Em Carta de um cidadão cristão, eu apresento dois argumentos básicos sobre a escravidão. O primeiro é que o ateísmo não nos fornece nenhum fundamento sólido para condenar a escravidão. Isso não impede que os ateus a condenem. Isso só os impede de ter uma boa razão para fazê-lo.
De uma perspectiva ateísta, como a escravidão pode ser consistentemente condenada? […] Dados seus princípios, por que a escravidão é má? (p. 23)
Meu segundo argumento é que as Escrituras nos fornecem um fundamento sólido para erradicar a escravidão.
Com base nesses princípios é fácil ver como a escravidão não é o que Deus pretende para nós. Cristo veio para proclamar a liberdade para os cativos (Lc 4.18). A Bíblia proíbe o sequestro, que foi o fundamento do comércio de escravos (1Tm 1.10). Em Cristo não há judeu nem grego, homem ou mulher, escravo ou livre (Gl 3.28). A lógica da nova criação em Cristo fornece libertação da escravidão do pecado, que é o fundamento de todas as outras formas de escravidão (Gl 5.1). Mas como o ateísmo poderia levar a uma condenação da escravidão? (p. 23-24).
O apóstolo Paulo buscava promover a ética de um novo mundo, um novo céu e uma nova terra, e a escravidão era radicalmente inconsistente com essa visão. Uma ótima descrição da estratégia paulina pode ser encontrada no comentário de N. T. Wright sobre Filemom, a carta em que Paulo está devolvendo um escravo fugitivo (p. 22-23).
Neste assunto, N. T. Wright e eu somos unha e carne.
Em Black & Tan, eu incluo o breve capítulo a seguir, que resume o ensino bíblico sobre a escravidão. Aos que vieram do site de Richard Dawkins à procura de alguns dos meus segredos doutrinários profundos e sombrios, ei-los:
Relevância
Os cristãos precisam entender essa questão a fim de permanecer fiéis ao ensino das Escrituras. Ao reconhecer que a obediência às Escrituras poderia ter preservado nossos antepassados (tanto do norte quanto do sul) de uma guerra custosa e sangrenta, caso tivessem simplesmente obedecido, podemos enfatizar a importância de nos submetermos às Escrituras em relação às nossas controvérsias (por exemplo, aborto, homossexualidade), independentemente do que o mundo incrédulo possa dizer sobre elas.
O tráfico de escravos
O tráfico de escravos era uma abominação, e sustento que os evangélicos na Inglaterra, como William Wilberforce, que lideraram a luta contra ele, são justamente considerados heróis da fé. A Bíblia rejeita claramente a prática do comércio de escravos (1Tm 1.10; Êx 21.16). Em uma ordem social justa, o comércio de escravos poderia ser punido com a morte.
Escravidão na Bíblia
Ao considerar a escravidão, devemos reconhecer a diferença entre aquilo que foi regulamentado pela lei mosaica, isto é, pouco mais do que uma servidão contratatual, e a escravidão como existia em um império pagão como Roma. No antigo Israel, era dever dos que temiam a Deus simplesmente obedecer às leis sobre a escravidão conforme reveladas por Deus, reconhecendo sua natureza temporária. A legislação veterotestamentária tinha a manumissão em vista (Êx 21.2), e foi dada a um povo que acabara de ser libertado da escravidão no Egito (Êx 20.1-2). A natureza temporária da escravidão hebraica foi incorporada a ela como um componente do projeto.
Mas quando a legislação existente era a de uma ordem pagã incrédula, como a de Roma, era dever dos cristãos que viviam nesse sistema seguir cuidadosamente as instruções bíblicas para resistir ao paganismo dessa escravidão, para que a Palavra de Deus não fosse blasfemada (1Tm 6.1).
A distinção a ser feita aqui é entre a escravidão que foi ordenada por Deus, que é o que vemos no Antigo Testamento entre os hebreus, e a escravidão que foi instituída por um mundo incrédulo e pagão, e que deveria ser subvertida por cristãos fiéis que vivem de acordo com o evangelho.
Racismo
A escravidão americana teve a complicação adicional do seu fundamento racial. E assim, nós, como cristãos — e especialmente como cristãos americanos — devemos denunciar todas as formas de racismo, animosidade ou vanglória racial por uma questão de princípio bíblico. Deus criou o homem à sua própria imagem e fez de um só sangue todas as nações da terra (At 17.26). Somos chamados a crer firmemente que, no evangelho, Deus reverteu a maldição de Babel, e que em Cristo não há judeu nem grego, homem ou mulher, escravo ou livre (Gl 3.28), preto ou branco, asiático ou hispânico, alto ou baixo. Jesus Cristo comprou homens de todas as nações e tribos com seu próprio sangue, e este sangue estabelece um vínculo mais forte do que o nosso.
A escravidão como instituição
Cristo morreu na cruz para libertar todos os homens de seus pecados, e todas as formas de escravidão externa são construídas sobre o fundamento da escravidão ao pecado. Portanto, a lógica da Grande Comissão exige a eventual morte da escravidão como instituição em qualquer lugar onde ela ainda possa existir. Enquanto os escravos cristãos foram ordenados a serem diligentes no trabalho aos seus senhores, eles também foram instruídos a aproveitar qualquer oportunidade legítima para obter a liberdade (1Co 7.20-24). Isso indica que a escravidão como instituição é inconsistente com o Espírito fundamental do evangelho, que é o Espírito da liberdade (2Co 3.17).
A subversão divina da escravidão
A melhor maneira de subverter um sistema pagão de escravidão é através da obediência cuidadosa à lei de Cristo. Isso significa que, embora os cristãos obedientes possam ter sido escravos ou senhores, as instruções dadas a eles em suas respectivas funções são muito claras. Os senhores cristãos devem lembrar que têm um Senhor no céu, e isso significa que eles devem tratar seus escravos com benevolência (Ef 6.9). Os escravos cristãos devem trabalhar diligentemente para seus senhores, sabendo que, em última análise, estão fazendo seu trabalho para Deus e não para os homens (Ef 6.5; Cl 3.22-23). Aqueles que, porventura, eram propriedade de senhores cristãos, foram instruídos a prestar ainda mais atenção a sua postura de submissão, porque o beneficiário de seus trabalhos era um irmão em Cristo (1Tm 6.2; Fl 10-19). Essas instruções bíblicas, seguidas cuidadosamente, resultaram, gradualmente, na eliminação pacífica da escravidão romana e, se tivessem sido aplicadas consistentemente por nós, teriam tido um impacto análogo na escravidão do sul antebellum.
Reforma ou guerra?
O padrão piedoso para a renovação social nunca é sanguinário. O radical insiste na ação imediata, por meios coercitivos, sangrentos e políticos. Em contraste, a obra do evangelho é feita tão silenciosamente quanto o fermento agindo no pão, e o resultado é a libertação do pecado, o amor a Deus e ao próximo. Esse amor ao próximo exige o reconhecimento de que em Cristo não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher, branco ou negro (Gl 3.28). Mas os radicais impacientes de espíritos sempre recusam o ensino de Deus em tais assuntos. Eles são orgulhosos e ignorantes, amando discutir palavras, a inveja, a injúria e as disputas perversas (1Tm 6.3-5). Buscamos a paz, mas eles teimam pela guerra (Sl 120.7).
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Tradução: Isaias Lobão
Revisão: Thiago McHertt
Texto publicado originalmente em abril de 2007: