Toda ira santa, boa, perfeita e agradável, procede de Deus – origina-se da toda-envolvente graça de Deus. O leitor entenderá isso se contemplar um conceito mais amplo do que a resposta padrão à questão: P. O que é graça? R. Graça é o favor imerecido de Deus. Certamente é o favor que não merecemos. Contudo, essa resposta aponta para uma das características da bênção concedida em Cristo, nas regiões celestiais.
Ainda que seja sempre impossível conceber a totalidade da graça ou reduzi-la a uma definição, podemos dizer que a atuação da graça divina é o mais abrangente e envolvente trato da personalidade de Deus. O mais próximo que consigo vislumbrar é uma descrição: graça é um atributo de Deus que se manifesta em um movimento de alteridade. Um movimento primeiramente intratrinitário, como parte da economia da Trindade e, depois, entre os homens segundo o resumo da Lei: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo na medida com que amamos a nós mesmos. Por exemplo, na ordem de amar o inimigo ou de não pensar de si mesmo além do que convém, mas é pensar no que é do outro.
Explicando, Deus Pai se movimenta em direção ao eternamente gerado Filho de Deus e do Espírito que procede do Pai e do Filho; o Filho se movimenta da direção do Pai e do Espírito; e o Espírito de movimenta na direção do Pai e do Filho. Cada um é, ao mesmo tempo, uma unidade com o outro. De maneira incompreensível para nós, cada pessoa da Trindade é distinta, e, confusão de identidade, com o poder de ser o outro (no mesmo sentido de 2 Co 5.19, que “Deus estava em Cristo…”). A vontade de Deus é que nós semelhemos esses movimentos em relação ao próximo, de maneira que alcancemos maturidade como indivíduos e como membros de humanidade e, especialmente, do corpo de Cristo, a sua igreja.
A graça é um dom de Deus concedido ao ser humano quando de sua Criação, o qual foi perdido na Queda por causa do pecado, e restaurado na Redenção mediante a fé em Cristo e sua obra de justificação e santificação. Essa fé é sempre provocada pela graça e, quando não procede do dom da graça mediante a fé, ela é falsa, pretende ser autônoma. É dirigida a ídolos, os quais, de fato são empoderados pelas hostes malignas cujos cultos prometem ser redentores, mas jamais finalizam em graça senão em maldição.
No Éden, a graça era um atributo transmitido ao ser humano, o qual possibilitava ao indivíduo a comunicação com o outro para o conhecimento de Deus e o crescimento na atuação de adoração de Deus e guarda e cultivo de sua obra. Na Redenção, temos o movimento do Espírito a nos trazer a própria Graça, o Senhor Jesus – na encarnação, vida de obediência, morte substitutiva, ressurreição e ascensão. Os redimidos são regenerados e inserido na família de Deus, a sua igreja, como membros de seu corpo, a fim de refletirmos a glória de Deus na reprodução de sua redenção em Cristo. Isso implica em obedecer à graça por meio de irar-se com a injustiça, enquanto se discerne a redenção do amor de Cristo.
Agora, eu fico bravo
Não me apressei em irar nem o faço em pecado. Igualmente, confesso diante de Deus o sentimento de humana frustração e de vontade de dar o troco. Não darei nome aos santos, ainda que o pudesse fazer à semelhança de Paulo ao mencionar Alexandre, o ferreiro, que lhe havia causado muitos males. Os exemplos a seguir não deveriam reproduzir a amargura que carnalmente sinto, mas dar lugar à graça redentora de Deus. Procurarei ser redentivo em relação ao testemunho infiel, ao mau juízo e à mentira, deles e igualmente minha, muitas vezes, para dar ocasião à glória do Caminho, Verdade e Vida.
Há algum tempo ouvi a respeito de um conhecido conselheiro, o qual julgou fazer piada quando disse: “O Wadislau vai querer redimir o diabo”. Jamais nos encontramos nem jamais senti-me ameaçado pelo modelo de aconselhamento que ele esposa. Ao contrário, já me utilizei de seu ministério. Outro, sem que tenha lido nenhum dos meus escritos, bateu o martelo: “Ele é integracionista”. Outros acham difícil de entender o modelo e/ou veem-no como uma “antipsicologia”. Nada mais ingênuo ou falacioso. Assim, para ser redentivo quanto ao trabalho e palavras desses irmãos, devo dizer que o modelo de aconselhamento redentivo já foi aprovado por Powlison e Scipione, ambos já na glória, e por muitos outros que ainda lutam conosco, aos quais não nomeio para que não exalte a mim mesmo.
Enfim, o que caracteriza o modelo redentivo?
Escolhi o termo redentivo, não sem causa, mas porque Cristo veio para redimir a totalidade dos eleitos antes da fundação do mundo, para lhes restaurar o caminho, a verdade e a vida, segundo ele mesmo é o Arquétipo. Deus redime nossa alma quanto a nossa fé e crença, redime nossa esperança e imaginação (ideias, pensamentos etc.) e redime nosso amor e atuação sobre as obras de sua mão. Dessa maneira, o aconselhamento redentivo pretende orientar as pessoas à confrontação (noutética) com a verdade revelada na Bíblia, tanto por meio da pregação do evangelho quanto por meio da aplicação do evangelho à vida cristã.
Em obediência à missão de Deus, resumida na Grande Comissão, também advertimos a todo homem a respeito da esperança do céu ou do inferno. Para os que confessam seus caminhos maus e deixam-se transformar quanto às intenções do coração e finalizações no corpo, abrem-se, largos, os círculos de vida; para os impenitentes, entretanto, há uma expectação de morte. Os primeiros, nos quais opera a redenção, têm a obrigação de saber quais sejam os cursos deste mundo, devendo estudar as maneiras que os ensinos deste mundo chegam a nós e nos espreitam, a fim de não ignorar as armadilhas que nos escravizam e às pessoas a quem pregamos.
O aconselhamento redentivo é bíblico no sentido de que crê e toma a Bíblia como única revelação escrita de Deus, inspirada nos seus originais, inerrante e infalível – e protegida pelo Espírito ao longo dos séculos por meio de cláusulas repetidas e impossíveis de serem negadas na totalidade. O modelo redentivo utiliza a Teologia Bíblica para a obediência às doutrinas comunicadas em ocasiões e situações gerais e específicas. Faz uso da Teologia Exegética e da Teologia Hermenêutica a fim de constatar o entendimento correto das Escrituras. Usa a Teologia Histórica para comparar o entendimento da Palavra de Deus com a unidade da fé no corpo de Cristo. Usa a Teologia Sistemática a Teologia Prática para aplicar, de forma organizada, a Palavra profética. E finalmente, trabalha com a Teologia Apologética para fortalecer a fé dos “cordeirinhos” do Senhor, para a guarda e defesa da fé do contra o ataque dos lobos que os assediam de dentro e de fora – como disse Van Til, no leito de morte, ao lhe ser perguntada a razão da escolha da Apologética como seu ministério.
Se um cristão inadvertido desconhece as artimanhas de satanás, poderá ser que incorra nos caminhos de Caim, se precipite no erro de Balaão e pereça na revolta de Coré. Por isso, porque não ignoramos os desígnios do diabo, e a fim de desfazer as distorções e obras malignas, é que desejamos redimir tais ideias. A tendência natural para desviarmos do Caminho, para distorcemos a Verdade e para não perseverarmos na Vida segundo Deus, não existem apenas nas academias, mas chegam às ruas, lares, locais de trabalho e bares. O que homens segundo os pensamentos deste mundo elaboram, passam pela boca de artesãos e artistas, técnicos e cientistas e são assimiladas por expectadores de da vida, da TV e por habitantes do mundo virtual. Esses, por sua vez, sentem-se encorajados por crentes, salvos pela graça, mas cuja fé não anda no Caminho nem obedece em tudo à Verdade nem vive a Vida de Cristo. Seus filhos são menos filhos da promessa e mais cidadãos do mundo.
Portanto, temos de saber que o único redentor é Cristo e, nós, os redimidos, somente devemos atuar redentivamente, aplicando a obra consumada de Cristo à alma (psique) e às obras de nossos membros. Tudo conforme a missão de Deus a que fomos chamados a realizar: anunciar o Evangelho em coerência de palavra e ação, obedecer a Deus, cuidar das pessoas e guardar-nos incontaminados deste mundo perverso. Em poucas palavras, redimir, nesse sentido, é pertencer a um povo liberto do cativeiro, é tomar posse da terra, é reconstruir muros caídos, é fortalecer muros e portas – tudo isso, enquanto alertas aos inimigos até que venha o Vencedor Filho de Deus e Filho do Homem.
É assim que o Aconselhamento Redentivo se aproxima da literatura dos “mestres da suspeita” (Nietzsche, Freud e Marx e outros da parentalha da descrença, descendentes e dissidentes de Feuerbach, como Darwin, Buber) não para crer neles, mas usar a sua própria crítica contra eles mesmos. Isso, a fim de saber como eles afetam o nosso tempo e circunstância, e para saber como pensam e sofrem os nossos aconselhados e nós mesmos, em termos de formação, costumes, alvos e desejos.
As psicologias seculares não são constatações de verdades naturais, senão que são distorções da Verdade de Deus vistas sob a perspectiva do homem decaído. Também, elas não procedem de fontes autônomas nem crescem do nada. Antes, elas são subprodutos e, como fogo fátuo, seguem no vácuo do pensamento do príncipe das trevas e reitor da universidade deste mundo. Freud, Adler e Jung – um revoltado contra Deus, outro desesperado da fé e outro voltado para as sombras – são semideuses de um olimpo cultural formador de ideologias políticas e práticas sociais. O pensamento não é novo; vem do pecado do Éden, do jardim perdido e sua culpa e medo, da vontade de Caim e daí por diante. Ele reverberou, na modernidade, na boca de antropólogos, sociólogos, psicólogos, filólogos e outros cientistas, principalmente, de comunicação. Hoje, o que não parecia haver pior, piorou. Agora passamos do mundo pós-moderno em que os valores perdiam lugar para o relativo, para um admirável mundo novo, artificial e virtualmente trans pós-moderno, no qual impera a narrativa conforme o império do Mal e da linguagem do Torto. Nele, ódio vira “amor”, revolução vira “paz”, e o transgênero pretende nos roubar a semelhança de Deus. Esse é um mundo ainda escravo do pecado e do diabo, servindo aos senhores da Terra em escala global e sob o poder da chibata dos capitães do mato a mando de organizações anônimas e de estados políticos.
A fim de viver a realidade da nossa libertação (redenção) nesse mundo “virtual” temos de deixar o Egito de faraós e deuses espaciais, passar através de pragas e maldições, salvos e protegidos pela realização da verdadeira páscoa do Cordeiro. A terra prometida da nossa libertação presente é uma de realidade com esperança, a cidade da santificação, capital terrena do reino dos céus cujo rei é o Senhor Jesus Cristo e, constituição é a sua Palavra. Assim, o nosso anúncio real é o Evangelho, e a nossa submissão servil é uma de viver redentivamente: conhecer a verdade divina, libertarmo-nos de toda forma de distorção diabólica de homens e e ideias, e de desejos carnais e demoníacos – enfim, “desfazer as obras do diabo”, para o que foi a manifestação do Filho de Deus (1Jo 3.8).
É claro que todos temos as nossas mazelas e pecados. Eu sei que não sei sequer uma unha das coisas do Espírito e que não cheguei a arranhar a soleira da porta do conhecimento e do sentimento de Cristo. Mas, não se iludam. Eu sei o que sei pelas misericórdias de Deus. Também eu tenho o Espírito que me guia e corrige. Ainda, não defendo a mim mesmo de críticas senão para corrigir meus erros. Pouco importa o que pensem ou falem de mim, senão quando ao testemunho verbal e vivo da fé, porque provavelmente será verdade. Hoje pela manhã duas pessoas falaram dos meus pecados, a saber, Deus e o diabo. O que importa é saber de quem vem o recado dos críticos. No entanto, para ser fiel ao Caminho, Verdade e Vida que me redimiu – como bem disse o irmão Calvino – devo defender a idoneidade do meu ministério e dos que deram crédito à minha pregação.
O aconselhamento redentivo dirige essa sabedoria da Palavra de Deus para trazer aos homens ao Senhor segundo o Evangelho de Deus em Cristo – a esperança de glória no anúncio, advertência e ensino em toda sabedoria até a maturidade do Homem Perfeito, Jesus.
Como disse o rei salmista, no Salmo 14.1-2:
Os cabeça de vento dizem que não há Deus. Eles são corruptos e abomináveis as suas obras, nada há que façam de bem ou do que é certo. O Senhor olha do céu para os filhos dos homens para ver se há quem entenda e haja sabiamente e que repense após Deus, dele inquirindo e dele requerendo o que é de vital necessidade. (cf. Romanos 3.10-12. Versão minha de Amplified Bible, Lockman Foundation.)
Não espero que este artigo alcance a todos nem que convença a todos. Ele é uma exortação (noutética) a que obedeçamos ao princípio do colocado no texto acima. Quero, também, que sirva para encorajar aos que leram ou ouviram sobre o Aconselhamento Redentivo e, entendendo a validade como perspectiva bíblica genuína, sejam ajudados na sua tarefa de ajudar.
Mogi das Cruzes, verão de 2024.