Logo, aquilo que chamamos de remanescente da natureza no ímpio e em Satanás não está menos sujeito, como criatura e obra de Deus, à onipotência e à ação divina do que todas as outras criaturas e obras de Deus. Assim, visto que Deus a tudo move e atua em tudo, também move necessariamente a Satanás e o ímpio e neles atua…
Aqui vês que quando Deus opera nos maus e por meio dos maus certamente o mal acontece, e contudo Deus não pode agir mal ainda que faça o mal por meio dos maus; pois, sendo ele próprio bom, não pode agir mal, mas faz uso de instrumentos maus que não podem escapar da apropriação e da manobra de sua potência. Portanto, o defeito está nos instrumentos aos quais Deus não permite ser ociosos; por isso, o mal acontece porque o próprio Deus o põe em movimento. É exatamente como se um carpinteiro cortasse mal com um machado cheio de rebarbas e dentado. Daí resulta que o ímpio não pode senão errar e pecar sempre, pois, movido pela apropriação da potência divina, não se lhe consente ser ocioso, mas quer, deseja e age de modo correspondente ao que ele é.
(Lutero, Obras Selecionadas, Volume 4, p. 128)