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Mas que inferno! (De verdade)

Mas que inferno! (De verdade).

 

Na última semana de março deste ano, o Drudge Report citou uma entrevista com o Papa Francisco com um título em caixa alta típico de tabloides: O PAPA DECLARA QUE O INFERNO NÃO EXISTE. O papa supostamente teria dito a Eugenio Scalfari que “aqueles que não se arrependem e, portanto, não podem ser perdoados desaparecem. Não existe inferno, existe o desaparecimento de almas pecaminosas”. 

O Vaticano rapidamente desmentiu a notícia. A entrevista não foi uma entrevista. A citação não foi uma citação. Os leitores não deveriam assumir que a não entrevista continha as reais palavras do papa. Não ligue; nada digno de nota aí. 

Eu não posso inferir conclusões sobre as visões do papa, mas não seria surpreendente se ele cresse em alguma forma do que é chamado pelos teólogos de “aniquilacionismo”, a visão de que aqueles que se recusem a arrepender e crer são varridos da existência. 

Outros católicos são simpáticos a formas de aniquilacionismo. No seu livro Decreation [Descriação], Paulo Griffiths cautelosamente argumenta que a aniquilação é um fim possível para os seres humanos. Os condenados sofrem durante o estado intermediário, entre a morte e o juízo final. Mas, diz Griffiths, eles não são re-encarnados no final. Pelo contrário, após a sua pena ser cumprida, eles simplesmente cessam de existir. 

Apocalipse 20—21 conta uma história diferente. Não importando o que seja milênio, o livro termina com a rebelião final e abortiva de Satanás, o que leva ao juízo final. Os mortos — todos eles, aparentemente — são julgados segundo as suas obras. Aqueles cujos nomes não são encontrados no livro da vida são jogados no lago de fogo. 

Logo depois, João vê uma visão de “novo céu e nova terra”, a nova Jerusalém que aparece como uma noiva em procissão do céu para a terra. Isso é uma visão da ordem criacional final e consumada, a ordem “cívica” dos santos depois do juízo final. 

A Nova Jerusalém é cheia de delícias: Deus habita com o seu povo e enxuga as suas lágrimas; ele destrói a morte, o luto, o choro e a dor. Mas o lago de fogo ainda está ali, ardendo com “fogo e enxofre”. É a “segunda morte”, o lugar eterno para os covardes, os incrédulos, os abomináveis, os sexualmente imorais, os assassinos, os feiticeiros, os idólatras e os mentirosos. 

Ressalve-se o caráter visionário, simbólico, alegórico de Apocalipse. Reconheça-se que o lago de fogo não é um lago literal nem um fogo literal. Afinal, homens e mulheres não são os únicos no lago de fogo. A Morte e o Hades também são jogados nele. 

Mesmo com todas essas ressalvas, ainda assim: o lago de fogo ainda é uma das partes do estado final da criação e ele significa algo. Por que ele ainda estaria ali se ninguém estivesse dentro? Por que Deus manteria o fogo ardendo se aqueles que ali foram postos simplesmente cessaram de existir? 

Apocalipse 21 não menciona o tormento, mas Apocalipse 14 menciona. Um anjo voa pelo céu advertindo aqueles que adoram a besta e recebem a sua marca que eles serão “atormentado[s] com fogo e enxofre]”. A punição para os adoradores da besta antecipa o destino de todos os impenitentes, que também serão atormentados com fogo e enxofre. Assim como Jesus, João adverte sobre um lugar de fogo de sofrimento eterno (Mt 18.9; Mc 9.43-48).  

Apocalipse 14 adiciona outra dimensão importante à figura. O fogo e o enxofre estão “diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro”. O lago de fogo é, em certo sentido, uma expulsão da presença de Deus. Ao mesmo tempo, o lago de fogo está na presença de Deus. 

Todos, não meramente os penitentes que são salvos, passarão a eternidade na presença de Deus. Alguns acharão a sua presença prazeirosa. Alguns a considerarão um tormento. 

Podemos dar um passo a mais, um passo mais especulativo. O próprio Deus é “fogo consumidor” (Hb 12.29), especialmente quando ele arde com zelo (Dt 4.24). O zelo de Deus é expresso como ira punitiva, mas é fundamentalmente uma expressão de amor divino. Qualquer amante que se preze defende o que ele ama. Já que Deus é Amor, ele age com zelo quando a sua noiva flerta com deuses estranhos. 

Se seguirmos essa linha do imaginário bíblico, concluímos que o fogo do lago simboliza o amor ardente do Deus cujo Nome é Zeloso. Uma multidão inumerável (Ap 7.9) vai se aquecer eternamente no amor incandescente do Deus trino. Jogados no mesmo amor incandescente, os incrédulos e os demais o considerarão uma tortura eterna. 

Isso é compatível com a visão do inferno na ortodoxia oriental. Segundo um teólogo ortodoxo, a ortodoxia “não distingue, essencialmente, entre o fogo do inferno e a luz da glória de Deus”. A danação é “a resistência da alma à beleza da glória de Deus, sua recusa de se abrir perante o amor divino, o que leva o amor divino a parecer ser um castigo externo”. 

Apocalipse dá um passo além de Dante. Dante reconheceu que o inferno era uma “criação do amor supremo”. Apocalipse sugere que o inferno é idêntico ao amor supremo, conforme experimentado por pecadores que, nas palavras de C. S. Lewis, preferem a justiça própria do que a justiça de Deus e “o senso deformado de satisfação de se manter em amargura, ressentimento e mágoa” do que as delícias à destra de Deus. 

Talvez essa seja uma linha que o Papa Francisco queira relembrar antes da próxima entrevista.

 

Peter J. Leithart é Presidente do Theopolis Institute. 

O original foi publicado em First Things. 

Traduzido por: Guilherme Cordeiro