Em 1997, pedi ao meu amigo e colega de ministério, Norman Shepherd, que falasse sobre a aliança e a Reforma Protestante. Eu sabia que, se o convidasse para falar sobre a doutrina da aliança, ele não recusaria meu convite. Sua palestra aborda uma série de questões que provocaram grande controvérsia há cerca de vinte anos, mas creio que você achará sua abordagem equilibrada e pastoral. Qualquer pessoa familiarizada com Norm Shepherd não esperaria nada menos que isso.
Paul Ipema
Oak Glen United Reformed Church
Lansing, Illinois
26 de outubro de 1997
Reunimo-nos esta noite para recordar e celebrar a Reforma Protestante. Há 480 anos, Martinho Lutero afixou suas noventa e cinco teses na porta da igreja em Wittenberg, na Alemanha. Esse ato desencadeou, mais uma vez, o poder do Espírito Santo na igreja de uma forma nova e poderosa.
A Reforma Protestante foi um dom de Deus, pelo qual continuamos a ser profundamente gratos. Foi uma correção de curso que era urgentemente necessária na igreja. Foi uma evidência concreta de que Jesus ainda estava atuando no mundo para edificar sua igreja. Jesus estava presente com sua igreja no século XVI, e cremos que ele está presente conosco hoje.
Jesus está edificando sua igreja e nos chamou para trabalhar com ele como suas testemunhas fiéis. Minha oração é que nosso tempo juntos esta noite nos ajude a nos equipar para essa tarefa.
A Reforma Protestante impactou diversos aspectos da vida e do ensino da igreja. Todos nós estamos familiarizados com dois dos mais importantes entre eles.
Em primeiro lugar, houve o retorno à autoridade absoluta da palavra escrita de Deus. As controvérsias devem ser resolvidas e a doutrina deve ser estabelecida — não por meio de um apelo à tradição, não por meio de um apelo ao ofício docente da igreja, mas por meio de um apelo à palavra escrita de Deus. Os Reformadores não se viam como fundadores de uma nova denominação ou de uma nova igreja. Eles se viam como membros da santa igreja católica; porém, agora essa santa igreja católica estava sendo reformada segundo a palavra de Deus.
Em segundo lugar, a Reforma teve um impacto tremendo em nossa compreensão do caminho da salvação. Ao longo dos séculos, a salvação do pecado e do inferno passou a ser vista como uma recompensa pelas boas obras. Com a ajuda da igreja e dos sacramentos, um pecador poderia tornar-se uma pessoa justa e, assim, merecer a vida eterna. Foi esse ensino que causou a Martinho Lutero tanto pesar e ansiedade. Ele nunca podia ter certeza de que era bom o suficiente para herdar a vida eterna. Seus pecados o condenavam; e ele enfrentava a morte sem nenhuma certeza da salvação.
Por meio de sua leitura e estudo da palavra de Deus, Lutero veio a compreender que a salvação era pela graça. Por causa do que Jesus fez, tanto em sua vida quanto em sua morte na cruz, os pecadores podiam ser salvos. Somos justificados pela graça, mediante a fé; não somos justificados por boas obras ou por mérito. Essa doutrina da justificação pela fé trouxe grande consolo ao povo de Deus. É uma doutrina que nos aponta para uma graça que é maior que todo o nosso pecado. O que jamais poderíamos fazer por nós mesmos, devido à nossa natureza pecaminosa, Cristo fez por nós.
Somos profundamente gratos pelo progresso que foi feito pela Reforma ao nos conduzir a uma compreensão do caminho da salvação, mas não devemos pensar que todas as questões e problemas foram resolvidos naquela época. A Reforma deixou-nos com perguntas muito sérias acerca do caminho da salvação. Essas continuam sendo debatidas até hoje. Não estamos pensando apenas na contínua controvérsia com a igreja de Roma, mas também nas diferenças que existem entre os filhos da Reforma, diferenças que existem entre as confissões históricas luteranas e reformadas, e diferenças que existem entre os protestantes evangélicos, como evidenciado pela controvérsia acerca da “salvação pelo senhorio de Cristo”.
Permitam-me tentar descrever o que quero dizer. Em primeiro lugar, há filhos da Reforma que insistem que a salvação é somente pela graça. Não há nada que você possa fazer ou deva tentar fazer para se salvar. A salvação pela graça significa que você toma uma decisão por Cristo. Você crê nele e é salvo. É claro que os mandamentos são importantes e os cristãos devem se preocupar com uma vida santa. Afinal, Jesus diz: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (João 14.15).
Mas tudo isso nada tem a ver com a sua salvação ou com a sua segurança eterna. A salvação é somente pela graça, mediante a fé. Você recebe Jesus como seu Salvador; mas se você o recebe como Senhor da sua vida é outra questão. Você deve fazer isso; mas se o fizer ou não, isso não afetará seu destino eterno. Seu destino eterno nada tem a ver com a forma como você vive sua vida, porque você não é salvo pelas obras. Se você aceitou Jesus como seu Salvador, isso é tudo o que importa no que diz respeito à salvação.
Existem irmãos e irmãs evangélicos que pregam e ensinam dessa forma. Chamamos essa forma de pensar de “antinomista”, porque é “contra o legalismo”. É isso que a palavra “antinomismo” significa. “Legalismo” é o ensino de que somos salvos pelo mérito de nossas obras. A força do antinomismo está no seu apelo ao que está no coração da Reforma Protestante: a salvação é pela graça mediante a fé, não pelo mérito através das obras.
Em oposição aos antinomistas, temos pessoas que apontam que a questão não é assim tão simples. Elas destacam que, de acordo com o ensino de Tiago, a fé “sem obras é morta”. Tiago reflete o ensino de Jesus, que chamou pecadores ao arrependimento. O arrependimento não é apenas tristeza pelo pecado, mas um afastar-se do pecado.
Jesus ensinou seus discípulos a pregarem o arrependimento para remissão de pecados a todas as nações. Foi por isso que Pedro pregou o arrependimento no Dia de Pentecostes. Foi por isso que Paulo pregou o arrependimento no Areópago, em Atenas. Quando se defendeu perante o rei Agripa, Paulo ressaltou que ele pregava arrependimento tanto a judeus quanto a gentios. “Preguei que se arrependessem, e se convertessem a Deus, praticando obras dignas de arrependimento” (Atos 26.20). Paulo escreveu aos gálatas que “Deus não se deixa escarnecer; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia para a sua própria carne, da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito, do Espírito colherá vida eterna” (Gálatas 6.7-8).
A maioria de nós, que pertencemos a igrejas reformadas, provavelmente nos sentiríamos mais confortáveis com essa forma de falar. É evidentemente bíblica. Afinal, é isso que confessamos no Catecismo de Heidelberg no Dia do Senhor 32: “Podem ser salvos aqueles que não se convertem a Deus de seus caminhos ingratos e impenitentes? De modo algum. As Escrituras nos dizem que nenhum impuro, idólatra, adúltero, ladrão, avarento, beberrão, caluniador, roubador ou outros semelhantes herdarão o reino de Deus”. Este Dia do Senhor introduz a seção do Catecismo que trata da gratidão. Somos obedientes ao Senhor e guardamos seus mandamentos por gratidão à salvação. O adúltero abandona seu estilo de vida adúltero quando se converte, porque está grato por seus pecados terem sido perdoados. Mas há mais do que isso. Se ele persistir em seu adultério, ele não será perdoado e não entrará no reino. Permanece verdadeiro que os adúlteros não herdarão o reino. Deus não se deixa escarnecer; o adúltero deve arrepender-se. Deus deseja salvar seu povo do pecado, não apenas da pena do pecado!
Essa é uma forma de falar que os reformados aceitam; mas muitos evangélicos ficam horrorizados. Alegam que não estamos sendo fiéis à Reforma. Se você prega o arrependimento e a necessidade da obediência, está pregando legalismo. Então está a caminho de voltar para a igreja de Roma e para a salvação pelas boas obras.
Historicamente, os luteranos sempre tiveram dificuldades com a forma como os reformados utilizam a lei de Deus. Os reformados sempre disseram que os mandamentos são uma regra para os cristãos hoje. Eles não apenas revelam a profundidade do nosso pecado, mas também nos guiam na vida cristã. Os luteranos argumentaram que isso confunde lei e evangelho. Confunde fé e obras, e confunde graça e mérito. Os luteranos insistem que a lei serve apenas para revelar a profundidade do nosso pecado. Os cristãos hoje não precisam de leis e mandamentos porque têm o Espírito Santo. Se fizermos dos mandamentos uma regra para a vida cristã, corremos o risco de reintroduzir uma doutrina de salvação pelas boas obras. Corremos o risco de voltar à igreja de Roma.
Muitos outros evangélicos também usam esse mesmo argumento. Esse sentimento está expresso em um conhecido hino:
Livres da lei, que felicidade!
Cristo morreu, nos deu liberdade!
Já carregou, na cruz, maldição,
Deu-nos pra sempre redenção.
Muitos entendem isso como significando liberdade não apenas da maldição da lei, mas também de suas exigências. Somos constantemente lembrados de que os crentes não estão debaixo da lei, mas debaixo da graça!
O que temos examinado é o legado da Reforma no seu aspecto negativo. É a controvérsia entre antinomismo e legalismo. É a controvérsia entre Roma e a Reforma. É a diferença histórica entre os luteranos e os reformados. Muitos veriam até como a diferença entre o Antigo Testamento, com seu foco na lei, e o Novo Testamento, com seu foco na graça. Dentro do Antigo Testamento, isso é visto como a diferença entre a aliança com Abraão e a aliança com Moisés. É a diferença entre promessa e mandamento, entre promessa e obrigação.
Essa é uma questão séria, com sérias consequências práticas para o ministério e a evangelização. Como você prega a graça sem dar a entender que isso não faz diferença no estilo de vida que você leva? Como você prega o arrependimento sem colocar em dúvida a salvação pela graça à parte das obras?
Minha mensagem esta noite é que podemos resolver esse dilema e superá-lo ao olhar para a doutrina bíblica da aliança, e mais especificamente para a aliança que o Senhor fez com Abraão. A linguagem da Bíblia não nos deixa encurralados nas garras de um dilema. A graça divina e a responsabilidade humana não são polos opostos mutuamente exclusivos. São as duas partes da aliança que Deus fez conosco e com nossos filhos.
O livro de Gênesis testifica que Deus fez uma aliança com Abraão e seus filhos. Gênesis 12.2-3 nos fala da promessa que Deus fez a Abraão de fazer dele uma grande nação. Abraão será uma bênção, e por meio dele todas as famílias da terra serão abençoadas. A palavra “aliança” não é usada no capítulo 12, mas é usada em Gênesis 15.18: “Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates”.
É especialmente no capítulo 17, contudo, que vemos todo o alcance da linguagem da aliança. O versículo 2 diz: “Farei uma aliança entre mim e ti e te multiplicarei extraordinariamente”. E nos versículos 7 e 8: “Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tua descendência. Dar-te-ei a ti e à tua descendência a terra das tuas peregrinações, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua; e serei o seu Deus”. Lemos sobre essa aliança não apenas no Antigo Testamento, mas também no Novo.
O estabelecimento dessa aliança é um dos grandes eventos históricos na revelação divina.
De importância imediata é o fato de que, nessa aliança, as promessas que Deus faz a Abraão estão em destaque. Em Gênesis 12.3, a promessa é que em Abraão e por meio dele todas as famílias da terra serão abençoadas. Em Gênesis 15.5, Deus promete filhos a Abraão, apesar de ele e sua esposa já estarem avançados em idade. Deus disse a Abraão: “Olha para os céus e conta as estrelas, se é que o podes”. E lhe disse: “Assim será a tua posteridade”.
Deus não apenas prometeu filhos, mas também prometeu um lugar para esses filhos habitarem. Nos versículos 18-20 lemos: “Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates: a terra dos queneus, dos quenezeus, dos cadmoneus, dos heteus, dos ferezeus, dos refains, dos amorreus, dos cananeus, dos girgaseus e dos jebuseus”. Deus promete tanto um povo quanto uma terra.
Gênesis 15 expõe o compromisso que Deus assume para cumprir essa promessa ao descrever uma cerimônia misteriosa. O Senhor Deus passou entre as metades ensanguentadas dos animais que haviam sido cortados ao meio. Dessa forma, Deus invocou uma maldição sobre si mesmo caso falhasse em cumprir as promessas que havia feito. Essa é uma promessa selada por juramento; e Hebreus 6.13-14 nos lembra desse juramento divino: “Pois, quando Deus fez a promessa a Abraão, visto que não tinha ninguém superior por quem jurar, jurou por si mesmo, dizendo: Certamente te abençoarei e certamente te multiplicarei” (Gênesis 22.16). O cerne das promessas feitas a Abraão encontra-se naqueles versículos já citados de Gênesis 17. O versículo 7 diz: “Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tua descendência”. Deus promete ser o Deus de Abraão e o Deus de seus filhos para sempre.
Frequentemente se afirma que essas promessas feitas a Abraão são incondicionais. São promessas que Deus se comprometeu a cumprir independentemente da resposta de Abraão. Não há condições anexadas a essas promessas que precisem ser cumpridas antes que se realizem. Por exemplo, ao comentar sobre Gênesis 22, John Stek, antigo Professor de Antigo Testamento no Seminário Calvinista, escreve: “[O Senhor] agora se compromete sob juramento, e incondicionalmente, a fazer por Abraão tudo o que ele originalmente prometera” (“‘Covenant’ Overload in Reformed Theology”, Calvin Theological Journal, 29.1, abril de 1994, p. 31). Por causa dessa ideia de que o cumprimento da promessa é incondicional, a aliança abraâmica é vista como um modelo do método da graça do evangelho. Não há nada que você precise fazer para ser salvo; você é salvo somente pela graça.
A aliança abraâmica é então contraposta à aliança mosaica. A aliança mosaica é considerada legalista. A ideia é que você é salvo ao guardar perfeitamente essa aliança republicada das obras, sem qualquer exceção. A aliança mosaica é vista como um texto-prova para o legalismo; e a aliança abraâmica é vista como um texto-prova para o antinomismo.
Mas agora surge a questão de saber se essa aliança com Abraão é realmente, de fato, incondicional. As promessas serão cumpridas independentemente de qualquer resposta por parte de Abraão e seus filhos? Creio que o registro bíblico mostra que há, sim, condições ligadas ao cumprimento das promessas feitas a Abraão. Permitam-me apresentar uma série de seis considerações que servem para demonstrar essa observação.
Em primeiro lugar, há o requisito da circuncisão.
Deus exige que Abraão e seus filhos guardem a aliança praticando a circuncisão (Gênesis 17). Se isso não for feito, a aliança é quebrada e o homem incircunciso deve ser eliminado de seu povo. Tal pessoa não herda aquilo que foi prometido.
O antigo Formulário para o batismo de infantes, usado na Igreja Cristã Reformada, contém estas palavras: “Visto que em todas as alianças há duas partes contidas, somos, portanto, por Deus, por meio do batismo, advertidos e obrigados a uma nova obediência”. Nosso batismo nos chama a ser obedientes a Jesus. Ele nos obriga a uma lealdade pactual para com ele. O batismo veio no lugar da circuncisão. Assim como o batismo nos obriga à obediência na Nova Aliança, assim também a circuncisão na Antiga Aliança.
Quando Deus exigiu a circuncisão como uma condição na aliança abraâmica, a preocupação não era meramente com uma cerimônia externa. É por isso que Paulo pode escrever em Romanos 2.28: “Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é somente na carne”. Deus estava requerendo a plena lealdade e obediência no contexto da aliança, em todos os aspectos. Esse é o significado da circuncisão na aliança abraâmica e do batismo na nova aliança.
Em segundo lugar, a aliança abraâmica exigia fé.
Pertence à própria natureza das promessas que elas clamem por ser cridas. Da mesma forma, essas promessas feitas a Abraão precisavam ser cridas para que fossem cumpridas. Não devemos desprezar a fé como uma condição a ser cumprida para que a promessa se realize. De fato, Gênesis 15.6 diz que a fé de Abraão é tão significativa que lhe foi imputada como justiça! Se é assim, então a justiça é uma condição a ser cumprida; e a fé cumpre essa condição.
Em terceiro lugar, a fé que foi imputada a Abraão como justiça é uma fé viva e obediente.
Hebreus 11 descreve Abraão como um homem de fé, mas sua fé não foi um ato puramente mental. Pela fé, Abraão obedeceu à voz de Deus e deixou sua terra natal para herdar uma terra prometida. Pela fé, ele ofereceu Isaque como sacrifício, confiante de que Deus, ainda assim, cumpriria sua promessa.
Tiago 2 é ainda mais explícito. O versículo 21 diz que Abraão foi considerado justo por aquilo que fez quando ofereceu seu filho Isaque sobre o altar. Sua fé e suas ações estavam atuando juntas, e sua fé foi consumada pelas obras que praticou. O versículo 23 afirma: “E se cumpriu a Escritura que diz: ‘Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça’; e foi chamado amigo de Deus”.
Tiago prossegue dizendo que a fé sem obras é morta. Por essa razão, ele também pode afirmar no versículo 24 que “verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente”. A fé imputada a Abraão como justiça é uma fé viva e ativa.
Em quarto lugar, Abraão é ordenado a andar diante do Senhor e a ser íntegro. Gênesis 17.1-2 diz: “Quando atingiu Abrão a idade de noventa e nove anos, apareceu-lhe o Senhor e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê íntegro. Farei uma aliança entre mim e ti e te multiplicarei extraordinariamente”. O que é significativo é a forma como andar diante do Senhor de modo íntegro está conectado com a confirmação da aliança. A aliança, com suas promessas, é confirmada a Abraão que demonstra fé e lealdade no contexto da aliança. Ele cumpre as obrigações da aliança.
Essa conexão entre uma caminhada irrepreensível e a confirmação da aliança não é uma conexão artificial, como se evidencia em Gênesis 26.3-5. O Senhor diz a Abraão: “Habita nela, e serei contigo e te abençoarei; porque a ti e à tua descendência darei todas estas terras e confirmarei o juramento que fiz a Abraão, teu pai. Multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e lhes darei todas estas terras; na tua descendência serão benditas todas as nações da terra; porque Abraão obedeceu à minha palavra e guardou os meus mandamentos, os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis”.
Aqui temos uma repetição das promessas que estão no cerne da aliança abraâmica. Temos a promessa de filhos, da terra e da presença do próprio Deus. Deus confirma essas promessas seladas por juramento; e observe a razão pela qual ele o faz: “porque Abraão obedeceu à minha palavra e guardou os meus mandamentos, os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis”. As promessas são renovadas e serão cumpridas porque Abraão confia em Deus e anda em retidão segundo a palavra do Senhor.
Em quinto lugar, a história de Israel demonstra que as promessas feitas a Abraão são cumpridas apenas à medida que as condições da aliança são satisfeitas. Em Êxodo 2, lemos sobre a escravidão de Israel no Egito. Os israelitas gemeram e clamaram a Deus por alívio. O versículo 24 diz que “ouvindo Deus o seu gemido, lembrou-se da sua aliança com Abraão, com Isaque e com Jacó”.
Era uma aliança feita com Abraão e seus filhos. Moisés faz esse mesmo ponto ao falar aos filhos de Israel prestes a atravessar o Jordão. Deuteronômio 7.8 diz: “Porém, porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito”. Foi em cumprimento da aliança abraâmica que Deus tirou Israel do Egito e os levou para a Terra Prometida.
Mas a geração de israelitas que realmente saiu do Egito nunca chegou à Terra Prometida. A razão foi a incredulidade e a desobediência. Hebreus 3.18-19 afirma: “E contra quem jurou que não entrariam no seu descanso, senão contra os que foram desobedientes? Vemos, pois, que não puderam entrar por causa da incredulidade”.
Se as promessas da aliança abraâmica fossem incondicionais, os israelitas teriam marchado diretamente para a terra, independentemente de seu comportamento. Mas isso não aconteceu. Foi uma nova e diferente geração que herdou o que fora prometido. Foi uma geração que creu em Deus e avançou segundo sua ordem.
Em sexto lugar, e finalmente, a prova definitiva do caráter condicional da aliança abraâmica reside em Jesus Cristo.
O que foi que motivou Paulo em sua missão ao mundo acima de tudo? Foi a percepção de que as promessas feitas a Abraão estavam sendo cumpridas diante de seus olhos. Elas haviam sido realizadas em certo nível na Antiga Aliança, quando Israel entrou na Terra Prometida. Mas agora as promessas estavam sendo cumpridas em toda a sua amplitude. As nações estavam sendo discipuladas! A promessa era que todas as nações da terra seriam abençoadas por meio de Abraão. Paulo pôde ver isso acontecendo em seus dias, assim como nós o vemos acontecendo em nossos dias.
Tudo isso é possível por meio da justiça pactual de Jesus Cristo. Sua fé foi viva, ativa e obediente, levando-o até a cruz. Essa fé lhe foi imputada como justiça. Em Romanos 5.18, sua morte na cruz é chamada de “um só ato de justiça” que resultou em justificação e vida para todos os homens.
Gálatas 3.16 diz que “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e a seu descendente. Não diz: e aos descendentes, como se falando de muitos; porém como de um só: e a teu descendente, que é Cristo”. Essa descendência é Jesus Cristo. Porque Jesus foi obediente até à morte, e morte de cruz, as promessas estão agora sendo cumpridas. Gálatas 3.14 afirma que a bênção dada a Abraão chega aos gentios por meio de Cristo Jesus.
Nada demonstra com maior clareza o caráter condicional da aliança abraâmica do que a forma como as promessas dessa aliança são, em última análise, cumpridas. Elas são cumpridas por meio da lealdade e obediência pactual de Jesus Cristo.
Mas assim como Jesus foi fiel para garantir a bênção, assim também seus seguidores devem ser fiéis para se apropriarem dessa bênção. De acordo com a Grande Comissão, para ser um seguidor de Jesus é necessário aprender a obedecer tudo o que ele ordenou. Não devemos apenas nos tornar crentes, mas discípulos! Devemos obedecer buscando discipular outros para Cristo. Esse é o caminho pelo qual a bênção prometida às nações na aliança abraâmica se concretizará!
O que vimos até este ponto é que, na aliança abraâmica, as promessas que Deus faz a Abraão e a seus filhos estão em primeiro plano. Mas, como “em todas as alianças há duas partes”, assim também na aliança abraâmica. Abraão e sua descendência são obrigados a uma nova obediência. Eles devem andar com o Senhor e diante do Senhor nos caminhos da fé, do arrependimento e da obediência. É dessa forma que as promessas da aliança são cumpridas.
Por essa razão, a aliança abraâmica não oferece conforto aos antinomistas. Não é como se as promessas fossem feitas de forma incondicional. Não é como se as promessas fossem cumpridas independentemente de qualquer resposta por parte de Abraão, de seus filhos ou da única descendência que é Cristo. A aliança abraâmica, como qualquer outra aliança, possui duas partes: promessa e obrigação.
Mas agora, isso significa que a aliança abraâmica é realmente apenas mais um exemplo de legalismo do Antigo Testamento? As promessas são realmente promessas? Ou descrevem a recompensa pelo mérito das boas obras? De modo algum! O cumprimento das obrigações da aliança abraâmica nunca é apresentado como uma realização meritória. A aliança abraâmica não oferece conforto nem aos antinomistas nem aos legalistas. Há pelo menos duas maneiras de demonstrar esse ponto.
Primeiro, temos a tentativa por parte de Abraão de herdar a promessa de filhos dormindo com uma serva egípcia chamada Agar. O resultado dessa união foi o nascimento de Ismael. Ismael vem a representar a tentativa de herdar a promessa por meio do esforço e da realização humanos. Agar e Ismael são símbolos do legalismo. Essa tentativa fracassa miseravelmente.
Agar e Ismael são simbólicos do esforço humano para alcançar a bênção. São simbólicos do mérito das obras. Não é assim que as promessas são realizadas. Quando Deus, portanto, exige uma fé viva e ativa e uma caminhada irrepreensível pela vida, ele não está pedindo aquilo que Abraão tentou realizar com Agar e Ismael. A obediência que conduz ao cumprimento da promessa é de uma natureza totalmente diferente. É a expressão de fé e confiança, não a segurança baseada na realização humana.
Em segundo lugar, temos a própria entrada de Israel na Terra Prometida. Vimos que essa entrada triunfal se dá em cumprimento da promessa feita a Abraão. Mas esse cumprimento ocorre no caminho da fé e da obediência. Os israelitas devem marchar e tomar posse da terra por ordem do Senhor.
É fascinante observar a advertência que Moisés dá a Israel exatamente quando estão prestes a entrar. Deuteronômio 9.4: “Quando, pois, o Senhor, teu Deus, os lançar de diante de ti, não digas no teu coração: Por causa da minha justiça é que o Senhor me trouxe para possuir esta terra; porque, pela impiedade destas nações, é que o Senhor as lança de diante de ti”. E no versículo 6: “Sabe, pois, que não é por causa da tua justiça que o Senhor, teu Deus, te dá esta boa terra para a possuíres; porque tu és povo de dura cerviz”.
Moisés está dizendo da forma mais clara possível que a herança não vem por causa de realizações ou méritos humanos. Israel não se tornou digno de receber o que foi prometido a Abraão. A terra é um dom gratuito da graça de Deus; mas só pode ser recebida por meio de uma fé viva e ativa.
Resumindo, a aliança abraâmica não pode oferecer conforto aos antinomistas. Mas tampouco essa aliança pode oferecer conforto aos legalistas. A aliança abraâmica não é incondicional; mas, ao mesmo tempo, as condições nela exigidas não são meritórias. Essa é a luz que a doutrina bíblica da aliança lança sobre a Reforma.
Os teólogos católicos romanos têm avançado bastante nos últimos anos. Eles têm buscado dar muito mais atenção à graça ao descrever o caminho da salvação. Contudo, a ideia de que Deus recompensa o mérito das boas obras ainda está no centro da doutrina romanista. Ela está enraizada no assim chamado ensino infalível da igreja. Ainda há uma controvérsia que precisa ser travada contra o legalismo do sistema romanista.
Mas não devemos minimizar a importância da controvérsia do outro lado. Os protestantes evangélicos frequentemente se aproximam do antinomismo; e, por vezes, cruzam essa linha. Por exemplo, muitas vezes os pecadores não são chamados ao arrependimento; são apenas informados de que Deus os aceita como estão. É verdade que Deus nos aceita como estamos, se com isso queremos dizer que não há nada que possamos fazer para nos salvar por nossas obras ou méritos. Aproximamo-nos de Deus como pecadores merecedores de sua ira. Mas, se queremos dizer que há salvação sem arrependimento, então não estamos pregando o evangelho.
O legalismo e o antinomismo são polos opostos; são os extremos de um dilema. Mas a Bíblia não nos deixa encurralados nas garras desse dilema. A Bíblia nos mostra que, na aliança que o Senhor fez conosco, a salvação é pela graça e é mediante a fé. Sim, ambas as coisas são verdadeiras: pela graça e mediante a fé. Graça e fé, promessa e obrigação: essas são as duas partes da aliança.
Eis a luz da aliança lançada sobre a Reforma!
Se conseguíssemos fazer com que nossos amigos católicos romanos compreendessem que a Bíblia fala de amor e lealdade pactuais, e não do mérito das boas obras, e se conseguíssemos fazer com que nossos amigos protestantes evangélicos percebessem que a Bíblia fala de amor e lealdade pactuais, e não de uma graça barata, então ao menos um grande obstáculo seria removido, impedindo-nos de ver que a verdadeira igreja é una, santa, católica e apostólica. Teríamos então uma igreja católica que é reformada segundo a palavra de Deus. Esta é a igreja que Jesus está edificando hoje.
Tradução: Francisco Batista de Araújo