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Presbiteriano, examina-te a ti mesmo

Teólogos presbiterianos tradicionais frequentemente citam 1 Coríntios 11.28 como um argumento contra a prática da pedocomunhão (comunhão infantil). As crianças devem ser capazes de “examinar-se a si mesmas” antes de virem à mesa. Supostamente, esse texto exige um certo nível de capacidade intelectual, bem como a aptidão para envolver-se em uma introspecção consciente, ambas qualidades que, segundo nos dizem, crianças pequenas não possuem. Os opositores da pedocomunhão nunca se cansam de nos lembrar que crianças pequenas simplesmente não são capazes de cumprir o requisito da “autoavaliação” exigida em 1 Coríntios 11. Mas será que esse texto realmente exige o tipo de autoexame que os presbiterianos tradicionalmente imaginaram? A quem é dirigida a admoestação para “examinar-se a si mesmo”? Será que ele realmente requer uma habilidade para realizar uma sondagem interna da alma e uma profunda introspecção pessoal a fim de determinar se alguém é digno de vir à mesa? Eu creio que não. Acho que esse texto tem sido sobrecarregado pelos opositores da pedocomunhão. Na verdade, estou convencido de que ele trabalha contra a prática presbiteriana tradicional de excluir os infantes da mesa. Os teólogos presbiterianos tradicionais precisam examinar-se a si mesmos. Permitam-me explicar.

O verbo que Paulo usa aqui é “provar a si mesmo” (dokimazo). Para transmitir melhor o significado dessa palavra, talvez seja mais adequado traduzir 1 Coríntios 11.28 da seguinte forma: “Que o homem prove a si mesmo antes de comer…”. Estou convencido de que, neste contexto (1 Coríntios 10-12), essa expressão refere-se ao comportamento do cristão em relação à unidade do corpo de Cristo. Todo o contexto dessa admoestação tem a ver com a unidade da igreja. Todos os cristãos participam do corpo de Cristo. Porque há um só pão, nós, que somos muitos, somos um só corpo, pois todos participamos de um único pão (1 Coríntios 10.16b-17). O problema na igreja de Corinto era que as pessoas estavam se comportando na ceia de uma maneira que contradizia a realidade da unidade da sua igreja local em Cristo. Eles estavam divididos à mesa! Por isso, estavam comendo de forma indigna. A palavra “indignamente” (anaxios) é um advérbio que modifica o verbo “comer”. Paulo não está falando sobre verificar se você é uma pessoa digna antes de vir à mesa. Ele está falando sobre como você participa da ceia. Refere-se ao comportamento da pessoa à mesa. A igreja de Corinto estava comendo e bebendo de uma maneira indigna, isto é, de uma forma que não evidenciava a unidade do corpo de Cristo. Portanto, “que o homem prove a si mesmo” refere-se à sua maneira de participação na ceia ou, de forma mais ampla, ao seu relacionamento com o corpo local de Cristo.

A admoestação, “Que o homem prove a si mesmo”, significa: Que o homem mostre que ele julga corretamente a unidade do corpo de Cristo antes de vir à mesa. Que suas ações demonstrem a todos (especialmente aos presbíteros) que ele é alguém que vive de uma maneira que manifesta sua unidade com os irmãos. A evidência dessa “autoavaliação” seria a forma como ele trata seus irmãos em Cristo, especialmente quando participa do sacramento — comendo de uma maneira que demonstre sua unidade com o corpo de Cristo na igreja local. Essa compreensão do verbo “provar” (dokimazo) pode ser confirmada pelo contexto imediato. Paulo diz em 1 Coríntios 11.19: “Pois é necessário que haja entre vós até mesmo facções, para que também os aprovados [hoi dokimoi] se tornem conhecidos no meio de vós”. Os “aprovados” de 1 Coríntios 11.19 são aqueles que “provaram a si mesmos” em 1 Coríntios 11.28. Não creio que essa passagem exija um ato interior de contemplação e avaliação dos próprios pecados. Ela não se refere de forma alguma a um ato interno, subjetivo e individual. A mesa de Cristo deve ser abordada com uma demonstração de fidelidade — uma fidelidade eclesiástica. Não apenas contemplação subjetiva, mas uma demonstração objetiva do comportamento de alguém em relação ao corpo é o que se exige.

A próxima questão é: o que significa 1 Coríntios 11.29? O que nos é ordenado fazer ao final da passagem, quando Paulo diz: “Pois quem come e bebe, come e bebe juízo para si, se não discernir (diakrino) o corpo”? Essa afirmação responde à pergunta: “Como alguém deve provar a si mesmo?” A resposta é que alguém deve “discernir corretamente o corpo”. Mais uma vez, segundo o contexto, isso significa mais naturalmente “reconhecer toda a igreja que está sentada como um só corpo nesta refeição” (Gordon Fee). O ponto é que não devemos nos aproximar do corpo sacramental quando somos a causa de cisma e divisão no corpo coletivo! A igreja de Corinto vinha à mesa “comum” em grupos ou partidos (1 Coríntios 11.21-22). Os ricos estavam aqui, com a melhor comida e vinho, enquanto os pobres estavam ali, com o que quer que tivessem conseguido trazer. Eles estavam participando da ceia do Senhor como uma igreja dividida!

Não vejo como (dentro do contexto!) esta ordem para “discernir o corpo” possa ser entendida como 1) uma falha em discernir a localização ou o modo da carne de Cristo no sacramento, ou 2) uma falha em refletir adequadamente sobre sua morte durante a refeição. Toda a epístola de 1 Coríntios é dedicada à contenda e ao conflito no corpo da igreja. Além disso, sempre que o sacramento é mencionado, ele é mencionado como corpo e sangue. Os versículos 24-25 apresentam ambos os elementos. Em seguida, o versículo 26 diz: “todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice”. O versículo 27 afirma: “quem comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente”. O versículo 28 continua: “e assim coma do pão e beba do cálice”. O versículo 29 conclui: “pois quem come e bebe, come e bebe juízo para si”. Está claro, portanto, que se Paulo estivesse se referindo a discernir algo sobre o sacramento, ele teria escrito: “não discerne corretamente o corpo e o sangue”. Ao mencionar apenas “o corpo”, ele está claramente se referindo ao corpo da igreja.

Assim, “discernir o corpo” é paralelo a “julgar a nós mesmos” (1 Coríntios 11.31). Alguém falha em “discernir o corpo” quando “despreza a igreja de Deus” (1 Coríntios 11.22). Paulo encerra o capítulo com uma exortação resumida: “Assim, pois, meus irmãos, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros… para que não vos reunais para juízo” (1 Coríntios 11.33-34). Paulo não resume suas advertências lembrando-os de que devem se envolver em uma rigorosa autoavaliação introspectiva antes de virem à mesa. Ele não os adverte contra participar da ceia se não compreenderem corretamente a interpretação da presença real do corpo. O que ele faz é dizer-lhes para “esperar uns pelos outros”! Ajam como uma comunidade. Toda essa passagem trata da maneira como a igreja em Corinto participa da ceia do Senhor — eles participavam como uma igreja dividida. Não se trata de: 1. Crianças vindo à mesa; 2. Pessoas com limitações intelectuais vindo à mesa; 3. Pessoas participando que não sabem a diferença entre a visão reformada, católica e batista sobre a presença de Cristo na refeição; 4. Pessoas vindo à mesa sem refletir adequadamente sobre a morte de Jesus. Trata-se inteiramente de manifestar a unidade da igreja à mesa da família do Senhor.

Permitam-me concluir tentando aplicar tudo isso à questão da pedocomunhão. São nossos filhos membros do corpo de Cristo, a igreja? Por que, então, são eles excluídos da comunhão com Jesus? Por que comemos como um corpo dividido? Longe de ser um texto-prova contra a pedocomunhão, essa passagem condena o presbiterianismo tradicional como uma igreja que “não discerne o corpo”! Por que é que, quando nos reunimos como igreja, há divisões entre nós? Uma grande e terrível divisão se manifesta à mesa entre adultos e crianças, membros plenos da igreja e membros “parciais” da igreja. Estamos divididos entre aqueles que estão na aliança (os adultos) e aqueles que estão parcialmente na aliança (as crianças batizadas). Quando a família de Deus se reúne ao redor da mesa para cear com o Senhor, por que as crianças mais novas são excluídas? Elas não pertencem a ele? Por que devem ser informadas e, por vezes, até impedidas à força de comer e beber com aquele com quem estão unidas pela aliança? Por acaso elas se mostraram cismáticas ou causadoras de divisões? Elas falharam em discernir a unidade do corpo de Cristo? Se assim for, então, por todos os meios, devem ser excluídas. Mas se não, por que são impedidas de ter acesso à mesa da família? Não, não são as crianças que falham em discernir a unidade do corpo de Cristo; ao contrário, somos nós, os líderes adultos da igreja, que falhamos em julgar corretamente o corpo. Nós, presbiterianos tradicionais, por muito tempo temos “desprezado a igreja de Deus e humilhado os que nada têm” (1 Coríntios 11.22).

A analogia com a mesa da família é válida e poderosa. Todos os meus filhos jantam com a família, até mesmo meu filho de dois anos! Todos eles são obrigados a “provar a si mesmos” antes e durante a refeição. Todos são obrigados a “discernir o corpo” da família. Em outras palavras, todos eles são obrigados a respeitar a unidade da família — até mesmo o bebê da família! Se ele falha em discernir a unidade da família e começa a jogar comida na sua irmã de quinze anos, então ele é disciplinado. Ele está aprendendo o que significa ter o privilégio de comer à mesa. Ele deve provar a si mesmo. Ele deve “discernir o corpo” antes e durante cada refeição. Se ele se recusar, pode precisar ser disciplinado.

Ora, ouvi um ministro presbiteriano dizer que ele “nunca encontrou uma criança de três anos que fosse capaz de examinar-se a si mesma”. Mas eu digo que crianças de um, dois e três anos demonstram sua capacidade de discernir a importância da refeição em família em inúmeros lares cristãos todas as noites. Começamos a disciplinar nossos filhos desde idades muito precoces porque acreditamos que eles são capazes de autoavaliação! Porque são membros da família, são graciosamente convidados à mesa para comer. No contexto desse ambiente gracioso, à medida que crescem, eles aprendem gradualmente e com maturidade crescente o que significa comportar-se de acordo com o privilégio da comunhão à mesa da família. Eles são capazes de “provar a si mesmos”. Eles começam a aprender muito cedo qual é o significado e a importância da refeição em família, e aprendem a comportar-se de acordo com esse significado. Certamente, é possível ver a aplicação disso à ceia do Senhor.

Ora, de acordo com o texto de 1 Coríntios 11, quem são realmente aqueles que são culpados de não “discernir o corpo do Senhor”? São as pequenas crianças batizadas da igreja, que ainda não alcançaram maturidade intelectual, ou aqueles que proíbem tais crianças de participar da mesa? Quem é realmente culpado de pecar contra o “corpo de Cristo”? Nossos filhos da aliança ou os teólogos anti-pedocomunhão? Quem realmente deveria ser afastado da mesa? Quais membros do corpo não “provaram a si mesmos”? As pequenas ovelhas de Cristo ou os teólogos presbiterianos tradicionalistas que continuam a se opor à unidade de todo o corpo de Cristo — adultos e crianças — ao redor de sua mesa? Estou, é claro, exagerando um pouco o argumento. No entanto, se a preocupação fundamental de Paulo é a unidade do corpo de Cristo ao redor da mesa e se sua admoestação para “examinar-se a si mesmo” é dirigida àqueles que dividem o corpo eclesiástico de Cristo à mesa, então, na minha humilde opinião, os teólogos presbiterianos tradicionais têm uma séria autoavaliação a fazer antes de se aproximarem da ceia do Senhor.

Tradução: Thiago McHertt

Fonte: Jeff Meyers, Biblical Horizons