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“Defesa Inteligente” na Crise Cultural: o legado de William Edgar

Traduzido por Felipe Barnabé.

Em 1811, um ano antes do seminário de Princeton abrir suas portas, uma doação volumosa foi feita ao novo projeto por um rico presbítero da Primeira Igreja Presbiteriana de Nova Iorque. Este homem era William Edgar. O objetivo de Princeton era comunicado de forma clara, sem ambiguidade, aos potenciais benfeitores durante as viagens para levantamento de recursos. Nas palavras do historiador Mark Noll, a universidade estabeleceu como objetivos “capacitar ministros a compreender a crise cultural, para reverter o que eles percebiam como correntes de ateísmo varrendo o país, e prover uma defesa inteligente do cristianismo e da Bíblia, especificamente”. 

Em 1929, o seminário havia se afastado desta missão, levando ao estabelecimento de uma escola que recuperaria esta visão de educação teológica: o Seminário Teológico de Westmister (WTS).

Em 1989, 177 anos após o presbítero de Nova Iorque investir nesta causa: treinar pastores para lidar de maneira inteligente com a crise cultural, William Edgar, seu trineto homônimo, tomou-a para si e começou a ensinar apologética no WTS, o “Princeton Restaurado”.

Este ano, depois de mais de três décadas de serviço no WTS, e mais de meio século em sala de aula, no geral, William “Bill” Edgar aposentou-se. Enquanto alguém que ensina apologética cultural, meu pensamento sobre o assunto não foi moldado por ninguém mais do que por Edgar. De fato, não acho que seria exagero dizer que a ênfase dupla de Edgar em (1) sensibilidade cultural e (2) amizades individuais têm capacitado uma geração inteira de ministros com a habilidade de comunicar o evangelho com clareza e compaixão.

Sensibilidade cultural

Edgar, um estadunidense, cresceu como uma “criança de terceira cultura”[1] na França. Era conhecido por utilizar um chapéu de pele de texugo, enquanto cantava, na casa da família em Paris: “Dahvie, Dahvie Crokette, roi d’la frontière sauvage!”[2]. Ao vermos a sensibilidade com a qual Edgar se engaja com a cultura, encontramos um homem hábil em adentrar mundos estrangeiros com a percepção de alguém de fora e o respeito de alguém de dentro. A esta sensibilidade cultural foi dada uma ênfase missiológica, quando Edgar converteu-se por meio do ministério de Francis Schaeffer.

No verão de 1964, Edgar e seu irmão saíram de bicicleta em uma turnê pela Europa. Devido à recomendação de um de seus instrutores de Harvard, Harold O. J. Brown, Edgar seguiu até as encostas da Suíça, ao sul do lago Genebra. Ali, ele encontrou um homem, um tanto excêntrico, de cavanhaque, utilizando um par de tênis. O homem — juntamente com sua esposa, Edith — mantinham uma comunidade de cristãos conhecida como L’abri (“O abrigo”).

Schaeffer não era um erudito cultural nem um guru espiritual. Ele era, no entanto, um evangelista de beatniks e hippies e tinha uma paixão por ver o senhorio de Cristo estendido à totalidade da vida — arte, educação, política, tudo. Ele passou essa paixão para Edgar, que, desde então, trouxe a luz do evangelho aos seus vários interesses: literatura, filosofia, ética e, especialmente, jazz.

Os Guiness, um dos primeiros pupilos de Schaeffer, escreveu uma dissertação, em Oxford, que mostrava a importância das realidades sociológicas nos encontros evangelísticos, corrigindo o que ele via como uma abordagem muito racionalista da apologética: que espera que as “provas” da existência de Deus ultrapassem a miríade de “estruturas de plausibilidade”, que fortalecem as tomadas de decisões do cético. 

Se há algo que conecta os integrantes do quadro não oficial de apologistas associados do L’Abri — como Edgar, Guinness, Jerram Barrs e Dick Keyes — isto é: ideias são importantes, mas a cultura também o é. Articular esta ou aquela proposição não é suficiente, se o apologista não enfrentar, primeiramente, as pressuposições subjacentes da cultura do cético. 

Amizades individuais

O antigo colega de Edgar em Westminster, Harvie Conn, uma vez notou que a maioria dos cursos de apologética não ensina as pessoas a fazerem apologética. Eles ensinam pessoas a ensinar um curso de apologética. O ponto de Conn não é que os cursos de apologética são ruins em si, é apenas que eles deveriam passar para os estudantes mais do que “respostas”. Cursos de apologética deveriam preparar os estudantes para fazer boas perguntas e, assim, estar completamente presentes no dinamismo de um encontro evangelístico. Isso é, precisamente, o que os cursos de Edgar fizeram. De todas as ferramentas que Edgar deu aos seus alunos ao longo dos anos, uma calçadeira não estava entre elas!

Lembro-me de uma vez ouvir um amigo de Edgar, Dick Keyes — ele mesmo um excelente professor de apologética — dizer: “eu nunca ensinei: ‘as 10 cosmovisões’ e o que elas creem sobre os diversos tópicos, precisamente, porque todas as pessoas que conhecemos no mundo real possuem uma 11ª cosmovisão só sua”. Deus deu-nos dois ouvidos e uma boca por uma razão.

Edgar ensinou uma geração de apologistas a ouvir, a encontrar os céticos onde estão e a levar as boas novas de Jesus a eles em linguagem compreensível. Para fazer isso, devemos confiar que Deus é o verdadeiro evangelista. 

“A diferença entre escutar e ouvir”, Edgar é conhecido por lembrar a seus alunos, “é o Espírito Santo”. Nós falamos, o cético ouve, mas Deus provê o “ouvir”. Não precisamos despejar sobre as pobres almas de todos os que encontrarmos todas as respostas apologéticas que memorizamos. O Espírito revelou-se na vida de cada um de nossos amigos antes de nós chegarmos, e estará lá depois que nós nos formos.

Legado vivo 

A tradição schaefferiana, que Edgar incorpora, têm encontrado tempos difíceis, ultimamente. A abordagem pressuposicional (ou “pactual”, como Edgar prefere) tem diminuído durante o recente fluxo de interesse no tomismo (com alguns corretivos úteis, sem dúvida), e a crescente hostilidade do secularismo ao cristianismo ortodoxo tem levado muitos a questionar se a ênfase na mansidão é suficiente hoje em dia. 

É claro, a igreja tem passado, atualmente, por tempos turbulentos. O “ateísmo” já varreu nossa terra antes. Edgar aposentou-se, mas somente depois de fazer sua parte no cumprimento da missão que seu trisavô recomendou anos atrás. Uma geração de ministros foi treinada para lidar com a crise cultural hoje, habilitada para defender a fé cristã com inteligência. Muitos destes pastores, missionários e teólogos devem agradecer a William Edgar.

Como os filhos de Issacar, William Edgar tem compreendido seu tempo. Que Deus levante uma nova geração que compreenda o nosso tempo.

Notas

[1] O termo “third-culture kid” é utilizado para descrever crianças que cresceram em países com culturas diferentes das suas culturas de origem.
[2] “Davy, Davy Crockett, rei da fronteira selvagem”. Referência à personagem norte-americana ficcional que usava um chapéu semelhante ao de Edgar.