Uma das armas mais insidiosas que Satanás tem conseguido manejar contra o avanço do Reino de Deus é a inculcação da crença de que, embora o Reino deva ser proclamado por todo o mundo, a igreja realmente não pode esperar que tal proclamação encontre qualquer grau significativo de sucesso. Um escritor proeminente no campo das missões internacionais expressou essa expectativa amplamente difundida da seguinte forma: “O Novo Testamento prediz claramente que, apesar das grandes vitórias do Evangelho entre todas as nações, a resistência de Satanás continuará. Perto do fim, essa resistência aumentará tanto que Satanás, encarnado na pessoa humana do Anticristo, assumirá mais uma vez um controle quase total sobre a humanidade desobediente (2Ts 2.3-12; Ap 13)”.
Essas palavras constituem, na verdade, uma confissão de fé. Mais precisamente, são uma confissão de anti-fé — anti-fé no Anticristo. Se as encontrássemos na anti-confissão de uma seita satanista moderna, não nos surpreenderiam. Ao menos não podemos conceber um satanista confessando solenemente que, próximo ao fim da história humana, o Filho de Deus, encarnado na pessoa de Jesus Cristo, assumirá um controle quase total sobre a humanidade obediente.
Por que nós, como cristãos, estamos tão mais confiantes na vitória do Anticristo do que no triunfo de Jesus Cristo? Será que o domínio mundial de Satanás no final da história é uma verdade revelada nas Escrituras de forma tão mais óbvia e inequívoca do que o domínio mundial de Jesus Cristo?
Assim como a fé em Jesus Cristo é a fonte dos frutos da justiça na vida dos crentes, também a anti-fé no Anticristo produz seu próprio fruto amargo, e tem feito isso em prejuízo da causa missionária da igreja. As profecias da anti-fé são auto realizáveis. Quando a igreja passa a chamar e enviar missionários com a convicção arraigada de que as condições, que já são más, estão fadadas a piorar, que a apostasia está destinada a crescer e que as nações estão condenadas a perseverar em sua cegueira ímpia, como pode a igreja orar com fé para que os resultados de sua missão sejam diferentes? Pode a igreja realmente pedir a Deus que conceda à causa missionária mundial uma vitória mundial se está convencida de que Deus, de fato, jamais dará à sua igreja tal vitória? Assim, apesar de tudo o que professamos acerca do poder de Deus e da graça de Cristo, não somos realmente capazes de acessar esses recursos de poder e graça por meio da oração e da ação cheias de fé.
Podemos muito bem nos alegrar com as grandes vitórias das quais a citação acima fala, mas nos falta um senso de progresso geral na grande luta que somos chamados a travar precisamente no cenário desta presente era. É chegada a hora de romper esse ciclo de pessimismo, derrota e frustração que permeia a obra missionária tanto em seus aspectos nacionais como internacionais.
Quando procuramos discipular homens para Jesus Cristo, não estamos pedindo que se juntem à batalha no lado perdedor. A estratégia que desenvolvemos para essa batalha — nossa política missionária — não deve ser formulada em termos de metas de curto prazo, como se estivéssemos apenas ganhando algumas escaramuças como prelúdio para uma derrota mais retumbante. A chave para a vigilância, enquanto a igreja olha para o futuro, é exatamente a mesma que foi para as virgens prudentes na parábola de Jesus — um planejamento sólido e de longo prazo. Tal planejamento concede à igreja a liberdade necessária, no que diz respeito ao tempo, para lançar alicerces sólidos para a edificação do Reino, sem ser desviada de seu objetivo por oscilações passageiras.
O utopismo humanista gerou dentro da igreja professante uma Teologia da Esperança, uma Teologia da Revolução e uma Teologia da Libertação. Certamente, a resposta evangélica a essas teologias não é uma Teologia do Desespero, cuja única consolação é a destruição dos inimigos de Deus no segundo advento. Deus, de fato, destruirá seus inimigos no dia do juízo. Se isso não for verdade, Cristo morreu em vão. Mas Cristo não morreu em vão — e isso também significa que a missão inaugurada por sua primeira vinda não é um fracasso, nem é apenas um sucesso moderado. É com respeito à primeira vinda que a Escritura nos diz: “Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo; mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3.17).
A moderna Teologia da Esperança é, na realidade, um conselho de desespero porque não surge do evangelho bíblico da graça soberana, que é o poder de Deus para a salvação. Nada se ganha buscando uma aliança com ela. Fazê-lo seria, de fato, recrutar homens para o lado perdedor. Mas se cremos que o evangelho é, de fato, o poder de Deus para a salvação, então temos todas as razões para desenvolver uma Teologia da Esperança verdadeiramente bíblica.
A igreja pode muito bem estar pronta para recuperar esse ênfase bíblica. Um fenômeno marcante em nossos dias tem sido a ressonância que as técnicas de aconselhamento desenvolvidas por Jay E. Adams têm encontrado entre pastores evangélicos. Adams destacou que a prática psiquiátrica moderna quase invariavelmente procede com base em duas suposições — que o tratamento levará muito tempo e que não há garantia de que ele terá sucesso. Com base nisso, a esperança se perde antes mesmo que a recuperação possa começar. Em contraposição a isso, Adams insistiu que o conselheiro cristão deve proceder com a convicção de que uma melhora definitiva e reconhecível pode ser experimentada num futuro previsível, se não imediato. Seu trabalho tem proporcionado um bem-vindo antídoto contra o pessimismo e a frustração que afligem o pastor em sua prática de aconselhamento.
Mas agora, e quanto a esse mesmo pastor em seu alcance evangelístico, e quanto à igreja em seu avanço através da história? Será isso apenas mais um longo e árduo caminho a percorrer, sem qualquer garantia real de que algo significativo resultará? Jesus diz que os campos estão brancos para a ceifa. Devemos mais uma vez nos perguntar se textos como aqueles mencionados na citação no início deste artigo — 2 Tessalonicenses 2.3-12 e Apocalipse 13 — realmente nos obrigam a pensar numa apostasia final e se realmente falam de forma tão inequívoca acerca de uma apostasia progressivamente piorando e mundialmente difundida que culminará nessa manifestação final.
Em vez de se deixarem intimidar por tais passagens, os ministros cristãos devem começar a cultivar esperança para si mesmos e para seu povo, fundamentados no poder do evangelho. O que é necessário é aquilo que o título de um volume recentemente publicado com escritos de J. Marcellus Kik chama de Uma escatologia da vitória. Isso também se mostrará um antídoto bem-vindo para o pessimismo subjacente ao qual nosso pensamento e nosso esforço evangelístico têm estado tão longamente orientados.
A vitória, conforme os evangélicos muitas vezes a concebem, frequentemente evoca a imagem de um remanescente sobrevivente cercado por multidões caídas e massacradas, ou a visão de uma hoste de santos ressuscitados de todas as épocas reunidos após o segundo advento. Pode-se, no entanto, questionar se o Novo Testamento realmente exige que associemos a vitória exclusivamente a uma reversão súbita e dramática de uma tendência consistentemente descendente, no final da história como a conhecemos agora. O fato de que o povo de Deus será chamado a suportar tribulação não significa necessariamente que a oposição ganhará progressivamente a supremacia. Jesus não nos pede apenas que suportemos estoicamente, mas que tenhamos bom ânimo. Por sua primeira vinda, por sua morte e ressurreição, Ele venceu o mundo (João 16.33).
“Vitória” é uma palavra do Novo Testamento. O vocabulário da vitória é especialmente proeminente no Apocalipse, mas de forma alguma está restrito a esse livro. Em uma passagem particularmente esclarecedora (Mateus 12.9-21), Mateus usa essa palavra ao apresentar uma citação de Isaías 42.1-4. Embora a palavra não apareça nem no hebraico de Isaías nem na tradução grega antiga, a Septuaginta, ela corresponde plenamente ao que Isaías estava descrevendo:
Depois que Jesus curou um homem com a mão ressequida no sábado, provocando assim a ira do judaísmo oficial, os fariseus saíram e planejaram como destruí-lo. Consciente dessas maquinações, Jesus retirou-se de uma possível confrontação, mas foi seguido por muitos simpatizantes. O relato nos diz que ele os curou a todos e lhes ordenou que se mantivessem em silêncio. A citação que Mateus então introduz faz mais do que simplesmente justificar esse silêncio. Ela nos ajuda a compreender o que está acontecendo no ministério de Jesus, e isso está ligado ao fato de que a passagem de Isaías diz respeito aos gentios. À medida que os judeus começam a se afastar de Jesus, Mateus nos lembra, na linguagem de Isaías, que o servo escolhido de Deus proclamará justiça aos gentios. Sem dúvida, o remanescente judeu não é rejeitado, mas o ministério de Cristo agora se estenderá às nações do mundo.
A sequência é semelhante àquela descrita por Paulo em Romanos 11: a cegueira veio sobre Israel em parte, para que a plenitude dos gentios fosse introduzida para a glória da graça. Esse ministério de Cristo aos gentios já não é algo futuro, como era para Isaías, mas começa ainda na vida de Jesus de Nazaré e continua através da presente era.
No contexto desse ministério, Jesus proclama justiça aos gentios (v. 18), mas ele faz mais do que isso: ele conduz a justiça à vitória (v. 20).
Antes que possamos compreender o alcance dessa vitória, devemos entender o que se quer dizer com justiça. A palavra, quando traduzida do grego, é a nossa palavra “crise”, e pode significar julgamento para condenação. Mas faz pouco sentido afirmar que a resposta de Jesus à oposição dos judeus foi a proclamação de condenação aos gentios. Pelo contrário, os gentios aprendem a esperar no nome de Jesus (v. 21), porque a justiça proclamada é a justiça de Deus. É uma justiça que satisfaz o justo juízo de Deus e da qual Jesus é ele mesmo a própria encarnação.
É também essencial compreender que a justiça que é conduzida à vitória não pode ser arbitrariamente restringida à justiça de Jesus imputada aos crentes, em termos da qual seus pecados são perdoados e os pecadores são tornados aceitáveis diante de Deus. Isso é, evidentemente, um elemento indispensável da proclamação do evangelho. Sem isso, não há evangelho. Mas Isaías 42.4 diz que ele estabelecerá justiça na terra, e as terras do mar aguardarão ansiosamente pela sua lei.
É essa a justiça pela qual tantas vezes, mas de forma tão irrefletida e incrédula, temos orado quando pedimos que a vontade de Deus seja feita na terra assim como é feita no céu. É a justiça que está em vista na Grande Comissão, quando somos enviados para ensinar os homens a observar tudo o que Cristo ordenou. Discipulado e obediência pertencem tanto ao cumprimento da Grande Comissão quanto a fé e o perdão. A justiça de Deus que Jesus encarna não apenas nos torna aceitáveis diante de Deus, mas também nos transforma à sua imagem. É por essa razão que Paulo declara que Cristo Jesus se tornou para nós justiça, santificação e redenção (1Co 1.30). A salvação contempla renovação tanto quanto perdão.
É essa justiça, essa retidão, essa salvação que Jesus conduzirá à vitória. O sucesso do ministério de Jesus entre os gentios será em marcante contraste com aquilo que é um fracasso inicial entre os judeus. Mas Paulo também anuncia, em Romanos 11, uma vitória final com respeito ao antigo povo da aliança. A vitória começa com o remanescente que segue Jesus e é curado. O pavio que fumega não é apagado; pelo contrário, com as línguas de fogo no dia de Pentecostes ele se inflama, uma chama que tem se espalhado desde então. Jesus está conduzindo a justiça à vitória.
A palavra “vitória” não é usada para provocar e frustrar a igreja. Não é um artifício de cenoura e vara. Se o resultado final de Jesus conduzir a justiça à vitória for um mundo em que o Anticristo “assumirá mais uma vez um controle quase total sobre a humanidade desobediente”, seria difícil distinguir tal vitória de uma derrota. A vitória da qual Mateus fala corresponderá à própria definição de vitória, e a igreja pode usar essa palavra com plena confiança de que ela jamais será motivo de embaraço, nem para Jesus nem para sua igreja.
É claro que, mesmo a salvação de um único pecador é uma vitória. Certamente, os anjos no céu a veem dessa forma (Lucas 15.7), e Paulo se entusiasmava com o remanescente. Mas é algo apressado concluir que a vitória mencionada em Mateus 12.20 deve, portanto, ser definida sem referência ao número. Somos tentados a formular tais definições a fim de preservar a honra de Cristo. Devemos dizer que Cristo é vitorioso; mas, se não vemos facilmente como grandes multidões podem ser convertidas, excluímos essa noção de nossa definição de vitória. Na verdade, o problema pode muito bem ser que somos tardos de coração para crer em tudo o que os profetas falaram.
Isaías escreve acerca de Jesus que ele não se enfraquecerá nem se quebrará até que tenha estabelecido justiça na terra (42.4). Tanto a versão Authorized como a versão Revised Standard dizem: Ele não falhará nem se desanimará. Cristo certamente não é um pessimista; e aqueles que são refeitos à sua imagem e servem sob sua liderança não ousam ser pessimistas também. Nosso Senhor conduz a justiça à vitória.
Guarda os mandamentos do Senhor, teu Deus, para andares nos seus caminhos e o temeres; porque o Senhor, teu Deus, te faz entrar numa boa terra, terra de ribeiros de águas, de fontes, de mananciais profundos, que saem dos vales e das montanhas; terra de trigo e cevada, de vides, figueiras e romeiras; terra de oliveiras, de azeite e mel; terra em que comerás o pão sem escassez, e nada te faltará nela; terra cujas pedras são ferro e de cujos montes cavarás o cobre. Comerás, e te fartarás, e louvarás o Senhor, teu Deus, pela boa terra que te deu. Guarda-te não te esqueças do Senhor, teu Deus, não cumprindo os seus mandamentos, os seus juízos e os seus estatutos, que hoje te ordeno; para não suceder que, depois de teres comido e estiveres farto, depois de haveres edificado boas casas e morado nelas; depois de se multiplicarem os teus gados e os teus rebanhos, e se aumentar a tua prata e o teu ouro, e ser abundante tudo quanto tens, se eleve o teu coração, e te esqueças do Senhor, teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão, que te conduziu por aquele grande e terrível deserto de serpentes abrasadoras, de escorpiões e de secura, em que não havia água; e te fez sair água da pederneira; que no deserto te sustentou com maná, que teus pais não conheciam; para te humilhar, e para te provar, e, afinal, te fazer bem. Não digas, pois, no teu coração: A minha força e o poder do meu braço me adquiriram estas riquezas. Antes, te lembrarás do Senhor, teu Deus, porque é ele o que te dá força para adquirires riquezas; para confirmar a sua aliança, que, sob juramento, prometeu a teus pais, como hoje se vê. Se te esqueceres do Senhor, teu Deus, e andares após outros deuses, e os servires, e os adorares, protesto, hoje, contra vós outros que perecereis. Como as nações que o Senhor destruiu de diante de vós, assim perecereis; porquanto não quisestes obedecer à voz do Senhor, vosso Deus. — Deuteronômio 8.6-20
Porque para com Deus não há acepção de pessoas. Assim, pois, todos os que pecaram sem lei também sem lei perecerão; e todos os que com lei pecaram mediante lei serão julgados. Porque os simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados. Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se, no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho. — Romanos 2.11-16
Tradução: Francisco Batista de Araújo
Fonte: Norman Shepherd,The Journal of Christian Reconstruction, Symposium on the Millennium Volume III / Number 2, Winter 1976-77