PREFÁCIO
A carta de Paulo aos Colossenses é uma impressionante obra escrita que tece conjuntamente alta teologia com santidade de vida, e exortações com admoestações. Um de seus principais temas é a plenitude de Cristo, e a plenitude que Cristãos tem nele. Com isto dizemos que a pessoa e obra de Cristo são completos, e Cristãos tem se beneficiado desta completude. Desde que este é o caso, qualquer tentativa de suplantar ou substituir a pessoa e obra de Cristo é na verdade enfraquecer e desvalorizá-lo, assim severamente comprometendo a integridade da fé Cristã.
Esta é provavelmente uma carta ocasional que Paulo escreveu para combater uma heresia específica que sobre a igreja. Contudo, é desnecessário presumir este conhecimento prévio para julgar a carta inteligível. Isto porque sua exposição categórica de sólida doutrina é tão rica, tão ampla e profunda, que empresta a si mesma a uma aplicação universal.
Este comentário básico provê auxílio básico para compreender e apreciar os escritos de Paulo endereçados aos Colossenses. No processo o leitor irá encontrar nossas discussões sobre as principais, e algumas vezes controversas, doutrinas e questões. Dentre estes está a incompreensibilidade de Deus e a origem do pecado e do mal. Outras características incluem um apanhado de teologia sistemática sob a perspectiva da cristologia, discussões sobre verdade versus falsa filosofia, verdade versus falsa espiritualidade, o que significa ver o Pai por “olhando para” Jesus, as prioridades de Paulo em vida e oração, e a verdadeira natureza da Grande Comissão.
[quote]COLOSSENSES 1,1-2: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, aos santos e fiéis irmãos em Cristo que estão em Colossos: A vocês, graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo”.[/quote]
Uma vez que a carta de Paulo aos Colossenses é considerada uma admoestação e correção contra uma heresia ameaçando a igreja, iremos começar com uma breve palavra sobre a natureza de cartas ocasionais.
Como sugerido pela palavra “ocasional”, estas cartas são “ocasionadas” – e escritas para abordar necessidades particulares, questões, ameaças, eventos, e assim por diante. Uma carta ocasional representa apenas um lado da conversação, e desde que o significado da linguagem depende do contexto, isto pode representar dificuldades na interpretação, especialmente quando existe pouca informação concernente aos assuntos que pretende abordar. Por esta razão, muitas vezes é dada ênfase na averiguação do lado “perdido” da conversação, e então nossa interpretação da carta trona-se dependente do que pensamos que sabemos sobre o propósito pelo qual foi escrita.
Contudo, a dificuldade que isto constitui para interpretação bíblica é frequentemente exagerada, e também a importância do acesso a este lado da conversação. Isto porque a dificuldade é com frequência suficientemente reduzida e algumas vezes completamente eliminada pela profundidade do lado da conversação que está diante de nós.
Para ilustrar, suponha que alguém me pergunte, “Pode uma religião não-Cristã salvar-me da ira de Deus?” Uma resposta “não” é correta, e tão longe quanto é possível, também suficiente. Neste caso, é verdade que alguém que tem acesso apenas ao meu lado da conversação – a palavra “não” – pode não ter entendimento do que a resposta negativa realmente signifique ou o que pretende declarar. Portanto, minha resposta não ensinaria tal pessoa nada sobre a doutrina de Cristo.
Mas ao invés de um simples “não”, eu poderia dizer, Todos os homens caíram em Adão, e tem caído bruscamente dos mandamentos de moral e retidão de Deus. Mas Deus ordenou e enviou Cristo para tomar um corpo humano e morrer pelos pecados dos escolhidos para a salvação, assim todos que receberam o soberano dom da fé podem ser salvos através dele. Porque redenção dos eleitos por Cristo é o único plano de salvação de Deus, assim como Cristo é o único que satisfez a ira de Deus e redimiu os eleitos, a única maneira que qualquer pessoa pode ser salva é pela fé em Cristo.” Esta resposta muito mais completa é também correta e relevante.
E é mesmo possível que eu respondesse a questão desta forma, isso é, nos momentos em que eu não ministrasse uma explicação ainda mais longa.
Sem conhecimento da questão que ocasionou minha resposta, embora alguém possa não perceber qual questão intenciono responder, preenchi meu lado da conversa com tanta informação que a questão original é praticamente dispensável para compreender minhas declarações. A partir de minha resposta, alguém poderia fazer uma possível reconstrução da questão original, mas isto seria desnecessário de ser feito a menos que o objetivo fosse reconstruir todo intercâmbio em vez de entender o meu lado da conversação.
Mais além, não apenas minha resposta é compreensível por si mesma, ela também provê ampla informação na doutrina Cristã que pode ser afirmada e aplicada por alguém não familiar com o intercâmbio original, mas que tem acesso a apenas a minha resposta à questão. Em ato, uma resposta tão extensa por si mesma é mais instrutiva em relação a Cristianismo do que se alguém fosse ter ambos os lados da conversação mas com uma resposta simples – como somente a palavra “não” – no meu lado do intercâmbio.
Também podemos observar que apenas porque minhas declarações são formuladas como resposta a uma questão não significa que cada detalhe na resposta precise corresponder a algo mencionado na questão. Por exemplo, a idéia de redenção é essencial na minha resposta, mas a questão em si não contém o conceito de redenção. Não pergunta se precisamos de redenção, ou se Cristo é o único que redime os pecadores. Ou seja, seria irracional pensar que porque a questão não contém o conceito de redenção, então nem minha resposta pode se referir a isto, ou que porque minha resposta refere a isto, então a redenção deve ser mencionada primeiramente na questão.
Como em nossas próprias conversas, as cartas de Paulo consistem em muito mais que um “sim” aqui e um “não” lá. Elas incluem exposições intensivas de sólida doutrina e detalhadas refutações a seus oponentes. Os assuntos tratados são frequentemente declarados, explanados e reformulados. A dificuldade muitas vezes associada com a falta de contexto histórico na interpretação de cartas ocasionais é um exagero pois elas contém tanta informação positiva como indicações diretas e indiretas com relação aos assuntos tratados que raramente é um impedimento possuir apenas as cartas, ou este lado da conversa. Uma ameaça muito maior à interpretação é a tendência de alguns de especular sobre as informações que não possuímos, ao invés de prestar atenção ao documento que temos bem diante de nós.
Existe algum debate sobre a natureza da heresia a que a carta escrita por Paulo supostamente se refere. Se agirmos pela (injustificada) suposição que toda questão de destaque mencionada por Paulo na carta tem como intenção contradizer um elemento correspondente na falsa doutrina a que escreve em resposta, então pareceria que a heresia contém uma mistura de misticismo, ascetismo, Gnosticismo, e tradição Judaica. Embora o Gnosticismo não tenha sido sistematizado até o segundo século, tendências Gnósticas há muito tem se infiltrado em algumas escolas de pensamento Judeu e Grego, por tanto é concebível que Paulo tenha tido que combatê-las durante seu ministério.
Dito isto, como Paulo não se refere diretamente a nenhuma heresia na carta, alguns argumentam que ele não escreve em absoluto para confrontar uma ameaça específica. Talvez seja apenas uma carta de instruções e exortações gerais, ou na melhor das hipóteses seu conteúdo corresponde, não a uma heresia específica, mas à cultura intelectual e religiosa geral que cerca os Colossenses.
Apenas porque Paulo enfatiza a supremacia de Cristo não significa que existam falsos professores denegrindo a suficiência de Cristo. Apenas porque ele estabelece uma Cristologia precisa e exaltada, insistindo na divindade e na humanidade de Cristo, não significa que exista uma heresia que ameace qualquer aspecto da doutrina. E apenas porque ele escreve, não significa que hajam de fato indivíduos ali buscando reforçar estas tradições. É possível, mas não necessariamente verdade. A carta aos Colossenses é diferente de uma carta como a aos Gálatas, em que falsos professores e falsos ensinamentos são explicitamente descritos.
Por tanto, embora a presença da heresia seja possível, e talvez seja empregada como uma suposição prática ao explorar a interpretação precisa da carta, não há recomendação sólida em insistir nisto. E se a suposição é falsa e a interpretação é feita para depender dela, então o resultado poderia ser um entendimento impreciso da carta. O ponto é, neste caso, que o lado de Paula na conversa é tão extenso que nenhuma perda é sofrida pela incerteza sobre a situação em Colossos.
Sendo assim, Barclay está enganado quando escreve, “Estas, então, foram grandes doutrinas Gnósticas; e todo tempo estivemos estudando esta passagem, e de fato toda a carta, temos que tê-las em mente, pois apenas contra elas a linguagem de Paulo tornou-se inteligível e relevante”.
Ao contrário, as idéias principais da carta são inteligíveis e relevantes para qualquer leitor comum mesmo sem qualquer explicação, ou qualquer conhecimento do antigo pensamento Judeu e Gnóstico. A afirmação de que é necessário ler a carta de Paulo contra o passado das doutrinas Gnósticas é absurda e irresponsável [1].
[quote]COLOSSENSES 1,3-8: “Sempre agradecemos a Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vocês, pois temos ouvido falar da fé que vocês têm em Cristo Jesus e do amor por todos os santos, por causa da esperança que lhes está reservada nos céus, a respeito da qual vocês ouviram por meio da palavra da verdade, o evangelho que chegou até vocês. Por todo o mundo este evangelho vai frutificando e crescendo, como também ocorre entre vocês, desde o dia em que o ouviram e entenderam a graça de Deus em toda a sua verdade. Vocês o aprenderam de Epafras, nosso amado cooperador, fiel ministro de Cristo para conosco, que também nos falou do amor que vocês têm no Espírito”.[/quote]
Algumas pessoas têm aversão à palavra “religião” e preferem ter nada que ver com isto. Entre estes, aqueles se consideram Cristãos opõe-se à palavra com a justificativa de que Cristianismo não é uma religião mas uma “vida” ou um “relacionamento”. Mas este desdém pela palavra é baseado em ignorância e falsa piedade.
Primeiramente, devemos questionar se as palavras “vida” e “relacionamento” são de fato descrições adequadas à fé Cristã. O relato bíblico desta vida e relacionamento é muito mais rico que do que a maior parte das pessoas que preferem estas descrições da fé tem em mente. Na verdade, Escritura inclui muitas coisas em sua exposição desta vida e relacionamento que muitas destas pessoas buscam excluir pela rejeição da palavra “religião”.
Em Merriam-Webster, uma das principais definições de religião é “o serviço ou adoração a Deus.” Isto pode parecer muito específico para alguns filósofos, mas o Cristão comum mal poderia protestar contra. Mesmo que a definição seja insuficiente, não há nada repulsivo ou não espiritual nisto. E é claro, “o serviço ou adoração a Deus” pode incluir a idéia de uma vida ou um relacionamento, mas é também amplo para incluir mais, ou mais das coisas que estão envolvidas em vida e relacionamento.
Então, a segunda definição é “um conjunto pessoal ou sistema institucionalizado de atitudes religiosas, crenças e práticas.” Esta provavelmente representa a idéia de “religião” que muitos Cristãos desassociam de sua fé ou qualquer vida espiritual legítima. Todavia, não há nada inerentemente errado com esta idéia de religião; ao contrário, precisamos saber o que é que foi personalizado ou institucionalizado. Se é uma religião verdadeira, então deve ser personalizada. Se é religião verdadeira, endossa a forma organizacional de seu funcionamento, então deve ser institucionalizada.
Institucionalizar algo significa apenas “incorporar em um sistema estruturado e muitas vezes altamente formalizado.” Isto pode ser certo ou errado, e a maneira como é feito pode também certa ou errada. Um “sistema altamente formalizado” pode canonizar um conjunto de tradições humanas, resultando no repúdio da ortodoxia doutrinal e liberdade espiritual. Contudo, a culpa então recai no que é formalizado, e não na própria idéia de uma organização formal. Então mesmo a institucionalização não tem nada de inerentemente questionável em si, tampouco é necessariamente adversa para ou pelo Cristianismo.
Assim, por exemplo, se não é errado para um crente dizer que “o Cristianismo é o único verdadeiro serviço ou adoração a Deus,” então não é errado para ele dizer que “o Cristianismo é a única religião verdadeira.” Da mesma forma não há problema com a primeira e segunda definições do Webster’s New World Dictionary: “crer em um poder ou poderes divinos ou supra-humanos a serem obedecidos e adorados como criador(es) e governante(s) do universo” e “qualquer sistema específico de crença e adoração, frequentemente envolvendo um código de ética e uma filosofia.”
Se uma pessoa insiste em uma definição privada de religião que apresente-se errônea ou não bíblica, então é claro que este não deve aplicá-la ao Cristianismo, mas não tem base para impor tal definição a outras pessoas. O ponto é que quando operamos por definições de dicionários comuns, a declaração “Cristianismo não é uma religião”, é falsa, e na verdade não bíblica. É claro que Cristianismo é uma religião. E se nós agirmos por estas definições, então a pessoa que diz “Me dê Jesus, não religião” está nos dizendo que deseja nada ter com “o serviço e adoração a Deus.”
A necessária distinção não é entre religião e relacionamento, ao menos a partir das definições dos dicionários comuns, a religião pode sustentar um relacionamento. Antes, a distinção necessária é entre boa e má religião, ou verdadeira e falsa religião. O Cristianismo é superior a Islamismo, Budismo, e outros, não porque o Cristianismo é um relacionamento enquanto estas são meras religiões. Todas estas são religiões. A diferença é que o Cristianismo é verdadeiro e o resto é falso. O Cristianismo é uma religião revelada divinamente. É a própria palavra de Deus no próprio serviço e adoração a Deus. Todas as outras religiões são invenções humanas e demoníacas.
Sendo assim a questão crucial não é se o Cristianismo é uma religião, mas que tipo de religião é. Um modo pelo qual a Escritura caracteriza a religião Cristã é com palavras de fé, amor, e esperança (v. 4-5). [2]
Quando significados subjetivos e emocionais são atribuídos a essas palavras, eles não podem transmitir nada de substancial sobre o Cristianismo ou acentuar suas características distintas contra outras religiões e filosofias. Mas quando entendidas de acordo com seu emprego bíblico, estas palavras são capazes de personificar alguns aspectos fundamentais da religião Cristã, tanto que alguns escritores têm organizado sua dogmática sob elas. É claro, a mesma informação pode ser apresentada de maneiras diferentes em termos de estrutura e ênfase.[3]
Fé não é crença geral ou confiança. Às vezes as pessoas são impelidas a “ter fé” sem menção ao conteúdo desta fé. Mesmo os descrentes são encorajados a ter fé neste sentido. Se esta fé intenciona produzir um resultado desejável ou causar-lhe esforço e perseverança de prosperar, então qual é a base para esta confiança? “Fé” neste sentido geralmente se refere a nada mais que uma força de vontade ou expectativa irracionais.
A Escritura fala de fé de muitas maneiras. Aqui mencionaremos apenas dois de seus significados gerais. Primeiro, “fé” pode se referir à própria religião Cristã, ou seja, o conjunto de doutrinas e práticas que a definem, como quando dizemos, “a fé Cristã” e “lutar pela fé” (Judas 3). Ou, “fé” pode se referir a uma crença pessoal nesta religião, como quando dizemos “ter fé em Deus” (Marcos 11:22) e “temos ouvido de sua fé em Jesus Cristo” (Colossenses 1:4). Este tipo de fé é um presente de Deus, produzida por seu Espírito naqueles que ele escolheu. Quando afirmamos a doutrina da justificação pela fé, afirmamos que Deus nos salva ao nos dar fé em Jesus Cristo.
Como discutimos fé, amor, e esperança juntos, estamos interessados neste segundo sentido de fé – que é “fé em Jesus Cristo.” Existe o equívoco popular que “acreditar em” Deus não é o mesmo que “acreditar que” o que ele tem revelado sobre si mesmo é verdade, ou seja, acreditar nestas coisas “sobre” Deus. Algumas vezes a distinção é feita entre confiança e crença, ou confiança e concordância. Todavia, a distinção apropriada é a feita entre fé verdadeira e falsa, não “acreditar em” e “acreditar que” fé, ou entre confiança e crença. Seria absurdo dizer, “eu acredito em Cristo, mas não acredito em nada a respeito dele” – “acreditar em” Cristo desta maneira é sem sentido. Ter fé em alguém é acreditar em algo sobre ele, e é impossível ter fé em alguém de uma forma que é além ou outra que o que temos fé sobre ele, ou o que cremos sobre ele.
Tem sido discutido que o significado de “acreditar em” e “acreditar sobre” (ou “acreditar que”) não são necessariamente idênticos desde que acreditamos em certas coisas sobre uma pessoa que nos dá uma base para “acreditar em” ou “confiar” nele além do que é imediatamente indicado por estas coisas que cremos sobre ele. A menos que “confiança” refira-se a uma suposição afirmada por pura força de vontade, que no caso não é fé bíblica de maneira alguma, dizer que você “confia” em Deus além do que você acredita “sobre” ele é apenas dizer que o que você acredita “sobre” ele fornece a base para você fazê-lo, o que por sua vez significa que esta “confiança” permanece idêntica ao que você acredita “sobre” ele. Ou seja, a distinção ou “distância” feita entre confiança e concordância é em si mesma outro objeto de assentimento. E isto significa que a distinção é de fato falsa e que a “distância” entre ambos é não-existente.
Deste modo dizer que temos fé em Cristo é uma abreviação para dizer que acreditamos em um número de afirmações sobre Cristo. A palavra “fé” indica a positiva e desejável natureza das coisas que acreditamos sobre ele, na medida em que esta fé é bíblica, estas seriam afirmações bíblicas. Assim como Paulo tem em mente uma fé que é específica – que é “fé em Jesus Cristo” – ele tem em mente um amor que também é específico – que é “o amor que tens por todos os santos.” Alguns comentaristas observam que nesta passagem é caracteriza nosso relacionamento “vertical” com Deus, enquanto o amor caracteriza nosso relacionamento “horizontal” com outras pessoas. Isto é de longe verdade para esta passagem, mas seria um erro inferir a partir disto um princípio vasto que rigidamente estabeleça a distinção. Isto porque, entre outras coisas, amor deve também caracterizar nosso relacionamento vertical com Deus.
Embora a fé seja algumas vezes associada com um sentimento de confiança, não deve ser identificada com o sentimento em si. Antes, fé é acreditar em afirmações divinamente reveladas é em si mesma independente de sentimentos que podem oscilar. Sentir-se bem com relação uma afirmação bíblica é diferente de acreditar nela. Da mesma forma, embora o amor seja muitas vezes acompanhado por certas emoções, o amor e si não é uma emoção. A idéia que o amor é ou uma emoção ou necessariamente e proporcionalmente associado a certas emoções tem infringido danos desastrosos ao desenvolvimento intelectual e ético de crentes sem conta.
A Bíblia fala de amor como uma disposição a pensar e agir com relação a outras pessoas (incluindo Deus) de acordo com preceitos e leis divinas – ou seja, tratá-los como Deus nos diz para tratá-los. Este amor não tem conexão direta e necessária com qualquer emoção, sem qualquer conotação inerente negativa, definimos como um tipo de perturbação mental [4].
Como Paulo escreve em Romanos:
[quote]Romanos 13,9-10: “Pois estes mandamentos: “Não adulterarás”, “não matarás”, “não furtarás”, “não cobiçarás”, e qualquer outro mandamento, todos se resumem neste preceito: “Ame o seu próximo como a si mesmo”.[/quote]
O amor não pratica o mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento da lei”.
Note que amor é o cumprimento da lei e não a substituição da lei. Nós não tratamos as pessoas com amor ao invés de tratá-las de acordo com a lei. Ao contrário, tratá-las com amor é tratá-las de acordo com a lei, ou os mandamentos de Deus.
Ele diz que os mandamentos, como “Não adulterarás” e “Não matarás”, estão resumidos no mandamento de amar. Uma síntese não é diferente ou superior às coisas que personifica. De fato, para realmente entender os detalhes representados pela síntese, deve-se examinar as coisas que sintetiza. Assim o mandamento de amar não é diferente ou superior aos outros mandamentos – o amor é definido por estes mandamentos em primeiro lugar.
A Escritura define nosso amor para Deus da mesma maneira. Jesus diz a seus discípulos em João 14:23 “se alguém me ama, obedecerá meus ensinamentos” – não que ele vá sentir de certa maneira ou ter certa emoção. Se ama, obedece. Então ele diz, “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu os amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos” – João 15,12-13. Não há emoção aqui. A ordem é amar, e este amor significa ação heróica e sacrificial pelo benefício de outros.
Muitas pessoas que sentem-se completamente perturbadas por dentro ao menor sofrimento em outros jamais sacrificariam nem seu conforto pessoal para salvá-los, sem mencionar suas próprias vidas. Mas ele foram ensinados – por cultura, por tradição, por filosofias anti-Cristãs, mas não pela Escritura – que isto representa compaixão. Lamentam e choram por eles – não é isto amor?
Embora isto possa permitir a eles mesmos sentirem-se muito compassivos e espirituais, isto não tem nada que ver com amor.
Em seus momentos mais sóbrios, teólogos e comentaristas admitem que amor bíblico tem a ver com pensar e agir de acordo com os mandamentos de Deus com relação a outras pessoas, e que isto não tem relação com um tipo particular de perturbação mental, ou emoção. A Escritura é clara nisto; não é difícil reconhecer. Como um comentador escreve, “A Bíblia fala disto como uma ação ou atitude, não apenas uma emoção… Cristãos não têm um pretexto para não amar porque o amor Cristão é uma decisão de agir no melhor interesse dos outros” (5).
Definir amor como uma emoção deixa alguém com uma desculpa, uma vez que nossos sentimentos podem oscilar. Além do mais, tal definição gera culpa desnecessária naquele que nem sempre sente o que pensa que deveria sentir com relação às pessoas. E se o amor é uma emoção, então qual emoção é exatamente? Quer dizer, como deveria sentir-se? Mas de acordo com a Bíblia, se uma pessoa irá consistentemente tratar os outros de acordo com os mandamentos de Deus, independente de como se sinta, então anda em amor. Por outro lado, a pessoa que não faz nada mais do que sucumbir numa desordem emocional a qualquer sinal de sofrimento humano não anda em amor. É um desamor incômodo, e seria melhor que parasse de fingir.
A esperança Cristã também é específica, uma esperança que está “reservada nos céus” Temos visto que fé também pode ser usada com um sentido objetivo, como em “a fé Cristã,” ou em um sentido subjetivo, como em “a sua fé em Cristo.” Da mesma forma, há um sentido objetivo para esperança, e então um sentido subjetivo. Mesmo quando usada no seu sentido subjetivo, a esperança do evangelho é muito mais do que uma expectativa geral de ou desejo por um futuro positivo, ou a espera de algo. Um mero desejo frequentemente não tem base para sua satisfação, e fora da promessa do evangelho, a natureza do que é desejado está aquém da herança do crente em sua glória e pureza. Por outro lado, a esperança Cristã baseia-se na promessa de Deus e na realidade da redenção.
Em qualquer caso, ao passo que fé é usada no sentido subjetivo nesta passagem, esperança é usada no sentido objetivo – a importância disto será notada em um momento. Isto é evidente porque, primeiro, uma esperança subjetiva é uma atitude, condição, ou disposição da mente – novamente, não necessariamente e proporcionadamente conectada com a perturbação da mente, ou uma emoção – mas aqui a esperança é armazenada no céu, não na mente.
Segundo, Paulo diz que os Colossenses “ouviram sobre” esta esperança, portanto não é algo somente sentido, percebido, opinado, ou afirmado na mente, mas algo proclamado e descrito. E terceiro, se realmente compararmos o que os crentes tinham recebido nos versos 5 e 12, então “esperança” é dita como sendo uma “herança,” que é algo objetivo, não subjetivo.
Embora esta esperança esteja guardada no céu, de forma que os benefícios totais estão reservados para um tempo futuro, pelo Espírito Santo nós agora desfrutamos os poderes a era vindoura. Ademais, está armazenado no céu não no sentido de que está fora de nosso alcance, mas de que está reservado para nós. Isto não é algo que desejamos ou trabalhamos para – não é uma possibilidade mas uma realidade. Deus predestinou a nossa salvação, e nada pode afastar a nossa herança, porque nada pode nos arrebatar de sua mão. A esperança objetiva é a fundação de nossa fé subjetiva. O significado, portanto, é que nossa fé não se baseia na presunção ou possibilidade, mas destino e realidade.
Um modo de usar estas três palavras para incorporar um curso de dogmática é colocar o aspecto doutrinal do Cristianismo sob a fé, a ética sob o amor, e a escatológica sob a esperança. Estas distinções são significativas, mas não precisas ou perfeitas, pois tanto a ética quanto a escatologia podem também cair sob a doutrinal, de forma que a religião toda pode ser chamada de fé Cristã. Também, quando usadas neste contexto, todas as três palavras assumiriam seus sentidos objetivos.
Dizemos que a religião Cristã é caracterizada por estas três coisas, mas outras religiões também oferecem fé, amor, e esperança? Quando propriamente definidas, vemos que não. Novamente, Paulo não se refere a uma fé geral ou crença sem relação com seu objeto. A fé aqui é “fé em Jesus Cristo.” Se não-Cristãos pudessem ter fé em Jesus Cristo no sentido especificado na Escritura, então eles já seriam Cristãos.
Não-Cristãos não têm fé. E desde que amor implica obediência aos comandos de Deus como tem sido revelado na Bíblia Cristã, então nenhuma religião, filosofia, ou visão ética não-Cristã pode oferecer ou produzir amor verdadeiro. Não-Cristãos não têm amor. Todavia, note que quase todas as filosofias não-Cristãs – de Budismo a Satanismo – podem conter amor se for definido como um tipo de emoção. Então, nossa esperança ser refere à “herança” dos santos como prometido na Escritura, guardada para nós no céu descrito na Escritura. É específica e exclusiva. Portanto não há fé, nem amor, e nem esperança exceto na religião Cristã.
A fé e o amor dos Colossenses “brotam” da esperança que está guardada no céu, e eles ouviram sobre esta esperança “na palavra da verdade – o evangelho” (v.5). Este evangelho é uma mensagem sobre a graça de Deus, carregadas de frutas constituídas de fé, amor, e esperança uma vez que são ouvidas e compreendidas (v. 6). E é ouvido e entendido quando uma pessoa o ensina para uma audiência.
Porque a fé Cristã é transmitida quando é explicada e entendida, é intelectual por natureza. Podemos pensar sobre ela, e falar sobre ela. Podemos explicá-la, e compreendê-la. A idéia de que a fé é “apanhada, não ensinada” é contra todo o espírito da religião Cristã, é também um ataque à revelação verbal da Escritura. A verdadeira piedade começa e cresce precisamente da maneira oposta – é ensinada, não apanhada. A idéia de que a graça de Deus é além de nosso entendimento vem da falsa humildade e a rejeição da natureza do evangelho em favor da tradição e filosofia humanas sobre a “incompreensibilidade” de Deus. Alguém que não entenda algo sobre a graça de Deus não pode crer nela, pois não haveria nada para crer, portanto realmente não é um Cristão.
Um comentarista observa que Paulo não inclui “conhecimento” na sua lista de coisas que caracterizam a fé Cristã, mas “ele deliberadamente omite a palavra ‘conhecimento’ por causa do aspecto de ‘conhecimento especial’ da heresia”, sendo, a heresia do Gnosticismo. Mas dizer isto é tão equivocado que quase deveria ser considerado uma heresia.
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Fonte:
[1] – William Barclay, The Letters to the Philippians, Colossians, and Thessalonians (Westminster John Knox Press, 2003), p. 134.
[2] -Ver Romanos 5,1-5; 1 Coríntios 13,13; Gálatas 5,5-6; Efésios 1,15-18; Efésios 4,2-5; 1 Tessalonicenses 1,3 e 5-8; Hebreus 6,10-12, 10,22-24; 1 Pedro 1,3-8 e 22-23.
[3] – Veja: Vincent Cheung, Systematic Theology e Presuppositional Confrontations.
[4] – Esta perturbação pode ser positiva ou negativa, mas é uma perturbação.
[5] – Life Application Bible Commentary: Philippians, Colossians, & Philemon (Tyndale House Publishers, Inc., 1995), p. 154.
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Tradução: Hélio Clemente
Fonte: Colossians