas das coisas que eu vejo no texto, mas, primeiro, eu quero contar como eu as enxerguei. Quando eu caí das escadas da Reforma, batendo a cabeça em cada um dos degraus, a primeira mudança de paradigma pela qual passei foi o pós-milenarismo. Depois, cerca de três anos depois, em 1988, o calvinismo. Então, sim, eu fui um evangélico arminiano, batista e pós-milenarista por alguns anos. Difícil estar mais solitário. Provavelmente uns dois anos depois, foi o presbiterianismo em relação ao governo da igreja e, em 1993, eu me tornei pedobatista.

Eu estava fazendo uma barulheira enquanto caía daquela escada, mas as coisas ficaram bastante estáveis nos últimos trinta anos. Agora, o motivo de eu estar contando isso tudo é para que você perceba que quando chegou a hora de renovar a pintura da minha casa batista arminiana, há quase quarenta anos atrás, a primeira demão foi de pós-milenarismo. E eu nunca vou me esquecer de como a casa ficou depois dessa primeira demão.

Eu estava lendo um livro pós-milenarista e, para ser sincero, a hermenêutica dele era um pouco extravagante para o meu gosto — a obra era Paraíso restaurado, de David Chilton. Ainda a acho um pouco extravagante, mas serei eternamente grato. Então, lá estava eu, lendo e balbuciando minhas discordâncias, até que, em dado momento, ele cita 1 Coríntios 15.25: é necessário que Cristo “reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés”.

Quando eu li aquilo, a chave virou, e uma cosmovisão pós-milenarista completa começou a se formar, como um daqueles transformers dos filmes. Foi emocionante, para dizer o mínimo. Sou evangélico, filho de evangélicos, da tribo de Benjamim, e o que estou fazendo aqui é dando-lhes meu testemunho. É assim que passei a ver o que acredito que Abraão viu — o firme fundamento das coisas que se esperam.

O que Abraão viu

Eu gostaria de combinar algumas passagens que falam sobre fé, sobre Abraão e sobre herdarmos o mundo. Há muita coisa acontecendo aqui e, por isso, será uma fusão complexa. Por favor, tenha paciência comigo. Mas, depois de apresentar esse padrão e entregá-lo a você, usarei o restante do meu tempo para falar sobre a bondade de Deus para com o nosso pobre mundo e a glória da Grande Comissão.

Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem (Hb 11.1).

A fé não é apenas uma atitude de confiança nebulosa em alguma coisa. Ter fé não é colocar-se em um estado mental de fé — de modo que você irradie vagas vibrações de confiança, como o calor de um fogão a lenha. A fé é a prova de coisas que não se vêem. Mas o fato de elas não serem vistas não significa que não tenham sido prometidas, e não significa que a promessa não tenha sido específica e compreensível. A fé é o firme fundamento, a substância das coisas que se esperam, e isso não é um exercício em desejar seu cumprimento — quaisquer que sejam esses desejos. As coisas que se esperavam eram as coisas prometidas.

Quando Hebreus 11 fala de Abraão, apenas alguns versículos depois, o que é dito é bastante impressionante:

Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia. Pela fé habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus (Hb 11.8-10).

A influência gnóstica em nosso tempo é muito grande, e a coisa mais fácil do mundo é imaginar que Abraão estava pensando em ir para o céu quando morreu. Mas não é disso que se trata, de forma alguma. Quando Abraão estava esperando por uma cidade, ele estava esperando pelo que foi prometido. A substância das coisas que se esperam, lembra? Mas o que Deus havia lhe prometido?

E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12.3).

Deus havia prometido a ele que todas as famílias do mundo, que todas as nações da Terra, seriam abençoadas — e abençoadas por meio dele. Não só isso, mas em Gálatas, Paulo chama essa promessa de “abençoar o mundo por meio de Abraão” de evangelho. Deus pregou a visão pós-milenarista a Abraão, e Paulo diz que essa promessa de bênção universal era o evangelho. Para que não pensem que estou usando meu argumento de forma dissimulada, tentando introduzir algo sorrateiramente, deixe-me citá-lo diretamente:

Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti (Gl 3.8).

Deus prometeu o mundo a Abraão, e ele creu no que foi prometido. Não foi apenas a maneira como ele creu que lhe foi creditada como justiça, embora isso também tenha acontecido, foi o fato de ele ter crido no que creu que lhe foi creditado como justiça.

Porque a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão, ou à sua posteridade, mas pela justiça da fé (Rm 4.13).

Diante de tudo isso, não é de se surpreender que Jesus elogie Abraão por ter enxergado tão longe.

Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se (Jo 8.56).

A alegria de Abraão não foi o resultado de ver “o seio de Abraão” no Sheol ou no Hades. Sua alegria também não se baseava em uma vida após a morte no andar superior — embora essa vida após a morte exista. A promessa era de que ele seria o herdeiro do mundo, e essa foi uma promessa na qual ele creu. Se quisermos ser fortalecidos em nossa condição de semente de Abraão, de filhos de Abraão, também devemos acreditar nela. “Abraão tem muitos filhos, muitos filhos ele tem…” Se nos consideramos entre eles, faríamos bem em esperar miríades mais.

Quando o apóstolo João ouviu o número simbólico dos eleitos, era de 144 mil, de todas as tribos (Ap 7.4). Mas quantos eram exatamente? Ele ouviu o número, e depois se virou e olhou (Ap 7.9). E o que ele viu? Ele viu uma “grande multidão que ninguém podia enumerar”. Quantos filhos de Abraão e filhas de Sara serão salvos no final? A resposta das Escrituras é que não podemos contar esse número. Deus amou o mundo de tal maneira.

Invertendo os termos?

Não temos autoridade de Cristo ou de seu Espírito para virar tudo de cabeça para baixo. Não temos o direito de inverter todos os termos. Não temos o direito de substituir uma coisa por outra, esvaziando as promessas de sua ternura e glória. O fato de fazermos isso tão prontamente, tão facilmente e sem sermos desafiados é uma indicação de quanto uma espiritualidade estranha se infiltrou em toda a igreja.

Na oração do Senhor, Cristo nos ensinou a orar “venha o teu reino”. Ele não nos disse para orar para que “seu reino vá” (Mt 6.10).

A Bíblia não nos diz “bem-aventurados os mansos, porque irão para o céu quando morrerem”. Não, eles herdarão a terra (Mt 5.5).

Não nos é dito que Cristo não veio ao mundo para condená-lo, mas que, apesar dos seus esforços, o mundo conseguirá ser condenado por ele de alguma maneira (Jo 3.17).

Não nos é dito que o conhecimento da glória do Senhor cobrirá a terra como pode acontecer com uma garoa forte em um estacionamento (Hc 2.14).

Entre os muitos títulos gloriosos que coroam nosso Senhor Jesus, o de “susposto Salvador do mundo” não está entre eles (1Jo 4.14).

Não somos ensinados a pensar que enquanto o Senhor Jesus de fato amarrou o valente, durante à noite, o valente conseguiu fugir de algum jeito (Mc 3.27).

A Palavra não nos diz que Cristo se assentará à destra do Pai até que seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés, e que por isso ele permanecerá assentado lá para sempre (Sl 110.1).

Como filhos de Deus, devemos levantar as nossas cabeças. Nossa redenção está próxima.

Mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam (1Co 2.9).

Tradução: Thiago McHertt