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Acerca do deicídio

Vejamos, agora, a palavra deicida. Esta palavra é pesada demais? Sobre isso é bom fazer algumas perguntas.

— Questão: Em primeiro lugar, que significado tem a palavra deicida?

— Resposta: Aquele que mata Deus.

— Questão: Sim, quem mata Deus. Deus foi morto?

— Resposta: Não. Isso é impossível. Deus não morre jamais.

— Questão: Perdão, Jesus Cristo é Deus?

— Resposta: Ele é homem!

— Questão: Então não é Deus?

— Resposta: Claro que é! Ele também é Deus.

— Questão: Há uma unidade em sua pessoa?

— Resposta: Sim.

— Questão: Quem estava na cruz era Deus?

— Resposta: Mas Deus não pode morrer! Há a doutrina da impassibilidade de Deus. Ele não pode sofrer, isto é, mudar!

— Questão: Desculpe-me. Era o próprio Deus que estava no ventre da virgem Maria?

— Resposta: Mas como Deus poderia estar no ventre de uma mulher?

— Questão: Aquela criancinha, que cresceu como todas as crianças, podia ser Deus? Se a doutrina da encarnação do Filho de Deus for verdadeira, a Pessoa que estava no ventre de Maria não devia ser necessariamente o próprio Deus na pessoa do Filho eterno? Tomando um exemplo clássico, a expressão “Maria, mãe de Deus”, theotokos, “portadora de Deus”, que encontramos nos textos dos Concílios de Éfeso e de Calcedônia, querem unicamente dizer que aquele que estava em seu ventre era Deus, verdadeiramente Deus?

— Resposta: Sim, mas assim mesmo Deus nunca pode morrer! Ele não pode ser morto. A famosa teologia da morte de Deus dos anos sessenta e setenta do século passado é um verdadeiro absurdo!

— Questão: Mas podemos separar a natureza humana da divina da Pessoa de Jesus Cristo, que é plenamente Deus e plenamente homem? Pense bem. Se pudéssemos separar a natureza humana da natureza divina, a encarnação do Filho de Deus teria sido verdadeira?

— Resposta: Não. Isso seria impossível.

— Questão: Por outro lado, se tivesse havido confusão entre as naturezas divina e humana, por exemplo uma fusão entre as duas naturezas, na Pessoa de Jesus Cristo, ele teria sido sempre homem?

— Resposta: Não! A natureza humana teria sido absorvida pela natureza divina.

— Conclusão: De fato! É por não poder separá-las (nem confundi-las) que, sobre a cruz, a Pessoa divina e humana de Jesus venceu a morte e destruiu as obras do diabo. Se Jesus Cristo tivesse sido apenas homem, ele não teria vencido nada. Ele teria sido destruído pelo peso do pecado dos homens que carregava e pela ira devastadora de Deus, seu Pai, que havia recebido sobre si. Mas a união entre as duas naturezas de Jesus Cristo é, como muito bem formulado no Concílio de Calcedônia, sem confusão nem mistura, sem separação nem divisão. Isso porque, entre as duas naturezas de Jesus Cristo, há uma união indissolúvel na unidade da Pessoa do Filho de Deus feito homem. Por isso que quem foi pregado na cruz era Cristo, Deus feito homem. Por isso que foi Cristo, Deus feito homem, a própria Pessoa do Filho de Deus feito homem, que saiu da tumba. Foi essa mesma Pessoa divina e humana que, na Ascensão, subiu para seu Pai. É por isso que os verdadeiros cristãos, aqueles que pela fé são verdadeiros filhos de Abraão (judeus ou gentios), através da humanidade do Filho eterno de Deus, são identificados com a própria Pessoa divina. Como diz bem o apóstolo Pedro, nós nos tornamos, pelo dom da fé, participantes, em Jesus Cristo, da natureza do próprio Deus, pela nossa identificação com a natureza humana de Jesus Cristo, tornando-nos assim um só corpo com ele. Isto é muito importante. É evidente que Deus, em si mesmo, não pode morrer. Mas pela encarnação do Filho, Deus agora se associou aos homens. Ele se associou à nossa humanidade de tal maneira que o elo que une as duas naturezas de Jesus Cristo jamais pode ser rompido, isto é, uma única Pessoa divina em duas naturezas, sem confusão, sem mistura, sem divisão e sem separação. É um mistério, talvez o maior de todos os mistérios, mas é a própria verdade da nossa fé. É assim e não de outra forma. E é por causa dessa união sem separação e sem confusão que nossa salvação pôde ser cumprida.

Coloca-se a questão: Deus sofre? Na cruz ele era indiferente ao sofrimento de sua própria natureza humana, sendo ele uma única Pessoa? Foi somente o homem Jesus que gritou Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste? O Filho de Deus podia ter participado — sem ser afetado! — dos sofrimentos de sua humanidade? É possível que o Pai tenha abandonado seu Filho? Podemos romper a união eterna das Três Pessoas da Divindade? É evidente que não! No entanto, sobre a cruz, esse Filho divino suportou toda a ira de Deus. Como poderia ter suportado tamanha prova? Porque era, ao mesmo tempo, Deus e homem. Vejam, não podemos separar as duas naturezas de Cristo e nem confundi-las. Se alguém diz, sem hesitar, que Deus morreu na cruz, confunde as duas naturezas. Se alguém diz, sem hesitar, que Deus não morreu na cruz, separa as duas naturezas. Essas duas formulações estão, portanto, desequilibradas e devem ser corrigidas na linha da fórmula definitiva de Calcedônia.

Assim, quando as liturgias cristãs antigas falavam sobre deicídio em relação à morte de Jesus Cristo na cruz, afirmavam uma verdade essencial à nossa salvação, uma realidade doutrinal que, para os cristãos é indiscutível, ou seja, aquele que estava sobre a cruz e que ali morreu, era verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, e isso sem confusão, mas também de maneira indissociável. E quando os judeus levaram os romanos a crucificar Jesus Cristo, aquele que foi assim levado à morte, era, exatamente, Deus feito homem. E é por esse sacrifício de Deus feito homem que somos salvos. Ao utilizar a expressão deicídio, afirmamos que aquele que estava sobre a cruz era Deus. É isso que os judeus e os judeus cristãos procuram implícita ou explicitamente negar. Sobre esse ponto, nenhuma concessão é possível!

Tradução: Paulo Athayde

Fonte: A heresia atual do judeu-cristianismo, Jean-Marc Berthoud (Editora Monergismo, no prelo).