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Calvino sobre a Trindade

O Deus da Escritura, declarou o Refomador, é monoteísta e trinitariano. Ele é um em essência, todavia três em pessoas; cada pessoa é cem por cento divina (Institutas I:13:1-20). Nesse sentido, o Deus da Escritura é distinto de todos os ídolos (I:13:2). Calvino escreveu:

Há em Deus três hipóstases [pessoas]… o Pai e o Filho e o Espírito são um e único Deus, todavia de modo que Filho não é o Pai como tal; ou o Espírito, o Filho; ao contrário… são distintos entre si por determinada propriedade… Onde se faz menção simples e indefinida de Deus, esse termo cabe ao Filho e ao Espírito não menos que ao Pai. Tão logo, porém, se compara o Pai com o Filho, a propriedade específica distingue cada um do outro… Afirmo ser incomunicável tudo quanto é peculiar a cada um individualmente, porquanto não pode competir com, ou transferir-se ao Filho, o que quer que se atribui ao Pai como característica de diferenciação. [Institutas I:13:2, 5-6].2

Dentro da Trindade existe uma unidade perfeita, uma unidade ensinada tanto no Antigo como no Novo Testamento. Calvino cita com aprovação Gregório Nazianzeno: “Não posso pensar em um e único, sem que me veja imediatamente envolvido pelo fulgor dos três; nem posso distinguir os três, sem que me veja imediatamente voltado para um e único” (Institutas I:13:17).

De acordo com o Reformador de Genebra, a doutrina da Trindade, em sua unidade magnificente, é perfeitamente lógica. Em seu Catecismo da Igreja de Genebra, lemos:

Mestre: Visto que existe apenas um Deus, por que você aqui menciona três, o Pai, o Filho e o Espírito Santo? Aluno: Porque na única essência de Deus, cabe a nós olhar para Deus o Pai como o princípio e origem, e a primeira causa de todas as coisas; depois para o Filho, que é a sabedoria eterna; e, por último, para o Espírito Santo, como sua energia difusa sobre todas as coisas, mas ainda perpetuamente residente nele mesmo. Mestre: Você quer dizer que não há nenhum absurdo em sustentar que essas três pessoas estão uma única Deidade, e Deus não é portanto dividido? Aluno: Exatamente.3

Na doutrina de Calvino sobre Deus, não existe nenhum lugar para subordinacionismo (a doutrina de que existe um Deus, que é o Pai; o Filho e o Espírito são deuses menores, se é que deuses) ou modalismo (a doutrina que Deus é um em essência e um em pessoa; não existem três pessoas, mas apenas três formas diferentes de se referir a uma pessoa) dentro da Trindade. De fato, ele mantinha que essas duas falsas doutrinas eram a raiz de toda heresia (Institutas I:13:21-29). (A definição de um herético para Calvino é a de alguém que sustenta uma doutrina falsa e que não é ensinável [Institutas I:13-21-22].). Nessa seção das Institutas, Calvino é bem gracioso em apoiar alguns dos pais da igreja primitiva (e.g., Tertuliano, Justino), que ele afirma não terem se confundido em seu Trinitarianismo. Ao mesmo tempo, ele cita corretamente a ortodoxia pura de Agostinho nesse assunto. (Deve ser lembrado que embora Calvino frequentemente apelasse aos ensinos de outros teólogos, ele considerava a Bíblia somente como o padrão pelo qual todo dogma deve ser testado.)

Calvino reconheceu apropriadamente uma ordem de economia, ou administração, dentro da Divindade Triúna. Nisso há uma forma de subordinação. É o Pai quem envia o Filho e o Pai e o Filho quem enviam o Espírito para executar suas tarefas específicas na redenção (Institutas I:13:6, 24, 26, 28). Calvino não estava feliz com a terminologia da “eterna filiação ” ou “eterna geração” do Filho (e assim, por implicação, a “eterna processão” do Espírito), se estamos nos referindo à Trindade ontológica. (Ele era militantemente oposto à subordinação implícita expressa no Credo Niceno: “gerado pelo Pai”, “da [ek] substância [ousias] do Pai.”) Essa é uma “doutrina tola”, disse Calvino; é de “reduzido proveito” e “supérfluo enfado” falar da relação ontológica do Filho com o Pai dessa maneira (Institutas I:13:29); é uma doutrina “detestável” (Institutas I:13:24). Sem dúvida, se a linguagem é usada com respeito ao relacionamento funcional do Filho para com o Pai, então é perfeitamente apropriada.

Calvino também prontamente afirmou que o termo gerado é apropriado, se tudo o que queremos dizer é o relacionamento eterno que o Filho tem com o Pai. O Filho sempre foi o Filho (Deus é imutável); ele deriva sua Filiação do relacionamento no qual ele permanece para com o Pai (Institutas I:13:7, 8, 18, 23-24). Calvino escreveu:

Ora, somos ensinados nas Escrituras que Deus, no que respeita à essência, é um só e único, e daí ser ingênita a essência tanto do Filho quanto do Espírito. Como, porém, o Pai é primeiro em ordem… com razão… é tido por princípio e fonte da Deidade em seu todo. Portanto, afirmamos que a Deidade, em acepção absoluta, existe em si mesma, do quê confessamos que também o Filho, até onde é Deus, existe por si mesmo, distinguida a acepção de pessoa; mas, até onde ele é o Filho, afirmamos que procede do Pai. Conseqüentemente, sua essência carece de princípio; da pessoa [isto é, com respeito à ordem], porém, Deus mesmo é o princípio. [Institutas I:13:25]

Mas isso é algo totalmente diferente de atribuir derivação ontológica ao Filho.4 5

Em suas Institutas, Calvino argumentou a favor da plena deidade do Filho (Institutas I:13:7-13) e do Espírito (Institutas I:13:14-15), bem como do Pai. Quanto ao primeiro, Calvino citou várias passagens do Antigo Testamento para apoiar a existência pré-encarnada de Jesus (Isaías 9:6; Jeremias 23:5-6; Juízes 6:11-12, 20-22). E no Novo Testamento, os títulos e nomes referentes à deidade são usados de Cristo. Da mesma forma, as obras realizadas pelo Filho confirmam sua divindade (Institutas I:13:7-13). Além do mais, em seus comentários sobre Romanos 9:5, Tito 2:13, Hebreus 1:8 e 1 João 5:20, Calvino ensinou que a Bíblia refere-se a Cristo como verdadeiro Deus.

Quanto ao Espírito Santo, sua deidade é também manifesta no Antigo Pacto, bem como no Novo. Suas obras (e.g., criação) são apresentadas como aquelas de um ser divino. Da mesma forma, tanto o Antigo como o Novo Testamento revelam claramente seus labores salvíficos, sua autoria da Escritura, sua habitação dos eleitos, etc. O próprio fato que a blasfêmia contra o Espírito é um pecado imperdoável, manifesta da mesma forma sua deidade (Institutas I:13:14-15).

1 E-mail para contato: felipe@monergismo.com. Traduzido em agosto/2007.
2 Nota do tradutor: Todas as citações das Institutas foram retiradas da tradução do dr. Waldyr Carvalho Luz.
3 Citado em Beveridge e Bonnet, II, 39.
4 B. B. Warfield, com brilhantismo característico, apóia plenamente Calvino nesse ponto. Ele até mesmo alega que o Reformador é aquele que retirou a igreja de sua implícita Cristologia subordinacionista (Biblical and Theological Studies, 58-59).
5 Nota do tradutor: http://www.lgmarshall.org/Warfield/warfield_calvintrinity.html

Traduzido por Felipe Sabino de Araújo Neto

Fonte: What Calvin Says, W. Gary Crampton, Trinity Foundation, p. 55-9.

LIVROS SOBRE CALVINO PELA EDITORA MONERGISMO

Calvino, Genebra e a Propagação da Reforma na França do Século XVI

João Calvino: Sua vida e obra

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