Este artigo já circulou anteriormente, em formas mais rudimentares. A razão pela qual o apresentei na forma de teses é para provocar uma resposta. Com base nas reações, favoráveis e contrárias às teses, continuo aprimorando a argumentação. Assim, esta edição de junho de 1982 substitui todas as anteriores. O leitor deve continuar a considerar estas teses como pontos debatíveis, e não como um ensaio formalmente publicado.
1. Bebês e crianças pequenas participaram da ceia do Senhor na Igreja Ocidental até os séculos XII e XIII, segundo Walker, History of the Christian Church (NT: Scribners, 1919), p. 274; Joseph Bingham, Antiquities of the Christian Church (Livro XV, Cap. IV, § 7); e cf. Christian L. Keidel, “Is the Lord’s Supper for Children?”, na Westminster Theological Journal, primavera de 1975; e R. J. Rushdoony, Institutes of Biblical Law, p. 752 ss., 849. (Acredito que Rushdoony interpreta erroneamente as evidências que cita ao afirmar que Calvino teria adotado a pedocomunhão no fim de sua vida.) De qualquer forma, essas fontes indicam que a pedocomunhão foi o ensino da Igreja Primitiva.
3. Com o crescimento de uma visão supersticiosa do sacramento, as pessoas passaram a temer derramar sequer uma gota do sangue transubstanciado de Cristo. Assim, os leigos, durante os séculos XII e XIII (no Ocidente), começaram a se negar a receber o cálice, acreditando que o sangue também está contido no corpo (pão). Como bebês e crianças pequenas poderiam perder uma migalha ou derramar uma gota, eles também foram excluídos da comunhão durante esse período sombrio da história da igreja. Cf. Walker, p. 274; e Keidel.
3. Os hussitas defenderam a comunhão infantil. Cf. Keidel.
4. Vários dos reformadores trabalharam para reinstituir a pedocomunhão, incluindo Wolfgang Musculus e Jeremy Taylor. Cf. Keidel.
5. As evidências bíblicas de que as crianças estão incluídas na aliança e em todos os privilégios dela são esmagadoras. Teólogos batistas isolam algumas passagens que dizem “arrependei-vos e sede batizados”, tirando-as do contexto (elas são dirigidas a adultos), e aplicam-nas para excluir crianças do batismo. Utilizando uma lógica idêntica, escritores presbiterianos destacaram as exigências de autoexame e discernimento de 1 Coríntios 11 — onde essas instruções se aplicam a pecados graves cometidos por adultos — e as usaram para excluir crianças (e, quando coerentes, também os mentalmente incapazes e os idosos senis) da ceia do Senhor. Trataremos de 1 Coríntios 11 de forma mais completa posteriormente, mas a essência de nosso argumento é que essa passagem não trata da questão da inclusão de crianças e que apenas tirando essas exigências de seu contexto é possível fazê-la parecer tratar desse tema. Além disso, a Bíblia mostra repetidamente crianças participando da ceia do Senhor, de modo que 1 Coríntios 11 não pode ser usado contra a pedocomunhão sem que se crie uma contradição nas Escrituras.
6. Voltando-nos para as evidências bíblicas, toda a suposição do Antigo Testamento é que todos participaram da Páscoa. Na noite da primeira Páscoa, não havia outra coisa para comer. É gratuito presumir que as crianças foram excluídas dessa ou das Páscoas subsequentes.
7. Não há fundamento bíblico para o ritual judaico de fazer com que o filho homem mais novo pergunte o que significa a Páscoa como parte do ritual. Êxodo 12.26-27 não tem em mente um ritual, mas sim o ensino conversacional ao longo da vida, que o pai deve proporcionar aos seus filhos. Por outro lado, obviamente não há nada de errado em catequizar crianças. A questão é esta: o catecismo deve conduzir à integração na igreja, ou o processo de catequização é empregado porque a criança já é membro da igreja?
8. As Escrituras indicam que bebês e crianças sob a Antiga Aliança comeram à mesa do Senhor. Isso é encontrado em 1 Coríntios 10.1-5 e João 6.31-65. Nessas passagens, tanto Paulo quanto Jesus ensinam que o maná e a água providos para Israel durante o tempo no deserto eram verdadeiro alimento espiritual, e o mesmo alimento que a ceia do Senhor. O Espírito esteve presente com o maná e a água no deserto, com a refeição da Páscoa, com outras refeições da Antiga Aliança, e ele vem estar presente na ceia do Senhor hoje.
9. As crianças comeram o maná e beberam a água, pois não havia outra coisa para comer e beber. 1 Coríntios 10.1-5 associa isso ao batismo: todos os que foram batizados na Antiga Aliança tinham direito a comer na ceia do Senhor. Isso não significa que todos foram, em última análise, salvos, pois “a maioria deles não agradou a Deus, razão por que ficaram prostrados no deserto”.
9. Quando os discípulos tentaram impedir que crianças (brephee) fossem trazidas a Cristo (Mateus 19.13-15 e passagens paralelas), ele os repreendeu. Uma hermenêutica nominalista, que separa coisas que não devem ser separadas, apenas distinguidas, dirá: “Sim, bebês podem ser trazidos a Cristo para serem dedicados, mas não para serem batizados na igreja”. Os reformados devem argumentar: “Não, pois vós dividis Cristo. Estar em Cristo é ser considerado parte de seu corpo místico (a igreja) e, portanto, ser elegível para participar de seu corpo sacramental (a eucaristia)”. Infelizmente, o mesmo nominalismo que informa o argumento batista também parece informar o argumento dos reformados. Estes dizem: “Os bebês podem ser trazidos a Cristo, mas não podem ser trazidos a Cristo (eucaristicamente). As crianças estão na igreja, mas não estão na igreja”. Isso continua até… Até quando? A Bíblia nunca diz.
10. NÃO HÁ NENHUM LUGAR NAS ESCRITURAS ONDE VEMOS CRIANÇAS DA ALIANÇA PASSANDO POR ALGUM RITO QUE AS TORNE ELEGÍVEIS PARA A EUCARISTIA, seja na Antiga ou na Nova Aliança. Não há fundamento para a Confirmação.
11. NÃO HÁ NENHUM LUGAR NAS ESCRITURAS ONDE VEMOS CRIANÇAS DA ALIANÇA SENDO CATEQUIZADAS COM O PROPÓSITO DE TORNÁ-LAS ELEGÍVEIS PARA A EUCARISTIA. A instrução catequética sempre ocorre após a admissão na aliança.
12. NÃO HÁ NENHUM LUGAR NAS ESCRITURAS ONDE VEMOS CRIANÇAS DA ALIANÇA PASSANDO POR ALGUMA EXPERIÊNCIA, TOMANDO ALGUMA DECISÃO OU APRESENTANDO-SE DIANTE DOS PRESBÍTEROS PARA FAZER ALGUMA DECLARAÇÃO A FIM DE TORNÁ-LAS ELEGÍVEIS PARA A EUCARISTIA. Tampouco as Escrituras ensinam qualquer coisa desse tipo.
13. Na teologia reformada, os sacramentos são palavras visíveis. Eles são a Palavra de Deus que vem ao homem. Eles incluem uma resposta ditada, assim como quando Deus fez aliança com Israel e lhes determinou o que deviam fazer em resposta. Na teologia anabatista, os sacramentos não são a Palavra de Deus, mas apenas a resposta do homem. Os homens fazem profissão na ocasião do batismo, mas o batismo não é a pregação do evangelho. Na teologia anabatista, o homem vem a Deus nos sacramentos; na teologia reformada, Deus vem ao homem nos sacramentos, e o homem responde. O batismo e a eucaristia pregam o evangelho ao infante e o chamam a responder. À medida que cresce, ele responderá, de uma forma ou de outra. Contudo, a Palavra é sempre preveniente.
14. Na história reformada, infelizmente, a eucaristia parece ter se tornado batista. Muitos pastores calvinistas não sabem por que batizam, e o batismo também se tornou batista. Por exemplo, nos círculos presbiterianos, o batismo é frequentemente apenas uma dedicação. Nos círculos reformados, o batismo é muitas vezes baseado na suposição de que a criança já está na aliança, já é eleita, já é regenerada ou já é algo semelhante. Assim, o batismo é ou uma resposta dos pais (presbiteriana) ou uma resposta do infante (reformada holandesa). Em Calvino e Agostinho, no entanto, é porque o infante está condenado que ele deve ser batizado, e o batismo é a aplicação do evangelho a ele. Se a criança é eleita ou regenerada é uma questão que diz respeito a Deus, não a nós. Contudo, somos instruídos a considerar a criança, após sua purificação no batismo, como membro da aliança, a tratá-la como cristã e a vê-la como cristã, até que, possivelmente, venha a ser excomungada.
15. Não faz sentido algum, depois disso, dizer à criança que ela deve alcançar algo e então voltar a se unir à igreja para receber Cristo na Eucaristia. Na verdade, tal teologia invariavelmente conduz à ideia de que Cristo não está realmente presente na Eucaristia; ao invés disso, a Eucaristia passa a ser vista como um memorial do homem, uma resposta do homem, e não como a Palavra visível de Deus com o Cristo presente vindo ao encontro do homem. Pelo contrário, digamos aos nossos filhos que Cristo vem a eles toda semana na Eucaristia, e que eles devem recebê-lo. Nenhuma criança pequena tem dificuldade com isso. Elas naturalmente mantêm a fé de seus pais.
14. Podemos dar continuidade a este raciocínio observando as duas árvores no Jardim. Ao proibir apenas a Árvore do Conhecimento, Deus disse a Adão que ele deveria primeiro tomar a Vida e, então, construir o Conhecimento e a Ética sobre a Vida, e em termos da Vida (fé). Vida, fé, a Palavra, a Palavra visível e comida — essas eram prevenientes ao conhecimento e à ética.
Satanás, porém, inverteu o mandamento de Deus. Ele disse ao homem para tomar primeiro o Conhecimento e a Ética, e então alcançar a Vida. O homem deveria alcançar a Vida, em vez de tomar a Vida como uma pressuposição. A Vida deveria ser conquistada por mérito, e não tomada como uma Palavra preveniente de Deus.
Qualquer sistema de apologética que insista que os homens devem usar o conhecimento e a ética para demonstrar a verdade da fé pode ser visto, em última análise, como satânico. Obviamente, não por intenção, mas, ainda assim, pelo efeito que produz. Van Til demonstrou isso repetidamente. A fé — a vida — deve ser tomada como pressuposição. Conhecimento e ética crescem a partir da fé, e não o contrário.
Não é também o caso, então, que qualquer sistema teológico que diga às pessoas que elas devem aprender um catecismo, ou qualquer outro corpo doutrinário, antes de virem à Árvore da Vida, pode ser visto, em última análise, como satânico? Obviamente, toda a tradição reformada não teve a intenção de ser satânica, mas será que o efeito foi satânico? A fé e os sacramentos passaram de pressuposições a conquistas.
Podemos observar, neste ponto, que as desordens em Corinto eram tais que colocavam em questão a própria fé, não as obras. O discernimento mencionado em 1 Coríntios 11 é aquele relacionado ao “corpo” (não ao “corpo do Senhor”; “do Senhor” está em itálico e não aparece em nenhum manuscrito grego). Em outras palavras, porque Cristo é identificado tanto com o corpo místico quanto com o corpo sacramental, o cisma na Igreja é, essencialmente, um pecado de infidelidade. Jesus disse a mesma coisa quando afirmou que se deve deixar a oferta diante do altar e reconciliar-se com o irmão antes de comungar (Mateus 5.23 ss.). Todo o contexto de 1 Coríntios, incluindo o capítulo 11, trata do pecado do cisma. O nominalismo tem negligenciado o verdadeiro pecado aqui e enfatizado uma autoavaliação individualizada. Aqueles que são mais cismáticos frequentemente têm a visão mais individualista dessa passagem. O ponto de 1 Coríntios 11 é que não devemos nos aproximar do corpo sacramental quando sabemos que há cisma no corpo místico.
Não deveríamos, então, sustentar que cortar as crianças de Cristo — do corpo místico e do corpo sacramental — é uma das mais completas expressões do pecado de cisma? Longe de implicar na exclusão das crianças, 1 Coríntios 11 parece exigir sua inclusão, sob pena de sermos amaldiçoados. É claro que Deus é gracioso, e esse ponto não tem sido claramente percebido, porque a natureza pressuposicional da fé foi obscurecida por Tomás de Aquino após Anselmo, e pelos seguidores de Calvino após a morte de Calvino. Contudo, após Van Til, a Igreja terá de enfrentar essa questão. Uma vez que esse ponto tenha sido claramente compreendido, Deus não mais ignorará o cisma. [Na verdade, é minha opinião que a infrequência da comunhão nas igrejas protestantes é uma das maiores manifestações da maldição de Deus já visitada sobre uma cultura, e totalmente coerente com o que deve ser sua atitude para com aqueles que impedem as crianças pequenas de virem a ele.]
É necessário fazer uma qualificação neste ponto. Deus certamente não é indiferente ao conhecimento e à ética. Afinal, ele estabeleceu a Árvore do Conhecimento e da Ética no Jardim com um propósito. A questão é que o conhecimento e a ética devem se desenvolver a partir da fé e da vida, não o contrário. Heresia e pecado, de fato, afastam os homens da Mesa (a Árvore da Vida), mas heresia e pecado só surgem porque os homens, em primeiro lugar, desprezaram o Dom de Deus (a Árvore da Vida). Assim, à medida que a criança cresce, seu horizonte de conhecimento e responsabilidade ética deve se ampliar. A instrução catequética e moral é essencial. A criança que se rebela e peca deve ser suspensa e/ou cortada da Árvore da Vida até que se arrependa. Portanto, há um sentido secundário no qual o salmista apropriadamente diz que se aproxima do trono de Deus com mãos limpas e um coração puro, e há uma autopurificação adequada que deve caracterizar a vida cristã. A questão é que a ordem correta é: vida — justiça — mais vida — mais justiça — etc. NÃO: justiça — vida.
C. L. Stam, teólogo reformado canadense, percebe esse ponto com clareza (p. 129, Everything in Christ). Ele afirma que as crianças devem ser mantidas afastadas da mesa, mas acrescenta: “isso não significa que as crianças sejam privadas de qualquer benefício em Cristo, pois a essência de ambos os sacramentos é a mesma (ênfase dele)…”. Se, porém, a essência é a mesma, então não há razão para manter as crianças afastadas da mesa.
15. O fato de que escravos “não convertidos” comeram a Páscoa na Antiga Aliança prova que a circuncisão interior não é o critério eclesiástico para a participação na ceia do Senhor. Todos os escravos comprados eram circuncidados quando se tornavam parte da casa do seu senhor, conforme o mandamento expresso de Deus (Êxodo 12.44; Gênesis 17.12 ss.). O ato da circuncisão tornava o escravo um membro da aliança, na mesma condição que o “natural da terra” ou israelita (Êxodo 12.48; Levítico 15.29), tornando-o apto a participar da Páscoa, da qual nenhum estrangeiro podia participar (Êxodo 12.43-45).
Um escravo recém-comprado nem sequer saberia falar a língua hebraica, muito menos poderia professar a fé ou estar interiormente convertido. Seria necessário tempo para ensiná-lo o hebraico e, depois, para explicar-lhe a aliança de Deus. Observe, então, que o escravo era circuncidado na ignorância e admitido à mesa do Senhor na ignorância. O fato de que um escravo ignorante foi graciosamente convidado à mesa do Senhor na Antiga Aliança mostra que crianças (também ignorantes) foram igualmente convidadas, e que pessoas batizadas (ainda que ignorantes) pertencem à mesa do Senhor hoje. (Gálatas 4.1 identifica o escravo e a criança.)
16. Outra questão relacionada, que tem implicações pressuposicionais na questão geral da pedocomunhão, é se mulheres grávidas deveriam ser suspensas da mesa do Senhor. Como não temos uma visão mágica do sacramento, a resposta natural é: “Não, pois a criança recebe apenas sustento físico do pão e do vinho, portanto, essa questão não tem significado eclesiástico”. Isso, contudo, parece contradizer o testemunho de Juízes 13.7-14. Quando o anjo do Senhor apareceu à esposa de Manoá e lhe disse que seu filho seria nazireu desde os seus primeiros dias, ele ordenou que ela não comesse nem bebesse nada que um nazireu estivesse proibido de comer ou beber. Ora, a razão pela qual o nazireu era proibido de beber vinho e comer uvas não estava relacionada a qualquer influência física associada a esses elementos, mas sim por razões sacramentais ou eclesiásticas. Durante o curso de seu trabalho, o nazireu não deveria participar dos bons frutos e das bênçãos do Senhor. Isso é um tipo de Jesus Cristo, que assumiu sobre si a maldição da aliança durante sua vida para que pudéssemos experimentar as bênçãos do vinho da aliança durante as nossas vidas.
O fato de que a mãe de um nazireu devia abster-se do fruto da videira significa que o caráter espiritual e simbólico do alimento se aplica tanto à criança quanto à mãe. A criança devia ser considerada e tratada como um israelita e como um nazireu, mesmo antes do nascimento. No entanto, quando a criança nasce, ela nasce fora da aliança, e seu nascimento contamina a mãe (Levítico 12), e essa impureza só é removida quando a criança é “renascida” por meio da circuncisão (Levítico 12.3).
Neste ponto, pelo menos, ficamos diante de um dilema. Se o caso de Sansão for normativo, então devemos dizer que as crianças são contadas como membros do corpo de Cristo enquanto estão dentro do corpo de suas mães e, portanto, devem ser consideradas participantes da Eucaristia. Ao nascer, porém, essas crianças seriam excomungadas, pois ao nascerem deixam o corpo de suas mães e também deixam o corpo de Cristo. Até que sejam batizadas, estão fora de Cristo. Por outro lado, se o caso de Sansão for uma exceção, então podemos sustentar que a criança no ventre está fora de Cristo e que o sacramento não tem significado para ela.
17. Frequentemente se argumenta que bebês não podem exercer uma fé discernidora. Embora a história de João Batista (Lucas 1.44) desminta essa noção, podemos aceitá-la apenas para fins de argumentação. No entanto, precisamos distinguir entre aqueles a quem somos instruídos a dar a Palavra e aqueles que escolhem pessoalmente responder a ela. Podemos ter suspeitas sobre certas pessoas na igreja, mas enquanto estiverem na igreja, devemos considerá-las e tratá-las como cristãs. Da mesma forma, podemos ter dúvidas quanto à capacidade das crianças de ouvir a Palavra pregada e discernir a Palavra visível, mas as Escrituras nos dizem para considerá-las e tratá-las como cristãs, e para apresentar a Palavra diante delas como sendo para elas. Aqueles que recebem o sacramento são instruídos a recebê-lo com fé, mas Deus não nos ordenou a dar o sacramento apenas àqueles que podem provar que têm fé. O círculo daqueles a quem o sacramento deve ser dado é definido pelas Escrituras, e ele é mais amplo do que apenas aqueles que podem fazer uma profissão verbal de fé diante dos presbíteros; ele inclui as crianças.
À medida que as crianças crescem, elas exercerão gradualmente uma fé cada vez mais discernidora. A questão, como sempre, é que a Palavra é preveniente. Deus soberanamente vem ao encontro do homem, e não o homem a Deus.
A fé se manifesta em obras. A criança tem uma lei, e apenas uma: obedecer aos seus pais. Sua obediência a Deus, sua fé, é mensurável nesses termos. À medida que cresce, seu horizonte se ampliará. “Discernir o corpo” para a criança pode ser traduzido como “obedeça aos seus pais”. O autoexame para a criança é administrado por meio da vara e do arrependimento. Não há nada especialmente complicado nisso. (Exceto, é claro, quando um conjunto de pais critica outro conjunto de pais por serem demasiado severos, ou demasiado brandos, ou demasiado alguma coisa. Um dos maiores problemas na igreja é a incapacidade das pessoas de deixarem umas às outras em paz.)
18. Historicamente, o movimento conhecido como nominalismo racionalista precedeu a Reforma e a influenciou. Lutero afirmou pertencer à escola de Occam, e Zuínglio foi fortemente influenciado por esse humanismo. Por essa razão, ensinamentos batistas individualistas surgiram sob a influência de Zuínglio e têm afligido as igrejas reformadas desde então. Calvino foi o menos nominalista e o mais consistentemente trinitário dos reformadores. Com o advento do pressupocionalismo vantiliano, é tempo de expurgar o velho fermento do nominalismo e do individualismo de nossas igrejas reformadas.
Com base em Atos 2.38 — “arrependei-vos e cada um de vós seja batizado” — e Marcos 16.16 — “quem crer e for batizado” — os batistas têm argumentado que bebês não podem ser batizados, uma vez que não conseguem entender o suficiente para crer. Da mesma forma, os reformados têm argumentado com base em 1 Coríntios 11.28-29 que bebês não podem praticar o discernimento e o autoexame e, portanto, não devem ser admitidos à ceia do Senhor. Essas duas linhas de raciocínio permanecem ou caem juntas. Vimos que a Bíblia ensina a pedocomunhão, assim como ensina o pedobatismo; portanto, tais passagens referem-se a adultos. Foram os adultos que estavam abusando da mesa em Corinto, e é aos adultos que Paulo dirige suas admoestações. À medida que as crianças crescem, elas exercerão cada vez mais a fé e o arrependimento significados pelo seu batismo infantil, e exercerão cada vez mais o discernimento e o autoexame ao participarem da ceia do Senhor.
19. Outra influência triste sobre a fé reformada é a “primazia do intelecto”. A doutrina da “primazia do intelecto” é uma noção grega, que se infiltrou na comunidade reformada logo no início, devido à influência das ideias gregas durante o período da Reforma. A primazia do intelecto conduz à primazia da pregação, à primazia do pregador e a toda a visão dos três ofícios.
Em contraste com a primazia do intelecto, as Escrituras ensinam a primazia da Palavra. A Palavra tem primazia em todas as suas formas, não apenas quando lida e ensinada, mas também quando cantada (Salmos, cânticos bíblicos e hinos semelhantes aos salmos), quando obedecida e vivida em comunidade (“vida corporal”) e quando visibilizada e consumida (a ceia do Senhor e o batismo). Sob a influência de um pensamento pressuposicional sólido, e simplesmente pela necessidade de desenvolver a comunidade nas igrejas, muitas igrejas estão retornando à primazia da Palavra, equilibrando a pregação com o canto da Bíblia, com o desenvolvimento da comunhão e com a celebração semanal da ceia.
O erro da primazia do intelecto distorceu a interpretação de 1 Coríntios 11.29, que fala sobre discernir o corpo. (O texto grego não diz “discernindo o corpo do Senhor”, mas apenas “discernindo o corpo”). A interpretação intelectualista desse versículo afirma que “discernir o corpo” significa compreender a doutrina reformada correta sobre a Santa Eucaristia. Assim, “discernir o corpo” significaria que não devemos considerar o pão como um novo sacrifício (transubstanciação romana), nem como uma nova encarnação (consubstanciação luterana), nem como um símbolo de um Salvador ausente (memorialismo zwingliano), mas como a presença espiritual de Cristo (a doutrina da presença espiritual real). No contexto de 1 Coríntios, porém, esse não é o significado do versículo.
Antes, todo o discurso em 1 Coríntios fala do corpo não apenas como o corpo sacramental de Cristo, mas também como o corpo corporativo de Cristo: a igreja. O problema em 1 Coríntios é a existência de divisões e pecados na igreja, que é o corpo de Cristo; e o que 1 Coríntios 11.29 está mencionando é a falha do povo em agir com unidade e amor como corpo de Cristo. “Discernir o corpo” significa reconhecer os irmãos como irmãos em Cristo e tratá-los de acordo, com amor e respeito. Isso é abundantemente claro pelo contexto (1 Coríntios 10.16-17; 11.17-22, 33-34).
Assim, o problema é moral, não intelectual. Sem dúvida, a falsa doutrina é um problema moral e deve ser tratada; porém, não há nada nesta passagem que justifique a ideia de que crianças não devem ser admitidas à mesa do Senhor até que sejam “velhas o suficiente para entender”. A questão não é primariamente intelectual, mas moral. Afinal, quantos de nós “entendemos” plenamente o mistério da ceia do Senhor? Além disso, se a compreensão intelectual fosse um requisito, nenhuma pessoa com deficiência mental poderia ser admitida. Tal interpretação nos força a conclusões infelizes.
20. Outra influência sobre os reformados é a teologia batista. A doutrina batista ensina que o batismo simboliza a fé individual e a regeneração de uma pessoa e, portanto, que apenas tais pessoas podem vir à mesa do Senhor. Isso, contudo, não é o que o batismo significa na Bíblia. Nas Escrituras, o batismo é a reivindicação de propriedade de Deus e a promessa da salvação. No sentido em que é uma reivindicação, o batismo cria uma obrigação de obedecer à Palavra de Deus. No sentido em que é uma promessa, o batismo é o evangelho e cria uma obrigação de exercer fé em Deus. Assim, a fé reformada exorta seus filhos a aperfeiçoarem seu batismo (Catecismo Maior de Westminster, 167), misturando fé com as promessas. “A promessa é para vós e para os vossos filhos”, somos ensinados (Atos 2.39), assim como foi com Abraão. A promessa deve ser misturada com fé para ser eficaz, pois não há salvação automática. O batismo, porém, não é centrado no homem, como um sinal de fé, mas centrado em Deus, como um sinal da promessa. Por isso, o batismo é administrado primeiro, e então a fé deve seguir. A Bíblia não nos manda batizar indiscriminadamente, mas sim batizar famílias inteiras. Aqueles que compartilham a comunhão à mesa com o cabeça do lar da aliança estão incluídos na aliança doméstica e são batizados. Eles também pertencem à mesa do Senhor.
Frequentemente se assume, porém, que o batismo é um sinal da promessa, mas que apenas aqueles que exerceram fé, para a satisfação de algum examinador espiritual, devem ser admitidos à ceia do Senhor. Não há uma única evidência nas Escrituras para essa exigência adicional. Além disso, todos os pais sabem que seus filhos recebem a fé deles sem questionar. Alguma vez você já encontrou uma criança de cinco anos que rejeitou a fé? Não é provável. Tal rejeição, quando ocorre, dá-se muito mais tarde. A criança tem a fé. Somente partindo dessa suposição podemos levar a sério os mandamentos de Deuteronômio 6.7, 20 ss. Então, como podemos negar-lhe o alimento que Jesus deseja dar-lhe?
Se vamos tratar nossos filhos como não-regenerados até que passem por alguma experiência de conversão batista, dificilmente poderemos ensiná-los a orar, ou mesmo permitir que o façam. Fora com hinos como “Jesus me ama, isto eu sei, pois a Bíblia assim me diz. Os pequeninos pertencem a ele; eles são fracos, mas ele é forte”. Será que realmente acreditamos nisso, se nossos filhos nem sequer são autorizados a comer o alimento de Jesus? Mas essa postura não é fiel ao espírito da fé reformada. Pelo contrário, sabemos que Deus diz: “a criança é minha”. Assim, ensinamos nossos filhos que Jesus é o Salvador deles. Ensinamo-los a orar e a obedecer às leis e preceitos do reino. O batismo é o selo de Deus para a inclusão na aliança e confere à criança todos os benefícios dessa aliança. Se, mais tarde, a criança rejeitar a aliança, ela deve ser excomungada; e isso pressupõe que ela já é membro comungante.
21. A ceia do Senhor não é algum grande evento etéreo. Ela é tão simples quanto um jantar com Jesus e tão profunda quanto todos os mistérios da presença de Deus. Quando a ceia do Senhor for novamente observada adequadamente na igreja, como parte natural do culto semanal, ela deixará de ser algo estranho, e será natural e inevitável incluir nela as crianças da aliança. Não há nada nas Escrituras ou na lógica do cristianismo reformado que nos permita negar o sacramento aos nossos filhos; e há muitas razões pelas quais devemos e precisamos incluí-los.
22. Às vezes, acusa-se aqueles que defendem a comunhão infantil de sustentarem uma visão supersticiosa do sacramento. No entanto, afirmamos que são aqueles que negam o sacramento às crianças que tendem à superstição. Devido à incapacidade de Calvino de reformar as igrejas de Genebra tanto quanto sabia que era necessário, as igrejas reformadas seguiram o conselho municipal de Genebra ao celebrar a comunhão com pouca frequência, em vez de a cada culto dominical. Como resultado, uma das questões levantadas pelo povo de Deus e por estudantes de teologia é esta: O que há de especial nos sacramentos que vá além da pregação normal e semanal?
Essa questão não é uma preocupação para o(s) autores (Autor) da Bíblia, simplesmente porque jamais se imaginou que a Palavra fosse proclamada verbalmente sem também ser apresentada visivelmente (sacramentalmente) (Atos 2.46). Os discípulos no caminho de Emaús ouviram a Palavra sendo anunciada e então reconheceram Cristo quando ele partiu o pão para eles (Lucas 24), tudo isso no Dia do Senhor. Esse é o padrão adequado para o culto na Nova Aliança. Se esse padrão fosse seguido, com comunhão semanal, a questão sobre o que há de “especial” no sacramento sequer surgiria.
Uma vez que o sacramento se torna algo “especial”, porém, as pessoas passam a querer mantê-lo “especial” ao celebrá-lo apenas ocasionalmente. Essa é a superstição do protestantismo moderno. A refeição de renovação da aliança com o Senhor transforma-se em um rito supersticioso, que ninguém realmente compreende. A exclusão das crianças é parte integrante desse erro de considerar o sacramento como algo “especial”. Se entendermos o sacramento como uma refeição da aliança com o Senhor, em sua casa, como podemos excluir nossos filhos? Por acaso Jesus nos convida para jantar em sua casa e nos diz para deixar as crianças em casa ou contratar uma babá? De modo algum! Pelo contrário, Ele diz: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais”. É justamente porque não vemos o sacramento de forma supersticiosa que incluímos nossos filhos.
23. Uma palavra acerca da administração. A Igreja de Deus é organizada por famílias, e o sacerdote-rei do lar é, normalmente, o pai. Seria melhor que as famílias se sentassem juntas durante o culto, e que os elementos fossem passados pelos presbíteros aos cabeças dos lares da aliança. O pai, então, distribuiria os elementos à sua esposa e filhos. Se algum dos filhos estivesse em estado de rebeldia ou insubmissão, o pai poderia decidir não permitir que essa criança participasse do culto sacramental. Dessa forma, a devida disciplina cristã é mantida, sem sobrecarregar os presbíteros com a impossível tarefa de examinar bebês e crianças pequenas semana após semana.
Obviamente, se o cabeça do lar suspender um filho mais velho do sacramento, e esse filho suspenso acreditar que tal ação foi injusta, ele pode apelar ao conselho de presbíteros. O poder final para suspender e excomungar permanece com os presbíteros.
24. Igualmente óbvio é que, se uma criança ou um bebê não quiser comer o alimento que lhe foi oferecido, ele não deve ser “alimentado à força”. Aqueles que nos acusam de “alimentar à força os bebês” devem explicar como as crianças foram alimentadas durante as peregrinações no deserto, quando o pão de Cristo vindo do céu e a água da rocha eram tudo o que havia para comer e beber. Embora, de fato, o sacramento da ceia do Senhor seja infinitamente profundo, ele é, em um nível fundamental, tão simples quanto um “jantar com Jesus”. Se uma criança não quiser comer, então ela não comerá. Não há nada de supersticioso nisso.
25. O fato de que algumas denominações liberais tenham adotado a prática da comunhão infantil não é, por si só, um testemunho da veracidade ou falsidade dessa posição. Os liberais não extraem sua teologia da Bíblia, mas do sentimentalismo. Pode parecer uma ideia agradável e doce permitir que crianças pequenas participem da ceia do Senhor, mas a verdadeira questão é: isso é bíblico? Sigamos, portanto, as Escrituras, e não apenas reajamos contra os liberais.
Tradução: Thiago McHertt
Fonte: James Jordan, The Geneva Papers (1982)