Essa Profecia não consiste de muitos oráculos, nem de muitos sermões, como outras profecias. Apenas anuncia sobre os idumeus uma destruição próxima, e em seguida promete uma restauração ao povo eleito de Deus. Porém, ameaça os idumeus a fim de ministrar consolação ao povo escolhido. Pois foi uma prova dolorosa e dura para os filhos de Jacó, um povo eleito, ver a posteridade de Esaú, o qual fora rejeitado por Deus, prosperando tanto em riqueza quanto em poder.
Como, pois, os filhos de Israel fossem miseráveis em comparação com seus parentes, a adoção divina teria parecido sem valor. E isso – que foi em grande medida a razão por que os israelitas preferissem o quinhão do outro – se observa entre nós: também nossa tristeza se intensifica e nosso enfado aumenta. Portanto, quando os israelitas viram os idumeus vivendo relaxadamente e fora de perigo, quando também os viram no gozo de toda abundância, ao passo que eles mesmos eram expostos como presa aos inimigos, continuamente esperando novas calamidades, não podia ter acontecido senão de a fé deles ter fracassado totalmente, ou ao menos ter se tornado muito enfraquecida. Por este motivo o Profeta mostra aqui que, apesar de os idumeus ora viverem em felicidade, todavia, dentro de um breve intervalo de tempo eles seriam destruídos, pois eram odiados por Deus; e revela que tal seria o caso, como perceberemos pelo conteúdo deste Livro, por causa do povo eleito.
Vemos agora, pois, o propósito do Profeta: como a adversidade podia ter enfraquecido os israelitas e até mesmo os levar ao colapso completo, o Profeta aqui aplica consolo e dá apoio às suas mentes deprimidas, pois o Senhor logo atentaria para eles e tomaria a devida vingança sobre os inimigos deles.
E a causa de essa profecia ser apontada contra os idumeus é somente esta: eles, como conhecemos, enfureceram-se com maior crueldade do que qualquer um outro contra os israelitas: pois não é à toa que se diz no Sl 137.7: ‘Lembra-te dos filhos de Edom no dia de Jerusalém, os quais diziam: Arrasai-a, arrasai-a até às fundações.’ Ora, não consta o tempo em que Obadias profetizou, mas é provável que tal profecia foi anunciada quando os idumeus se levantaram contra os israelitas e os atribularam com muitas vexações: pois parecem estar enganados os que pensam que Obadias viveu antes da época de Isaías. Parece que Jeremias (Jr 49.7-22) e esse Profeta valeram-se dos mesmos pensamentos e quase das mesmas palavras, como veremos subseqüentemente. O Espírito Santo, sem dúvida, podia ter exprimido as mesmas coisas em palavras diferentes; porém, aprouve a ele juntar estes dois testemunhos, para que estes lograssem mais crédito. Não sei se Obadias e Jeremias foram contemporâneos, e sobre tal assunto não precisamos aplicar muito labor. É-nos bastante conhecer que essa profecia foi acrescentada a outras para que os israelitas sentissem-se assegurados de que, conquanto seus parentes, os idumeus, prosperassem por um tempo, todavia, esses não escapariam da mão divina, mas em breve seriam obrigados a prestar contas de sua crueldade, visto como sem causa estiveram em violenta paixão contra o atribulado e aflito povo de Deus.
Ora, nosso Profeta no final revela que Deus se tornaria o vingador de tal crueldade, a qual os idumeus haviam exercido; pois, ainda que castigasse seu próprio povo, ele, todavia, não esqueceu sua aliança gratuita. Vamos agora às palavras.
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