A base central que constitui a natureza epistemológica da teologia reformada é a sua crença na existência singular de Deus. Ele é o Todo Poderoso que exerce domínio sobre os céus e a terra; e na medida que os olhos humanos contemplam as obras da criação e desenvolvimento histórico-cultural mesmo com os efeitos da queda, é possível contemplar sinais do seu poder, de sua grandeza, ou seja, de sua divindade. Assim, esse fundamento categórico se estabelece como paradigma bíblico e filosófico importante, cujo conhecimento envolve implicações não apenas intelectuais, mas morais, para o modo como vivemos, nos relacionamos e cultivamos nossas ações neste mundo.
Deus, neste sentido, é o autor, o sujeito e o objeto da teologia cristã, todo o processo revelacional apresenta-se como um convite a fim de que a mente humana em sua finitude promova reflexões racionais, sensíveis e transformadoras como resultado da revelação soberana e pessoal dEle mesmo. Nossas teorizações quanto à realidade cósmica, social, econômica e política não começam no produto que confeccionamos, mas, nos céus, na dimensão ontológica do ser.
Esse paradigma revelacional que tem Deus como o fundamento principal do exercícico teológico também pode ser categorizado como elemento teoreferencial, isto é, Ele é o centro de todas as coisas, a causa primeira que define a natureza da realidade espaço-temporal e a maneira que devemos amá-lo, adorá-lo, servi-lo, obedecer a sua vontade especial revelada na Escritura Sagrada, e demonstrar carinho para com o mundo e, principalmente, com as pessoas que vivem nele.
Então, na cosmovisão reformada a teoreferencialidade esquematiza e pontua nossas relações intrapessoais e interpessoais com o mundo, servindo de orientação teofilosófica e espiritual para o exercício concreto de nossas liturgias culturais, científicas, sociopolíticas e existenciais. Somos essencialmente adoradores, prestamos culto a Deus na mediação de Jesus Cristo pelo poder do seu amor e graça.
Isto significa também que no dia-a-dia celebramos ao Senhor no exercício dos nossos papéis no mundo, sendo necessário que cada cristão tenha a noção bíblica da importância de suas operações cotidianas como médicos, matemáticos, artísticas, professores, políticos, mecânicos e atletas, dentre outras ações.
Crer em Deus e afirmar que a nossa vida foi transformada pelo seu amor redentivo em Cristo traz implicações teoferenciais não apenas para o modo como o cultuamos no interior dos templos, mas, como tratamos a inteligência, os sentimentos, o corpo e as relações socioculturais que Ele nos deu.
Por vezes, na defesa da santidade contra todo o mundanismo e a secularização, ou na tentativa de não perder a consciência de nossa identidade cristã somos atravessados diariamente por um maniqueísmo religioso, que reduz nosso lugar e papel neste mundo às esferas dos cultos dominicais e da espiritualização esotérica que não têm responsabilidades intelectuais, científicas, políticas e sociais com o conhecimento, esquecendo-se da natureza holística da teologia da aliança.
A teologia reformada acredita nas implicações teoreferencias para vida, sendo assim, resta-nos analisar detalhadamente como todo movimento reformado conjugou esse modo hermenêutico de analisar e de interferir no mundo, efetivando mudanças significativas ao seu próprio tempo. Resta-nos agora entender que esse tipo de responsabilidade também está sobre nossos ombros, mentes e corações.
Sendo assim, a conjugação de análise que deve ser efetivada em nossos corações passa pelo critério de produzirmos reflexões teológicas que consigam perceber que em Deus temos todos os caminhos possíveis de categorizações, de percepções racionais e sensoriais que podem ajudar a humanidade cultivar melhor, convidando-a a experiência de fé e arrependimento em Cristo.
Isto significa que toda produção teológica não deve ser apenas um ato contínuo ipsis litteris do que já foi produzido ao longo da tradição protestante e da própria fé reformada, é necessário reflexões teológicas que além de ratificar o passado, consigam transformar esses elementos metafísicos em modelos categóricos e teóricos inteligíveis, didáticos, pastorais e práticos para a sociedade.
Tais iniciativas no campo reformado criariam num primeiro momento uma redescoberta histórica de intelectuais reformados que atuaram, e outros que ainda atuam em diversos campos do conhecimento humano corroborando com a produção de conhecimento científico e qualidade de vida para as pessoas, e tudo isto, tendo Deus como início, meio e fim. Portanto, é tempo de resgastar e de conhecer as implicações teóricas e práticas da teoreferencialidade, permitindo que o mundo veja as riquezas em Deus e os benefícios de sua grandeza para a humanidade. Deste modo, pesa sobre nós, cristãos, o compromisso de transmitir e, ao mesmo tempo, de viver os efeitos transformadores da cosmovisão reformada sobre nossa a vida e produção.