Os santuários de Israel eram dramaticamente diferentes dos santuários das outras nações. Não havia imagem de Yahweh. Os sacerdotes faziam a manutenção da casa de Yahweh, mas a Sua presença ou era invisível ou tão intensa que era inaproximável. O culto a-icônico de Israel era um lembrete contínuo de que o seu Deus era um tipo diferente de Deus. O que isso significa? Que tipo de Deus nos proíbe de adorá-lo por imagens?
Em Deuteronômio 4, Moisés reforça esse mandamento ao lembrar a Israel que eles não viram forma alguma no Monte Sinai. Eles ouviram uma voz. A Segunda Palavra se fundamenta num contraste entre visão e audição.
Esse contraste é evidente em outro lugar também. Quando Yahweh diz a Moisés para fazer um novo conjunto de tábuas para substituir as que ele quebrou, Ele usa a forma verbal da palavra para imagem de escultura (Êx 34.1). Ele diz para que ele “esculpa” um conjunto de tábuas. Mas as tábuas não tinham figuras. As tábuas estavam cheias de palavras. Yahweh fala. Yahweh declara. Yahweh comanda. Yahweh escreve em tábuas, mas Ele não se mostra. Ele é o Deus invisível que fala. Deus é Palavra.
Isso nos ajuda a ver a profundidade da Segunda Palavra. Ela está proibindo a idolatria litúrgica, usar imagens e ícones para ter comunhão com Deus. De forma mais geral, adverte-nos contra colocar as imagens no centro da vida, advertindo-nos, em contrapartida, para colocarmos a palavra no centro da vida. A Segunda Palavra nos ensina que devemos viver pelo ouvir e não por vista.
Na Escritura, os olhos são órgãos do juízo. Deus vê e julga a criação como boa. Adão e Eva comem a árvore do conhecimento e seus olhos são abertos. Com os nossos olhos, perscrutamos e julgamos. Estamos sobre as coisas que vemos, no comando e no controle. Esta é uma das razões profundas pelas quais não adoramos a Deus por imagens: Ele não está sob o nosso controle; não O julgamos, mas Ele nos julga.
Ouvir tem uma fenomenologia bem diferente. Ouvir na Escritura é virtualmente idêntico à obediência. Ouvir é estar aberto à instrução, aos mandamentos. Ouvir abre um futuro: alguém diz “eu te amo”, e o mundo muda debaixo dos seus pés. Ouvir é receptivo, não é comandar. Ouvir nos coloca na posição de ser avaliados e julgados, ao invés de julgarmos.
Um dia veremos a Deus e seremos como Ele quando O virmos. E Deus foi visto. Jesus disse que vê-lO era ver o Pai. Mas Jesus ascendeu e enviou o Seu Espírito para estar conosco. Ele não está presente na carne, não está presente em forma visível. Agora, Ele vem a nós pelo Seu Espírito, o vento que sopra onde quer, que age por meio da Palavra e dos ritos sacramentais. Viver pelo olhar, colocar a imagem no centro das nossas vidas, é pular onde estamos na história. Imanentiza o eschaton.
O Deus que nos proíbe de fazer e usar imagens é o Deus que já nos fez à imagem dEle. A narrativa da criação se assemelha à construção de um grande templo cósmico. Yahweh primeiro forma a terra em três zonas — céu, terra, e mar — que se assemelham às três zonas do templo — santíssimo, santo lugar e o átrio. Então, Ele enche a casa de coisas — plantas, corpos celestiais, peixes e pássaros, animais terrestres. Elas são os adoradores e recipientes do templo cósmico, os instrumento para executar a liturgia cósmica.
No clímax da semana da criação, Yahweh delibera: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1.26-28). Depois aprendemos que Yahweh trabalha no solo como um oleiro, forma Adão e então sopra em suas narinas o fôlego da vida. Um construtor de templos da antiguidade teria feito a estrutura do templo, enchido-o de ferramentas de culto e então, no clímax, faria e colocaria uma imagem no templo. A imagem era um sinal da presença do deus e da reivindicação do deus sobre aquele território.
É isto que Yahweh está fazendo: Adão e Eva são sinais da presença do Criador, até mediadores de Seu senhorio sobre a criação e eles representam a reivindicação de Yahweh sobre toda a criação, à medida que eles enchem e governam a terra e a sujeitam.
O seres humanos são feitos como imagem de Deus. Quando adoramos imagens, não estamos só trocando a glória de Deus pela glória da criação. Estamos desistindo da nossa própria glória. Estamos nos alienando de nossa própria vocação.
Os profetas advertem vez após vez que a idolatria nos desumaniza e leva à injustiça, opressão e ao derramamento de sangue inocente. A idolatria é inerentemente desumanizadora porque ela substitui blocos de madeira ou pedra ou metal pela pessoa humana viva, que deve ser o objeto de nossa honra, veneração e serviço.
Guardamos a Segunda Palavra quando obedecemos ao segundo maior mandamento de Jesus, quando honramos a imagem de Deus em nossos irmãos, quando amamos e servimos a Deus ao servir e amar os nossos próximos, quando realizados os sacrifícios adequados de dar esmolas, fazer o bem, compartilhar, demonstrar hospitalidade (Hb 13.16). Em nenhum lugar a Bíblia endossa beijar imagens ou ícones. Mas somos ordenamos a saudar uns aos outros com um reverencial beijo de paz.
Traduzido por Guilherme Cordeiro.
Fonte: Image and Icon