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Bavinck sobre o racismo nos Estados Unidos

James Eglinton

Herman Bavinck viajou para a América do Norte duas vezes: primeiramente, como um jovem teólogo deslumbrado, em 1892, e mais tarde, numa fase mais madura da vida, em 1908. O objetivo de sua viagem em 1892 era servir como emissário do movimento calvinista que vinha provocando grande repercussão nos Países Baixos desde o final da década de 1870 – um movimento que mais tarde seria conhecido como neo-calvinismo. Embora ele achasse que o público americano não fosse receptivo ao seu calvinismo (“O americano tem muita consciência de si próprio, está bastante ciente de seu poder, sua vontade é demasiado forte, para que seja um calvinista”), ele na maioria das vezes se detinha de julgá-los negativamente. Pelo contrário, ele se apegou firmemente a uma filosofia idealista das viagens. Suas anotações sobre essa jornada começam com:

 Viajar é uma arte que é preciso aprender.
Movendo-se com facilidade, abrindo os olhos, preferindo a observação [ao julgamento].
Observando, percebendo e valorando.

Nesse ponto de sua vida, ele estava comprometido com a ideia de que viajar seria um desperdício para aqueles que desprezavam o estrangeiro em razão de sua alteridade. Muito melhor, ele pensou, era treinar os olhos para apreciar a felicidade do estrangeiro. Por esse motivo, ele se conteve, em grande parte, de criticar a cultura americana por tudo o que a tornava inflexível aos seus encantos calvinistas. Surpreendentemente, para o público neerlandês, Bavinck preferia afirmar que, embora os americanos provavelmente não adotassem o calvinismo, o cristianismo sobreviveria no Novo Mundo, porque o seu amado calvinismo “não era a única verdade”.

Quando retornou à América do Norte em 1908, para ministrar as Palestras Stone no Seminário Teológico de Princeton (publicadas como o livro A Filosofia da Revelação[1]), Bavinck, em grande medida, havia renunciado a essa visão mais romantizada de um viajante cosmopolita. Ele certamente permaneceu diplomático: nesta viagem, ele e sua esposa, a talentosa Johanna Bavinck-Schippers, foram recebidos na Casa Branca pelo presidente Theodore Roosevelt (embora, ao que parece, achou, em privado, o presidente pessoalmente decepcionante). Suas próprias declarações públicas para um público americano registraram vividamente suas impressões positivas da terra e de seu povo.

No entanto, Bavinck tinha agora 54 anos e se tornara muito menos cauteloso ao tratar sobre assuntos estrangeiros. Vários aspectos da cultura americana o incomodavam: adolescentes mostrando abertamente desrespeito aos mais velhos, um sistema de educação pública que ele considerava um campo de treinamento para a incredulidade, o fato de que muitos americanos se aposentassem sem pensão alguma e assim por diante. O aspecto mais preocupante da cultura americana para ele, de alguma forma, foi o racismo profundo – um tópico abordado em seus diários durante a viagem e em palestras públicas nos Países Baixos após seu retorno. Em seu diário desse período, ele escreveu sobre como “um sulista” disse a ele que os afro-americanos “não eram humanos” (ao contrário, foi-lhe dito, eram uma mistura de homem e macaco). Isso o chocou. (A essa altura, na Dogmática Reformada[2], ele já havia escrito um tratado elaborado acerca da Imago Dei como sendo toda a raça humana organicamente unida. E logo após essa viagem, ele assumiu uma posição anti-apartheid na Universidade Livre de Amsterdã.)

Suas anotações feitas nos Estados Unidos listam as coisas que os americanos brancos disseram a ele sobre seus conterrâneos afro-americanos (que eles roubavam, que eram dados à imoralidade etc.). Em resposta, suas anotações mostram que ele tentou entender a experiência afro-americana lendo autores como Booker T. Washington e W.E.B. Du Bois: a foto acima deste post foi tirada de um manuscrito que tratava sobre a raça, mostrando Du Bois no centro de sua lista de leitura. A resposta de Bavinck, em última análise, foi condenar os americanos brancos por causa de sua “prostituição, alcoolismo e mamonismo [i.e., amor ao dinheiro]”. Nesse ponto, o Bavinck maduro não se conteve: por causa de seu racismo, a América era “um desastre”.

Em suas palestras públicas sobre suas impressões da América do Norte, ele fez previsões terríveis sobre o futuro de um país fundado sobre o trabalho escravo e advertiu os jovens neerlandeses a não emigrarem para lá. Ele previu o aumento da violência e do derramamento de sangue por causa do ódio racial e até ponderou publicamente que isso levaria o experimento americano ao fracasso completo. Em uma palestra em Roterdã, em 1909, por exemplo, ele alertou que:

No futuro, existe realmente o perigo de que certamente uma luta entre o negro e o branco seja travada, uma luta acalorada, fomentada pela forte antipatia de ambos os lados.

Surpreendentemente, em uma palestra pública, ele argumentou que apenas “o caminho da religião” poderia impedir essa violência futura: o evangelho ensina às pessoas que “toda a raça humana é de um único sangue”. Parece que, mesmo assim, Bavinck ficou impressionado com a realidade da membresia segregada das igrejas nos Estados Unidos. A esperança para o futuro, ele pensou, “ainda estava longe”. Em contraste com os arejados escritos de viagem produzidos durante sua viagem de 1892, suas anotações em 1908 são traumáticas.

O que Bavinck poderia ter dito se ele tivesse cruzado o Atlântico em 2020, para um país conhecido por causa de George Floyd ou Ahmaud Arbery? Creio que ele não teria se contido. Mais uma vez, a observação teria que dar lugar ao julgamento.

[1] Publicado em português pela Editora Monergismo.

[2] Publicada em português pela Editora Cultura Cristã.

 

Tradução: William Teixeira

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