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Um chamado para preservar os cultos vespertinos

Michael G. Brown

26 de Julho de 2024

“Por que você vai à igreja duas vezes aos domingos? Uma vez não é o suficiente?” Como a prática de comparecer ao culto duas vezes no domingo passa por tempos difíceis, esta é uma pergunta que é frequentemente feita aos cristãos reformados. Muitas pessoas em nossa cultura acham incrível que alguém realmente queira ir à igreja de manhã e à noite no domingo. Outros acham a ideia de comparecer ao culto duas vezes um inconveniente que toma muito do fim de semana deles.

Infelizmente, até mesmo muitos cristãos reformados não veem o grande significado de comparecer à igreja duas vezes no Dia do Senhor e, portanto, de permanecerem descomprometidos com a prática. Se você já se perguntou sobre o propósito de ter dois cultos no Dia do Senhor, deixe-me encorajá-lo a pensar cuidadosamente sobre o seguinte:

1. O culto vespertino está enraizado nas Escrituras

Embora não exista um mandamento explícito no Novo Testamento para ter dois cultos em vez de um, existe, no entanto, um padrão claro nas Escrituras de “manhã e tarde”. Isso é visto na ordem da criação, pois Deus estruturou o tempo para nós, humanos, em termos de manhã e noite (Gn. 1–2).

Esse padrão também era evidente na adoração da Antiga Aliança, pois Deus ordenou que as ofertas diárias no tabernáculo fossem feitas uma vez pela manhã e depois novamente ao crepúsculo (Nm. 28:1–10, cf. Êx. 29:38–39). É por isso que o salmista declara no Salmo 92, que é explicitamente identificado como um Cântico para o dia de sábado:

“Bom é render graças ao SENHOR e cantar louvores ao teu nome, ó Altíssimo, anunciar de manhã a tua misericórdia e, durante as noites, a tua fidelidade” (Sl. 92:1, 2; cf. Sl. 134:1).

Não é irracional, portanto, acreditar que esse padrão de manhã e à noite se estende à adoração da Nova Aliança, especialmente porque o Novo Testamento dá evidências de cultos de adoração que ocorreram na noite do primeiro dia da semana:

“No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite” (At. 20:7).

2. O culto vespertino nos ajuda a santificar o Dia do Senhor

Um grande benefício prático de ter o culto matinal e o vespertino é que eles fornecem uma excelente estrutura para ajudar as famílias a santificar o Dia do Senhor. Os dois cultos de adoração se tornam como suportes de livros no domingo, permitindo ao cristão manter o dia santo mais facilmente, como nos é ordenado, em vez de apenas santificar algumas horas pela manhã! (Apesar do que é popular em nossa cultura, ainda é o Dia do Senhor e não a “Manhã do Senhor”).

Como a guarda do Dia do Senhor é uma marca do povo pactual de Deus que o distingue como santo e lembra seus membros de que são peregrinos a caminho do eterno descanso, o culto vespertino fornece um belo ritmo para o domingo.

Por séculos, milhares e milhares de cristãos encontraram no intervalo entre os cultos da manhã e da noite o momento perfeito para comida, comunhão, leitura devocional, oração em família, atos de misericórdia ou – de forma alguma ou menos importante – um bom cochilo! Livres de toda a loucura da semana, os cristãos podem desfrutar de um dia de adoração e descanso. Qual melhor maneira de terminar o dia santo do que se reunir com o povo da aliança para a Palavra, comunhão, sacramentos e orações (cf. At. 2:42)?

3. O culto vespertino, assim como o culto matinal, é um meio de graça

A pergunta 65 do Catecismo de Heidelberg diz:

Pergunta: Visto que somente a fé é o que nos torna participantes de Cristo e de todos os Seus benefícios, de onde vem essa fé?

Resposta: Vem do Espírito Santo, que a opera em nossos corações pela pregação do evangelho, e a fortalece pelo uso dos sacramentos.

Uma das principais razões pelas quais o culto vespertino tem sido muito negligenciado em nossos dias é por causa de uma visão geralmente baixa da pregação e dos sacramentos. Quem deseja assistir a outro sermão chato quando se pode obter uma “bênção” maior em um estudo bíblico em pequenos grupos, devoções pessoais ou algum outro programa? Mas, se a pregação e os sacramentos são verdadeiramente os principais meios de graça de Deus para nossa santificação, então certamente os cristãos não gostariam de perder um culto sequer.

De fato, como o Dr. Robert Godfrey ironicamente apontou, a questão não é: “Por que dois serviços de culto no domingo?” A questão mais correta deveria ser: “Por que não três ou quatro?” Se Deus nutre nossa fé pela pregação do evangelho, por que não gostaríamos de ouvir o evangelho pregado mais de uma vez no domingo? Já que “a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo” (Rm. 10:17) e, é a “pregação de Jesus Cristo” que nos fortalece (Rm. 16:25), devemos perceber que o culto vespertino oferece outra oportunidade para nossa fé ser edificada e nosso conhecimento de Cristo crescer.

O culto vespertino oferece um escopo mais amplo da pregação sobre todo o conselho de Deus, permitindo que o pastor leve sua congregação por mais passagens das Escrituras do que apenas um culto permitiria. É por esta razão que os presbíteros chamam a congregação para adorar duas vezes a cada Dia do Senhor. Como aqueles a quem Cristo deu o alto chamado de “velar nossas almas” (Hb. 13:17), eles nos chamam para adorar não apenas para que possamos servir ao Senhor duas vezes em seu santo dia, mas, também para que possamos nos beneficiar dos meios de graça ordenados por Deus. Como a Palavra de Deus nos ordena a obedecer e nos submeter aos nossos presbíteros (veja novamente, Hb. 13:17), devemos responder ao chamado à adoração como um ato alegre de obediência ao Senhor.

4. O culto vespertino nos liga à igreja cristã histórica

Muitas vezes, os cristãos se recusam a participar do culto vespertino porque não faz parte de seus costumes. O que eles devem entender, no entanto, é que se o que estão acostumados é a apenas um culto no Dia do Senhor, então eles não estão acostumados à prática da igreja cristã histórica, mas, a uma novidade moderna. Ao olharmos para a história da igreja, vemos que a adoração matinal e noturna no Dia do Senhor era a norma. No início do século IV, o historiador da igreja, Eusébio de Cesaréia descreveu o que ele entendia ser a prática universal da igreja:

Pois, certamente não é um pequeno sinal do poder de Deus que em todo o mundo nas igrejas de Deus, ao nascer do sol e nas horas da noite, hinos, louvores e deleites verdadeiramente divinos sejam oferecidos a Deus. Os deleites de Deus são de fato os hinos enviados por toda a terra em sua Igreja nos momentos da manhã e da noite.

Durante a Idade Média, o culto matinal tornou-se conhecido como “laudes” e o culto vespertino como “vésperas“. Comparecer tanto às laudes quanto às vésperas era uma prática padrão para os cristãos. Na época da Reforma, o costume do culto matinal e vespertino continuou, como é evidenciado nas liturgias das igrejas reformadas no século XVI. Normalmente, o culto da noite (ou, em muitos casos, da tarde) era dedicado a uma exposição da doutrina reformada e tinha uma natureza mais catequética. Tão importante era esse segundo culto para a vida das igrejas reformadas que, quando foi ameaçado pelos protestos dos remonstrantes (arminianos), o assunto foi levado ao Sínodo de Dort (1618-19) e discutido longamente.

O testemunho esmagador no Sínodo de Dort por delegados de países de toda a Europa foi que o segundo serviço de culto era algo a ser guardado e estimado para que a fé reformada pudesse continuar a florescer e os cristãos tivessem maior oportunidade de amadurecer em seu entendimento. Ao longo dos séculos, essa prática continuou a ser uma parte principal do culto reformado, como pode ser traçado nas tradições das igrejas reformadas holandesas, no puritanismo inglês e no presbiterianismo escocês, bem como no anglicanismo e no luteranismo inicial. Portanto, deve-se entender que as igrejas protestantes que abandonaram completamente o culto vespertino se afastaram de forma drástica do que historicamente tem sido uma prática comum da igreja de Cristo.

Como alguém encarregado da responsabilidade de alimentar o rebanho de Cristo e zelar por suas almas, deixe-me encorajá-lo a comparecer ao culto vespertino. É bom para sua alma! De fato, algumas famílias têm razões pastorais legítimas pelas quais comparecer ao culto noturno não é meramente um inconveniente, mas uma impossibilidade prática. Contudo, muitas vezes aqueles que não comparecem ao culto noturno o fazem meramente por uma atitude que pergunta: “Qual é o mínimo que é exigido de mim?”

Deixemos de lado esse pensamento ingrato e lembremo-nos de que somos peregrinos a caminho de nosso lar celestial. Assim como nossas vidas são marcadas pelo belo ritmo sabático de seis dias e um que foi estabelecido na criação e aguarda a consumação, também temos um belo ritmo de adoração a cada Dia do Senhor que fornece uma oportunidade tanto de manhã quanto à noite para nos reunirmos como o povo pactual de Deus, para servi-lo em adoração e para receber de suas mãos estendidas os excelentes dons da Palavra e dos Sacramentos.

Sobre o autor: Michael G. Brown escreveu originalmente esse artigo sob o título “Preserve Evening Worship Services!”  publicado na edição de outubro de 2007 da Revista Banner of Truth (edição 529). Na época, ele era pastor da Christ United Reformed Church, Santee, CA. Atualmente, Brown pastoreia a Chiesa Riformata Filadelfia em Milão, Itália.

Tradução: Alan Kleber Rocha

Fonte: banneroftruth.org