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Patrick, missionário na Irlanda

O dia 17 DE MARÇO é lembrado como o Dia de São Patrício pelos irlandeses da Irlanda e por outros espalhados pelo mundo. A data será celebrada por alguns com festividades e pouco interesse pelo ministério de Patrício. Existem apenas dois escritos sobreviventes dele: Confissão e Carta aos Soldados de Coroticus. O primeiro é uma defesa autobiográfica de sua integridade como ministro diante de acusações contrárias, enquanto o segundo repreende um comandante militar chamado Coroticus por sequestrar e matar cristãos. Esses dois escritos fornecem uma imagem mais precisa de Patrício do que os mitos e milagres que lhe foram atribuídos. Michael A. G. Haykin observou em Patrick of Ireland: His Life & Impact que o verdadeiro Patrício é mais interessante do que aquele criado ao longo dos séculos por contos e fábulas. Ao ler a Confissão de Patrício, é evidente que ele conhecia as Escrituras e as utilizava para ensinar aos irlandeses sobre o Deus Triúno e a graciosa expiação realizada pelo Filho. Suas ênfases na teologia e na cristologia eram necessárias porque era difícil comunicar as doutrinas da Trindade e do Filho a indivíduos que adoravam múltiplos deuses, pois tendiam a compreender a Trindade como três divindades. A autenticidade dessa tradição é debatida, assim como outras informações sobre Patrício, mas diz-se que ele usava um trevo com suas três folhas unidas em um único ramo para ilustrar as três pessoas da Trindade unidas em um só Deus. Quando o trevo se abre à luz do dia, há três folhas em um único ramo; quando o trevo se fecha à noite, há um único corpo formado por três folhas no ramo. Como acontece com qualquer tentativa de ilustrar a Trindade, essa imagem se desfaz em certo ponto e se torna uma antiga heresia. A Confissão de Fé de Westminster, 2.3, declara:

Na unidade da Divindade há três pessoas, de uma só substância, poder e eternidade: Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo; o Pai não é de ninguém, não é gerado nem procede; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo procede eternamente do Pai e do Filho.

Deixando de lado o trevo, quem foi Patrício?

Patrício nasceu em 390, em Banavem Taberniæ, filho de Calpurnius, que era filho de Potitus. Calpurnius era um funcionário público e um “diácono” (diaconum). O avô de Patrício era um “presbítero” (presbyteri, também traduzido como “sacerdote” ou “ancião”). Haykin observa que a localização precisa de seu local de nascimento é desconhecida, mas provavelmente fica em algum lugar ao longo da costa oeste da Inglaterra ou da Escócia. Patrício cresceu na igreja, mas a mensagem de Cristo chegou a ouvidos que ainda não estavam prontos para ouvir; no entanto, memórias de passagens bíblicas desses anos mais tarde produziriam fruto. Ele viveu com sua família romano-britânica até os dezesseis anos, quando foi sequestrado e escravizado na terra que viria a se tornar a Irlanda. Na época, os romanos chamavam a ilha de Hibernia. Patrício apascentava ovelhas como escravo, mas foi liberto da escravidão do pecado mediante a fé em Cristo, ao recordar as Escrituras de seus primeiros anos. Enquanto cuidava dos rebanhos, ele orava sem cessar e achava os salmos especialmente úteis para peticionar e louvar a Deus. Ele tinha algo em comum com outro amante dos salmos e pastor de ovelhas, o rei Davi. Após cerca de seis anos, Patrício conseguiu escapar de seus captores, encontrou um navio e deixou a Irlanda.

Na Confissão, Patrício disse que não foi apenas um escravo físico, mas também “entrou em cativeiro na linguagem”. Acrescentou ainda que “hoje eu me envergonho e tenho extremo receio de expor minha falta de instrução” (parágrafo 10). A autoavaliação de Patrício é consistente com a observação de Michael Haykin sobre sua limitada habilidade com a língua latina. Na seguinte citação, Patrício relata sua experiência enquanto lutava com a decisão de voltar ou não à Irlanda como missionário. Note que as palavras entre colchetes foram inseridas pelo tradutor, J.D. White, para ajudar o texto a fluir melhor.

Não foi qualquer graça em mim, mas Deus que vence em mim; e ele resistiu a todos eles, de modo que cheguei aos pagãos irlandeses para pregar o Evangelho e suportar insultos dos incrédulos, para ouvir o opróbrio por ter partido para terras estrangeiras e [suportar] muitas perseguições, até mesmo cadeias, e para que eu renunciasse à minha condição de homem livre para o proveito de outros. E, se eu for digno, estou pronto [a dar] até mesmo a minha vida por amor do seu nome, sem hesitação e com grande alegria; e ali desejo passá-la até à morte, se o Senhor mo conceder. (p. 37)

O tradutor seguiu a composição latina de Patrício e trouxe para o inglês sua irregularidade. John Skinner, referindo-se ao trabalho de David Howlett, observa que ambas as obras de Patrício possuem uma estrutura literária quiástica que, quando decifrada, contribui para uma melhor compreensão do texto. Escrever deve ter sido uma tarefa penosa para Patrício, o que explica por que existem apenas duas breves obras de sua autoria. Apesar dessas limitações, ele serviu na Irlanda por trinta anos, desafiando o paganismo da terra com Cristo e a cruz. Foi ameaçado por reis e sacerdotes pagãos e temeu por sua vida, mas morreu em 461, tendo vivido os setenta anos mencionados no Salmo 90.10. Ele disse acerca de sua obra e legado que ele “batizou no Senhor muitos milhares de pessoas” (p. 14).

Patrício tem algo a oferecer àqueles que não são católicos nem irlandeses? Ele é associado ao catolicismo como santo e à Irlanda como a personalidade mais importante para a identidade nacional. Pode-se perguntar, da mesma forma, se o bispo Agostinho de Hipona (354-430), que atuou uma geração antes de Patrício, tem algo a oferecer aos não-católicos. Os reformadores responderam a essa questão no que diz respeito a Agostinho. Martinho Lutero, João Calvino, os puritanos William Perkins e William Ames, e outros lançaram os fundamentos dos solas com muitas pedras extraídas da abundante pedreira das obras de Agostinho. A teologia propriamente dita, a pneumatologia, a antropologia, a soteriologia e outras doutrinas de Agostinho foram consideradas proveitosas, mas a Reforma rejeitou seu monasticismo, sua interpretação alegórica das Escrituras e sua eclesiologia, entre outros pontos. As limitadas leituras de Patrício e sua dificuldade com o latim não podem ser comparadas ao intelecto vasto e à copiosa educação do erudito Agostinho; contudo, assim como se podem extrair lições das obras de Agostinho, também é possível colher benefícios das poucas palavras contidas nos escritos de Patrício. O professor Haykin observou que Patrício pode ser apreciado principalmente por suas ênfases na Trindade, nas Escrituras e em missões.

Michael Haykin defende a ideia de que Patrício era presbiteriano — note o “p” minúsculo. Ele era presbiteriano no sentido de que acreditava no governo da igreja por meio de presbíteros. Alguns presbiterianos do passado concordam com a perspectiva de Haykin, como Thomas Smyth (1808-1873). Smyth foi ministro da Second Presbyterian Church, em Charleston, Carolina do Sul, por vários anos; nasceu na Irlanda e seu pai foi presbítero na Igreja Presbiteriana Irlandesa. Smyth apresenta seu argumento a favor do presbiterianismo de Patrício em Presbytery and Not Prelacy the Scriptural and Primitive Polity, no volume 2 de suas obras, analisando primeiro as passagens das Escrituras relevantes à política eclesiástica e, em seguida, argumentando historicamente que os irlandeses foram convertidos primeiramente pelos esforços missionários do cristianismo oriental e não ocidental, especialmente da região que hoje é a Turquia. Esses missionários eram associados ou discípulos do apóstolo João, que acreditavam no governo da igreja por presbíteros, conforme ensinado em Atos e nas epístolas pastorais.

Embora Smyth use a palavra prelacy (prelado, episcopado) no título de seu livro, sua preocupação não se limita apenas ao governo episcopal, como existia na Igreja da Irlanda e da Inglaterra, mas também ao catolicismo romano. Veja a seção que começa na página 460, intitulada “As igrejas primitivas na Irlanda eram presbiterianas”, onde Smyth argumenta a favor do governo por presbíteros em vez do episcopado e, em seguida, apresenta o caso de Patrício como presbiteriano. Assim, segundo Smyth, Patrício não foi o primeiro a trazer o cristianismo para a Irlanda; em vez disso, ele edificou sobre o que pode ser descrito como uma igreja remanescente governada por presbíteros em meio ao abundante paganismo.

Outra perspectiva sobre a estrutura de governo da antiga igreja na Irlanda foi apresentada por James Ussher dois séculos antes de Smyth. Teologicamente, Ussher e Smyth concordariam em grande parte da doutrina, pois os Artigos Irlandeses, de 1615, e seu Body of Divinity forneceram conteúdo abundante para os Padrões de Westminster. Há partes do Breve Catecismo que parecem ter sido extraídas diretamente do Body (ver nota explicativa abaixo). No entanto, os dois irlandeses não abordaram a política eclesiástica de sua terra natal exatamente sob a mesma perspectiva. Ussher foi Arcebispo de Armagh e bispo da Igreja da Irlanda. Assim como Smyth apresentou seu argumento de que Patrício e a Irlanda eram originalmente presbiterianos, Ussher defendeu as origens episcopais da nação em A Discourse of the Religion Anciently Professed by the Irish and British (Works 4). Ussher, assim como Smyth, direciona suas polêmicas contra o papado, mas então defende uma forma modificada de governo episcopal para a igreja irlandesa. Seu Discourse vai além de uma apologia ao episcopado para interagir com diferenças doutrinárias centrais que ele tinha com o catolicismo.

Ussher e Smyth podiam concordar que Patrício não era católico, mas discordavam sobre se ele adotava uma política eclesiástica presbiteriana ou episcopal. Contudo, essas questões sobre o governo da igreja não deveriam diminuir a apreciação por Patrício como um dedicado servo de Deus, cujo ministério missionário foi tão influente que, ao se ouvir seu nome, logo se pensa na Irlanda.

É bom lembrar-se de Patrício da Irlanda e de sua contribuição para a história da igreja, mas ele não deve ser recordado por meio das “orgias e bebedices” frequentemente associadas ao dia 17 de março. Em vez disso, deve-se “revestir-se do Senhor Jesus Cristo” pela fé, “e nada disponhais para a carne, no tocante às suas concupiscências”. Essas palavras de Romanos 13.13-14 confrontaram Agostinho com seu próprio pecado, levando-o a responder a Cristo em fé. Patrício da Irlanda é melhor lembrado por meio da adoração e do serviço ao Deus Triúno mediante a fé em Cristo.

Barry Waugh

Notas — A imagem do cabeçalho é do pátio do Trinity College, em Dublin, onde Ussher lecionou. A seção do mapa mostra a Irlanda na época de Patrício e é proveniente da Wikimedia, “The Roman Empire About 395”. A Ancient Order of Hibernians é a mais antiga ordem de católicos irlandeses na América, com sua organização nomeada usando o termo romano para a Irlanda, Hibernia. O livro de Haykin é Patrick of Ireland: His Life & Impact, 2014, publicado pela Christian Focus, Fern, Ross-shire, Escócia. Se estiver interessado na vida de um educador presbiteriano irlandês, leia a biografia de Thomas Witherow (1824-1890). B. B. Warfield chegou a interagir com Witherow. A edição latina usada para este artigo é Libri Sancti Patricii, número 4 na série Texts for Students, organizada por Newport J. D. White e publicada em Londres pela Society for Promoting Christian Knowledge, 1918. A versão em inglês foi traduzida por White e intitula-se St. Patrick, His Writings and Life, que integra a série Translations of Christian Literature, Series V, Lives of the Celtic Saints, também publicada pela Society for Promoting Christian Knowledge, Londres, 1920. As traduções de John Skinner estão em The Confession of Saint Patrick, Nova Iorque: Doubleday, 1998, e o livro de David Howlett intitula-se The Book of Letters of Saint Patrick the Bishop, publicado em Dublin pela Four Courts Press, 1994.

Quanto ao Body of Divinity de Ussher, alguns argumentam que ele não foi seu autor, afinal, seu nome não aparece na página de título como autor. Foi publicado em Londres em 1645, uma localização e data oportunas para as deliberações da Assembleia de Westminster na Jerusalem Chamber. O Body of Divinity teria estado disponível na gráfica como fonte para a composição do Breve Catecismo, que foi aprovado em 22 de agosto de 1648 (Minutes and Papers of the Westminster Assembly, de Chad VanDixhoorn, 4:780). Ussher foi convidado para a Assembleia, mas acredita-se que não tenha comparecido. É provável que Ussher fosse simpático, teologicamente, ao que os teólogos pretendiam alcançar doutrinariamente em Westminster, mas ele não pôde estar fisicamente presente por ser Arcebispo da Irlanda, sob a autoridade da Igreja da Inglaterra. Em 1645, a Guerra Civil ia mal para o rei Carlos I, mas havia a possibilidade de que ele conseguisse manter seu governo.

Tradução: Thiago McHerttFonte: Presbyterians of the Past