Como a ceia do Senhor proclama a morte de Jesus até que ele venha (1 Coríntios 11.26)? Historicamente, os liturgistas têm tentado identificar algum ato no rito da ceia que corresponda à morte de Jesus: a fração (o partir do pão) ou o fato de que pão e vinho estão separados têm sido sugeridos. Considero essas tentativas forçadas. É impossível fazer com que uma refeição se assemelhe a uma morte por crucificação. Mais seriamente, essas tentativas assumem, como Paul H. Jones expressa, que a “metáfora raiz” da eucaristia é o “túmulo” e não a “mesa” (Jones, Christ’s Eucharistic Presence [Nova York: Peter Lang, 1994]), uma suposição que levou a toda sorte de lendas e práticas eucarísticas bizarras. Para a Igreja Primitiva, ao contrário, a ceia não era um velório, mas uma celebração jubilosa do triunfo de Jesus sobre o pecado e a morte por meio de sua morte e ressurreição.
Ainda assim, Paulo diz que a ceia proclama a morte do Senhor. Como? Creio que só podemos responder a essa pergunta se dermos um passo atrás. Muita teologia eucarística é feita por meio de uma “lente de aumento”, focando-se apenas nos “elementos” do pão e do vinho e em seus efeitos sobre o crente individual (Jones destaca esse ponto repetidamente; veja também meu artigo “The Ways Things Really Ought To Be: Eucharist, Eschatology, and Culture”, Westminster Theological Journal). Pense nos debates sobre a ceia que têm ocupado os teólogos: O pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Jesus? Partir o pão e derramar o vinho é, em algum sentido, um sacrifício? Que tipo de graça o crente recebe na ceia e como ela difere da graça recebida por meio da Palavra?
Todas essas questões surgem de uma teologia desenvolvida como se a ceia ocorresse sem a presença de qualquer igreja — o que não surpreende, visto que, durante grande parte da Idade Média, a vasta maioria das missas no Ocidente era celebrada privadamente por sacerdotes. Mas os protestantes não têm razão para aceitar esse contexto medieval como base para a teologia eucarística. A eucaristia é uma refeição comunitária, e tanto a comunidade e o nosso comer e beber juntos quanto os próprios elementos do pão e as ações realizadas sobre eles precisam ser levados em consideração em nossa teologia. Devemos refletir sobre a ceia como ela se apresenta por meio de uma “lente grande-angular”.
Uma vez que nos libertamos das limitações da “lente de aumento”, não há razão para supor que proclamamos a morte do Senhor ao fazermos algo com os elementos. Possivelmente, é a refeição comunitária como um todo — o fato de comermos juntos e a maneira como o fazemos — que “proclama a morte do Senhor”. Na verdade, creio que há boas razões para pensar que este é o caso. É particularmente notável que o que proclama a morte do Senhor seja o “comer e beber” (v. 26) — não a fração do pão, nem o derramamento do vinho, nem as palavras da instituição, mas a refeição comum.
Como o comer e beber proclamam a morte do Senhor? Encontramos uma pista na contundente acusação de Paulo em 11.20, onde ele afirma que, quando os coríntios se reúnem, não é para comer a ceia do Senhor. A refeição deles não é a ceia porque há facções dentro da igreja e porque cada um age egoisticamente. A diferença entre a ceia do Senhor e a refeição corrompida dos coríntios não diz respeito a qualquer distinção nas ações rituais, nos elementos utilizados ou nas palavras pronunciadas. A diferença entre comer a ceia do Senhor e corrompê-la está na maneira como as pessoas se comportam umas com as outras, tanto durante a própria refeição quanto na vida cotidiana. Não é um exagero sugerir que, para Paulo, as refeições dos coríntios, por não serem a ceia do Senhor, não proclamam a morte do Senhor. Independentemente das palavras ditas e das ações realizadas, os coríntios não manifestavam verdadeiramente a morte de Cristo em suas refeições comunitárias. A morte do Senhor é proclamada apenas quando a ceia é celebrada corretamente, ou seja, quando os participantes vivem em unidade e paz e quando cada um considera os outros superiores a si mesmo.
Essa conclusão é corroborada por uma consideração sobre o significado do sacrifício e da eucaristia como refeição sacrificial. Qualquer menção ao sacrifício em conexão com a ceia evoca o espectro do catolicismo romano. Não posso entrar aqui em uma discussão completa sobre essa doutrina, mas permitam-me dizer que não endosso a visão católica romana: ela de fato, como observaram os reformadores, mina a definitividade do sacrifício histórico de Cristo e, ao concentrar-se no que o sacerdote faz no altar, participa plenamente dos erros da abordagem da “lente de aumento” aplicada à ceia. Isso, contudo, não significa que a ceia não seja, em certo sentido, uma refeição sacrificial. Como as refeições sacrificiais do Antigo Testamento, ela envolve alimentar-se de uma vítima substitutiva; o pão e o vinho são chamados de “corpo e sangue”, terminologia que carrega conotações sacrificiais; a ceia é a páscoa cristã (1 Coríntios 5.7), e a páscoa era claramente uma refeição sacrificial.
O reconhecimento de uma dimensão sacrificial na ceia tem precedentes na teologia reformada. Pierre du Moulin, pastor reformado francês, enumerou em 1635 as “razões particulares para chamar a eucaristia de sacrifício”: “I. Porque este sacramento foi instituído para proclamar a morte do Senhor até que ele venha… Portanto, a eucaristia pode ser chamada de sacrifício, pois representa o sacrifício da morte do Senhor, segundo o princípio de que os sinais e representações comumente tomam o nome daquilo que significam. II. Pode-se dizer que na eucaristia oferecemos Jesus Cristo a Deus, na medida em que pedimos a Deus que receba em nosso favor o sacrifício de sua morte. III. A eucaristia é um sacrifício de ação de graças pelos benefícios divinos e especialmente pelo benefício da nossa redenção em Jesus Cristo”.
Du Moulin distinguia os sacrifícios propiciatórios dos sacrifícios de ação de graças e, embora afirmasse que, em certo sentido, a eucaristia é um sacrifício propiciatório (pois comemora uma propiciação), insistia que, estritamente falando, ela é um sacrifício de ação de graças. “Assim, a eucaristia pode ser um sacramento, na medida em que por meio dela Deus nos dá e transmite sua graça, e um sacrifício, na medida em que por meio dela lhe oferecemos nosso louvor e gratidão” (The Eucharistic Sacrifice, II, pp. 87-88, citado por Max Thurian).
Se adotarmos uma visão “panorâmica” da eucaristia, o caráter sacrificial da refeição se torna ainda mais claro. Agostinho escreveu sobre o sacrifício no Livro 9 da Cidade de Deus de uma maneira que se harmoniza com o que Hebreus ensina acerca do sacrifício de Jesus, que aboliu os sacrifícios de bodes e touros. O verdadeiro sacrifício, diz Agostinho, não é a matança e a queima de um animal sobre o altar; isso é apenas um sacrifício simbólico. O verdadeiro sacrifício é, e sempre foi, o autossacrifício: misericórdia, buscar o bem do próximo, tratar os outros como superiores a si mesmo, doar-se em favor dos outros.
Da mesma forma, de acordo com Hebreus 10, os sacrifícios animais da antiga aliança não removiam o pecado; ao contrário, o que remove o pecado é o verdadeiro sacrifício que aqueles apenas simbolizavam: o sacrifício de completa submissão à vontade de Deus, o sacrifício do “ouvido aberto” (cf. Salmo 40), que assume a forma de uma oferta de si mesmo em favor da Noiva.
Assim, quando a igreja manifesta uma verdadeira unidade e amor em uma refeição comunitária e pactual, ela está ritualisticamente manifestando o significado da morte de Cristo: viver em paz, sujeitar-se uns aos outros em humildade e amor, compartilhar uns com os outros, submeter-se à vontade de Deus amando o próximo como a si mesmo. Dessa maneira, proclamamos o significado da morte do Senhor, o supremo ato de entrega de si mesmo pelos irmãos. E é por isso que a falha em discernir o corpo — a falha em viver em unidade dentro do corpo — é uma perversão tão condenável da ceia. Um rito realizado por uma igreja onde reinam rivalidade e discórdia não proclama a morte do Senhor. Pode envolver comer e beber, mas não é a ceia do Senhor.
Tradução: Francisco Batista de Araújo
Fonte: Peter J. Leithart, Biblical Horizons