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TEOLOGIA SISTEMÁTICA PÓS-MILENISTA E PRETERISTA

TEOLOGIA SISTEMÁTICA PÓS-MILENISTA E PRETERISTA

INTRODUÇÃO

Frequentemente recebo pedidos de leitores que buscam obras preteristas e/ou pós-milenistas publicadas por editoras consolidadas.[1] Há muitas publicações disponíveis de autores independentes ou por pequenas editoras. Já recomendei algumas no passado e espero continuar fazendo isso no futuro. Assim, nesta postagem recomendo fortemente uma excelente teologia sistemática que não apenas foi escrita por um teólogo reformado de destaque, mas que também possui uma orientação (parcialmente) preterista[2] e pós-milenista: Systematic Theology, de Robert Letham (2019). Como este blog trata fundamentalmente de questões escatológicas, focarei nos comentários de Letham pertinentes a esse locus da teologia.

Robert Letham, Ph.D. (University of Aberdeen), é professor de teologia sistemática e histórica na Union School of Theology. Sua Systematic Theology foi publicada pela Crossway e endossada por Joel R. Beeke, Sinclair B. Ferguson, Carl R. Trueman, Cornelis P. Venema e Alan D. Strange — todos teólogos competentes!

Como ressalva, apontaria desde já que Letham é moderadamente preterista. Isto é, ele não parece aderir a uma forma mais desenvolvida do preterismo (parcial), como a que eu defendo. Mas é revigorante ler seu tratamento do Discurso do Monte das Oliveiras, o qual segue, em linhas gerais, o de Charles Spurgeon, J. M. Kik, Harold Fowler, R. T. France, J. A. Gibbs, David Garland, A. I. Wilson, Jeannine K. Brown — e o meu. Você pode adquirir essa excelente Systematic Theology na Amazon.

Podemos perceber sua repulsa quanto ao hiper-preterismo quando adverte que, nos dias atuais, estamos testemunhando visões influenciadas pelo gnosticismo em certos círculos evangélicos, visões essas que negam a ressurreição do corpo. Em oposição a essa perspectiva hiper-preterista, Letham afirma de modo engenhoso e contundente que “criação, encarnação e ressurreição ressaltam o fato de que, para Deus, a matéria importa” (p. 278-279). Assim, ele lamenta o surgimento do hiper-preterismo, que considera “uma espécie de renascimento sectário”, pois, nesse sistema teológico, “estamos diante de algo mais que uma escatologia desviada; é heresia” (p. 848).[3]

Mas agora, consideremos seu breve tratamento do Discurso do Monte das Oliveiras nas p. 831-834. Os parágrafos seguintes são de autoria de Letham.

Kenneth L. Gentry

TEOLOGIA SISTEMÁTICA DE LETHAM (p. 831-834)

Israel e a Aliança Mosaica

Mateus 24-25. Para esse discurso significativo de Jesus, a passagem paralela em Lucas 21 é importante. Ali, Jesus responde a uma pergunta sobre a destruição iminente do templo.

Possíveis interpretações. As interpretações mais comuns de Mateus 24-25 são as seguintes: (1) os versículos 1-35 foram cumpridos no ano 70 d.C., ao passo que 24.36-25.46 referem-se à parousia; (2) tudo será cumprido na parousia; (3) houve um cumprimento no ano 70 d.C. e haverá outro na parousia, havendo transição de um para outro ao longo da passagem, embora sem unanimidade quanto ao ponto exato em que tais transições ocorrem; (4) a passagem refere-se a todo o período compreendido entre a ressurreição e o fim.

As perguntas. O contexto era a saída de Jesus do templo, quando os discípulos fizeram comentários a respeito dos edifícios do templo. Essa saída foi significativa, visto que Jesus não retornaria; tratava-se de algo mais do que uma simples partida física. Mateus registrou uma hostilidade crescente da parte do sistema religioso contra Jesus. No capítulo 23, isso atinge o clímax, quando Jesus denuncia seus antagonistas por sua perversa incredulidade. Havia chegado o tempo do julgamento de Deus, para que as sanções da aliança pairassem como a espada de Dâmocles sobre a nação. Jesus respondeu aos discípulos que o templo seria destruído. Não restaria pedra sobre pedra (24.2). Sua partida demonstrava que o juízo era iminente. Essa troca de palavras encontra eco em Lucas 21.5-6, onde os comentários dos discípulos focam explicitamente a beleza dos edifícios do templo, mas a resposta de Jesus é essencialmente a mesma. O templo era o ponto central da relação de aliança de Yahweh com Israel; sua destruição sinalizava a queda de tudo o que lhes era caro e a inauguração da nova aliança. Isso preparou o cenário para o que se seguiria.

Os discípulos levantaram perguntas (Mt 24.3): “Dize-nos quando sucederão estas coisas, e que sinal haverá da tua vinda [parousia] e da consumação do século?” Estas parecem ter sido duas perguntas distintas. Contudo, na mente dos discípulos, é provável que fossem uma só. Seria impensável para eles que a consumação do século fosse algo separável da destruição do templo — o lugar onde Yahweh e seu povo se encontravam em relação pactual, com o sacerdócio e os sacrifícios. Do ponto de vista deles, Jesus estava falando do dia do Senhor, do fim e cumprimento da aliança. A resposta de Jesus, porém, não foi o que esperavam. Jesus advertiu contra conclusões precipitadas que poderiam surgir a partir de eventos dramáticos ao redor deles (24.5-14). Haveria vozes sedutoras alegando saber que o fim estava próximo, que os dias do templo estavam contados, que a ordem vigente prestes estava a ser derrubada. Alguns afirmariam ser o Messias (v. 5). Haveria guerras e crises (v. 6), desastres naturais e fomes recorrentes (v. 7). A perseguição se desencadearia, e alguns seriam martirizados (v. 9-13). O evangelho deveria ser pregado “em todo o mundo” (v. 14); só então viria o fim. Desastres naturais, convulsões políticas e perseguições não eram sinais da iminência da queda do templo. Eram todos aspectos da vida em um mundo caído, marcado por desordem social, caracterizado por perturbações e conflitos.

Em vez disso, uma série de sinais distintos precederia imediatamente o acontecimento. Jesus mencionou “a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, no lugar santo” (v. 15). Em Lucas, a referência é a “Jerusalém cercada de exércitos [infantaria ou soldados a pé]” (Lc 21.20), apontando para os exércitos romanos sitiando a cidade durante a revolta judaica. Em Mateus, a referência aponta para a ação blasfema de Tito Vespasiano ao entrar no templo e proclamar seu status divino. A visão de Daniel atravessa os séculos e remonta a um ato semelhante ocorrido em 165 a.C., quando Antíoco Epifânio IV, após um cerco e um período de intensa perseguição aos judeus — que foram liderados pelos macabeus —, ofereceu uma porca sobre o altar do templo, um evento notavelmente semelhante ao mencionado aqui.

Diante desse sinal extremamente público, Jesus instruiu seus seguidores a fugirem para salvar suas vidas (Mt 24.17-22). Seria um tempo de sofrimento sem paralelo, pois “haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido e nem haverá jamais”. Mais de um milhão pereceram no cerco de 70 d.C., sendo o canibalismo algo comum. Diante da queda de Jerusalém e da destruição do templo, parecia que tudo aquilo pelo qual Israel havia esperado por tanto tempo estava em ruínas. A calamidade foi colossal. Ela demonstrou publicamente que a aliança mosaica havia chegado ao fim, com suas sanções aplicadas.

Durante esse período, falsas esperanças proliferariam. Muitos reivindicariam revelações especiais, sinais e prodígios seriam exibidos, e relatos da chegada do Messias alarmariam a muitos. Nenhum desses presságios deveria ser aceito pelos discípulos de Jesus (v. 23-26), pois a parousia do Filho do Homem seria de uma ordem completamente distinta, universalmente evidente, não deixando espaço para dúvidas ou questionamentos (v. 27). No caso do templo e de Jerusalém, as águias estariam rodeando o cadáver, os exércitos prontos, em postura predatória, para se banquetear com o decadente Estado judaico e seu corrompido sistema sacerdotal (v. 28).

A linguagem apocalíptica que se segue remete a Isaías 13.10 ss., onde o profeta predisse a queda da Babilônia (Mt 24.29). Lá, uma potência mundial foi reduzida à ruína; aqui, a nação que Deus tomara para si e nutrira seria abatida — convulsões políticas em ambos os casos, retratadas em vívido technicolor. Algo semelhante é descrito no versículo 30, com a sequência no versículo 31, onde Deus envia seus mensageiros para reunir seus eleitos por todo o mundo. Isso sugere os gentios sendo congregados no reino dos céus, em consonância com o impulso geral de Mateus (1.1; 8.11-12; 28.19-20), enraizando a linguagem apocalíptica e os sinais extraordinários nos acontecimentos do ano 70 d.C., o Filho do Homem vindo em juízo sobre Israel.

Essa conclusão é reforçada pela parábola da figueira, que se segue em Mateus 24.32-34. Ela aponta para os sinais precedentes como precursores imediatos do fim, da ação do Filho do Homem em juízo. Jesus reforça o ponto ao afirmar que “não passará esta geração sem que tudo isso aconteça”. O significado mais claro dessa declaração é que o templo será destruído dentro da vida da geração que ouve as palavras de Jesus. A passagem paralela em Lucas 21 é essencialmente idêntica a Mateus 24.1-35 e aborda explicitamente a questão da destruição do templo. Ademais, Mateus tem destacado a crescente tensão entre Jesus e o sistema religioso, com Jesus lançando uma torrente de condenações sobre a incredulidade e a hipocrisia dos escribas e fariseus. Eles haveriam de suportar a ira acumulada de Deus desde tempos passados (Mt 23.35). O golpe final é: “todas estas coisas hão de vir sobre a presente geração” (Mt 23.36). As evidências apontam de forma avassaladora para o fato de que a geração presente está sendo chamada a prestar contas.

Nas seções que se seguem, a partir do versículo 36, prevalecem circunstâncias muito distintas. Até então, há um grande número de detalhes, com muitos sinais antecedendo o evento em vista. A partir do versículo 36, não há qualquer advertência prévia acerca do evento que Jesus tem em mente. Em cada caso, ele ocorre de maneira súbita e inesperada. Enquanto o templo deve ser destruído após a abominação da desolação e os sinais nos céus, “a parousia do Filho do Homem” (v. 37) não é antecedida por absolutamente nada. A comparação com os dias de Noé (v. 37-41) e as parábolas do dono de casa (v. 42-44), do servo fiel e do infiel (v. 45-51), das virgens prudentes e loucas (25.1-13), e dos talentos (25.14-30) todas enfatizam que “não sabeis em que dia vem o vosso Senhor” (Mt 24.42). A conclusão é que Jesus está tratando de dois acontecimentos distintos — Jerusalém e sua derrota em 24.1-35, e sua parousia em 24.36–25.46. Os discípulos podem ter pensado que a queda do templo marcaria o fim do século, mas, na realidade, trata-se de dois eventos distintos, separados por um tempo indefinido.

A passagem realça a importância dos acontecimentos do ano 70 d.C. Ela retira a ideia da “grande tribulação” (v. 21) do domínio de eventos ainda futuros antes da volta de Cristo. O predomínio das afirmações de um período vindouro de perseguição indizível tem produzido uma visão pessimista do ministério da igreja, implicando que as coisas irão de mal a pior. Se este fosse o caso, sugiro que tal visão não poderia estar baseada no Discurso do Monte das Oliveiras.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

Fonte: https://postmillennialworldview.com


[1] A propósito, se você encontrar qualquer livro nessas linhas, envie-me uma nota. Gosto de tentar acompanhar tais publicações — e promovê-las. Se não encontrar nenhum livro assim, por favor, não me envie e-mail. Odeio receber e-mails vazios. São um desperdício de espaço — até de oxigênio.

[2] Detesto ter de qualificar “preterista” com “parcial”, mas, desde a ascensão do hiper-preterismo, tornou-se necessário fazê-lo. É verdade que a forma ortodoxa de preterismo é “parcial”, no sentido de que não interpreta todo texto profético como exigindo cumprimento passado. Ainda assim, é irritante, pois “preterismo” tem sido, por muito tempo, um termo suficientemente claro em seu significado padrão. O preterismo parcial é uma ferramenta hermenêutica útil que ajuda a explicar um bom número de textos proféticos do Novo Testamento. Não se trata de um sistema teológico abrangente que reconfigura e mina a doutrina cristã ortodoxa. Mas, na mente do público cristão em geral, “preterismo” agora carrega um sentido ameaçador, o que devemos evitar. Também odeio o fato de que o arco-íris já não representa mais a graciosa promessa de Deus, mas agora representa a perversa abominação de Sodoma.

[3] A maioria dos cristãos ortodoxos e evangélicos considera o hiper-preterismo (também conhecido como preterismo total, preterismo consistente etc.) uma heresia. Considerem Joel R. Beeke e Paul M. Smalley em sua Reformed Systematic Theology de 2024 (v. 4: p. 941): “o preterismo total é uma heresia que atinge o âmago da fé cristã… [E seu aderente] não deve ser admitido à membresia de igrejas locais.” Na p. 967, escrevem: “preteristas totais negam a ressurreição do corpo. Esses são erros gravíssimos, pois a negação da ressurreição futura subverte a fé (2Tm 2.17–18) — uma heresia digna de excomunhão (1Tm 1.20).” Além disso, observam que “a negação da volta de Cristo mina a doutrina da encarnação” (p. 949).