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Não Bajularás

Tradução: Felipe Barnabé

Existem certos pecados públicos que são considerados aceitáveis ​​no mundo reformado. Em minha experiência, a bajulação tem sido o pecado aceitável no circuito de conferências populares e nos círculos de mídia social, onde as pessoas buscam a aprovação de seus superiores. Se você quiser ouvir um bom obituário acerca de uma pessoa viva, ouça a maneira como certos palestrantes são apresentados antes de proferirem suas palestras em uma conferência. Publilius Syrus (85-43 aC) afirmou: “A bajulação, que antes era um vício, agora tornou-se um costume”. Plus ça change, plus c’est la même choose [Quanto mais as coisas mudam, mais mantém-se iguais].

Nas conferências atuais, os palestrantes dirão coisas como: “Sou apenas o aquecimento para o cara que vem depois de mim”; ou “Eu não sei como alguém pode falar depois disso…”.

Tácito, o orador e historiador romano, dizia que os bajuladores “são os piores tipos de inimigos”; na verdade, trabalham “sob a carga odiosa de servilismo”. O bajulador parece ser amigo de todos, mas o desejo de autopromoção é uma forma de escravidão que se disfarça de bondade quando, na verdade, é o egoísmo que impulsiona o elogio.

Para o público, a lisonja é boa, desde que a pessoa que está sendo elogiada publicamente em excesso seja alguém que aprove. Então, isso, no que lhe cabe, não seria bajulação, mas honra e respeito por um homem bom. Se gostamos da pessoa que está sendo elogiada, não há problema em dizer: “Acho que 5% deste homem bom vale mais do que todo o mundo evangélico junto”. No entanto, como Owen Feltham (1602-1668) observou devidamente: “não há pior detração do que elogiar demais um homem, pois se seu valor for inferior ao que dizem dele, suas próprias ações estarão sempre desmentindo sua honra”. Elogiar demais alguém coloca um fardo desnecessariamente pesado sobre ele.

Lembro-me de ter falado, há muitos anos, em uma conferência teológica ostensivamente reformada na Flórida, na qual Ravi Zacharias foi o único orador a receber uma ovação de pé após sua palestra. Ele foi tratado como um deus, o qual podia determinar suas próprias regras de vida! Qualquer um que não consiga ver os perigos de elogios excessivos a um mero homem é ridiculamente ingênuo. Os reformados enfatizam o poder do pecado interior, mas seus heróis teológicos parecem ser claramente imunes ao orgulho e nunca permitiriam que elogios constantes e efusivos subissem à sua cabeça. Um antigo provérbio inglês lembra-nos pungentemente que: “Quando bajuladores se juntam, o diabo janta”. Onde o diabo conseguiria seus melhores jantares?

Homens que são constantemente lisonjeados, devido à sua posição pública, geralmente recebem muito pouca resistência substancial. Raramente são desafiados, exortados ou chamados a se arrepender do pecado. Alguns deles não são pastores de fato, que cuidam de um rebanho, mas palestrantes profissionais, que viajam para palestrar, o que os coloca em uma posição ainda mais perigosa. Os palestrantes de conferências geralmente possuem um tipo de imunidade em seus círculos imediatos, o que significa que devemos ser cautelosos quanto aos elogios que recebem em público.

O perigo para a pessoa lisonjeada

Jeremy Collier (1650-1726) observou sabiamente que “a lisonja é uma qualidade sedutora e deixa uma impressão muito perigosa. Empapuça a imaginação de um homem, entretém sua vaidade e o leva a uma paixão por si próprio”. Mesmo em nosso estado de santificação, quando recebemos elogios excessivos, começamos, rápida e facilmente, a acreditar no exagero, especialmente se ele é oferecido repetidas vezes. O perigo da lisonja para nossa alma é incalculável. John Flavel disse que carregamos pólvora sobre nós e, portanto, devemos evitar aqueles que carregam fogo (para que não explodamos): “há um grande perigo quando um coração orgulhoso se encontra com lábios lisonjeiros”. Aqueles que bajulam são culpados de quebrar (pelo menos) o sexto, nono e décimo mandamentos.

Será que realmente precisamos ouvir mais do que o que Cristo nos diz? “Muito bem, servo bom e fiel” são as palavras prometidas aos fiéis pelo próprio Cristo; ainda assim, queremos superá-lo, dizendo: “este servo vale mais do que 10.000 outros!”

Imagine como seria apresentar o apóstolo Paulo em uma conferência hoje. Em vez de agradecer a Deus por um servo bom e fiel, poderíamos ouvir: “Gostaria de dar as boas-vindas ao Rev. Dr. Apóstolo Paulo, que tem mais motivos para confiar na carne do que qualquer outro aqui; ele foi circuncidado no oitavo dia, veio do povo de Israel… estamos tão felizes de ter conosco a pessoa mais irrepreensível, que é também o maior de todos os apóstolos”.

O desejo do próprio Paulo era garantir que Cristo tivesse a honra e a glória, já que Deus é zeloso por sua glória e pela glória de seu Filho. O currículo de Paulo foi marcado por fraquezas, sofrimentos e perseguições por causa de Cristo.

O que manteve Cristo humilde?

O Pai ordenou a vida de Cristo de forma a mantê-lo, seu próprio Filho amado, humilde. Se existia alguém capaz de lidar com o louvor, era Cristo. Mas ele foi designado como servo sofredor do Senhor. Foi constantemente rejeitado e mesmo quando muitos afirmavam ter fé nele, ele questionava se realmente acreditavam (veja o evangelho de João). Jesus evitou declarações públicas que sabia que não procediam da verdade.

Ele perguntou a seus discípulos, os quais havia escolhido para orar com ele, “quem” ele era (Lc 9.18, 20). Ele estaria orando para que reconhecessem sua identidade messiânica? Nesse caso, obteve sua resposta com a confissão de Pedro acerca dele como “o Cristo de Deus” (v. 20). Longe de tal resposta levá-lo ao orgulho, ela o lembraria da miséria que viria para o Messias de Deus. Assim, imediatamente após a confissão de Pedro, Cristo lembra-os: “É necessário que o Filho do Homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e, no terceiro dia, ressuscite” (Lc 9.22). Se alguma vez houve louvor — e não se poderia falar de maneira exagerada a respeito das glórias de Cristo —, houve humilhação suficiente para afastá-lo do orgulho e da autossuficiência. Jesus foi um teólogo da cruz, o que moldou sua visão de si mesmo.

Então, por que nos tornamos teólogos da glória no que diz respeito a nossos irmãos que deveriam estar exaltando a Cristo? Parece-me estranho que tantos recebam sua própria exaltação imediatamente antes de dizer aos outros que exaltem ao Salvador.

Um apelo à sanidade

Tive o privilégio de poder falar em muitos países diferentes, bem como ouvir palestrantes em conferências por todo o mundo. Embora seja profundamente grato a Deus pelas bênçãos teológicas maravilhosas que vieram dos Estados Unidos para o resto do mundo, parece-me que os norte-americanos têm uma inclinação particular para lisonjas e hipérboles. É tão comum que eles podem nem estar cientes de como parece ruim.

Seria bom, penso eu, se pudéssemos diminuir os elogios excessivos de indivíduos em público. Aqueles que o fazem parecem estar muitas vezes agindo em interesse próprio e precisam ser impedidos e se arrepender.

Lembre-se, a lisonja é prejudicial: “A língua falsa aborrece a quem feriu, e a boca lisonjeira é causa de ruína” (Pv 26.28); “O homem que lisonjeia a seu próximo arma-lhe uma rede aos passos” (Pv 29.5).

O salmo 12 é um lamento comunitário e parece apropriado para os nossos dias:

[1] Socorro, Senhor! Porque já não há homens piedosos; desaparecem os fiéis entre os filhos dos homens.

[2] Falam com falsidade uns aos outros, falam com lábios bajuladores e coração fingido.

[3] Corte o Senhor todos os lábios bajuladores, a língua que fala soberbamente…

Que possamos cortar os lábios bajuladores e simplesmente reconhecer e louvar a Deus pelos servos fiéis de Cristo, para que o povo de Deus não tenha dúvidas de quem é o glorioso quando, infelizmente, às vezes é difícil dizer.

Mark Jones (Ph.D., Leiden) é ministro da Faith Vancouver Presbyterian Church (PCA), no Canadá desde 2007. É autor dos livros Fé, esperança e amor, Deus é e Se eu pudesse falar, todos publicados pela Editora Monergismo.

Fonte: Thou Shalt Not Flatter (At Conferences)