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O Futuro Mariano do Homem

Traduzido por Fabrício Tavares

Ao longo das páginas da Bíblia, a esperança adota a forma de uma criança. O “um filho nos nasceu” ecoa e re-ecoa por todo o cânone. Adão e Eva esperam pela Semente; Abraão e Sara, por Isaque; Isaque e Rebeca, por Esaú e Jacó; Jacó, por seu filho perdido, José; o povo de Judá, pelo rebento davídico oculto, Joás.

            A esperança é filial e, por isto, também é maternal. A gravidez implica a experiência da esperança como a realidade presente do futuro bem. Para sua mãe, um filho ainda não nascido é inescapável. Ela sente seus chutes, espreguiçamentos e piruetas ondulando por seu abdômen. Dentro do cálido balneário do útero, ele ouve a voz da mãe, aprende sua voz, responde ao seu amor. A gravidez é presença real da alegria ainda não vista.

            A esperança amadurece por meio da antecipação da consecução mediante a dolorosa passagem do parto. Uma mãe se debate na angústia, à beira do desespero, para trazer à luz sua criança oculta. Esse, diz-nos Paulo, é o estado da criação, que “geme e está juntamente com dores de parto até agora” (Romanos 8.22, versão ARC) – não para tornar presente o que está ausente, mas para manifestar o que agora é secreto. As dores de parto, diz Jesus, são também a vida do discípulo: “a mulher, quando está para dar à luz, tem tristeza, porque a sua hora é chegada; mas, depois de nascido o menino, já não se lembra da aflição, pelo prazer que tem de ter nascido ao mundo um homem. Assim também agora vós tendes tristeza; mas outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar” (João 16.21, 22). Somente por meio da tribulação é que a esperança de fato conhece seu advento neste mundo.

            Todas essas coisas têm seu cumprimento literal em Maria. Ela é a primeira portadora do mistério, “Cristo em vós, a esperança da glória” (Colossenses 1.27), e mediante sua gravidez a esperança se faz carne. Porém, Maria é mais que isso – não simplesmente o exemplo da esperança, mas as primícias daquilo pelo qual esperamos. O advento realiza a promessa do Filho, mas o Filho se volta para introduzir sua mãe à nova criação que ele inaugura. Maria está com Jesus, e Jesus está com Maria, ambos presentes na nova criação.

            A cena da anunciação narrada por Lucas dilata-se com a música da nova criação, em grande parte num tom mariano. Por meio da maternidade miraculosa de Sara, Rebeca, Raquel e Ana, Javé prenuncia a promessa de Gênesis 3.15, que profetiza a maternidade miraculosa de Maria. Isabel indiretamente se dirige à Maria como um nova Eva. Ela saúda Maria dizendo: “Bendita és tu entre as mulheres” (Lucas 1.42), um eco do louvor de Débora a Jael: “Bendita seja sobre as mulheres Jael, mulher de Héber, o queneu; bendita seja sobre as mulheres que vivem em tendas” (Juízes 5.24). Jael é bendita, pois livrou Israel ao cravar uma estaca da tenda na têmpora de Sísera. Por meio de seu Filho, Maria faz o mesmo, dando luz à Semente enviada para esmagar a cabeça da serpente.

            O anjo Gabriel traz as boas-novas a Maria (Lucas 1.26). A única aparição de Gabriel no Antigo Testamento é no livro de Daniel (8.15-28; 9.20-27), numa passagem em que, dentre outras coisas, ele profetiza que “setenta semanas” passarão entre o decreto de Ciro e a manifestação do “Ungido, o Princípe”. A reaparição de Gabriel, primeiramente no templo em Jerusalém (Lucas 1.19) e em seguida em Nazaré, indica que sua profecia secular está próxima de se cumprir. As setentas semanas estão se encerrando. Os tempos dos gentios estão próximos do fim. O livramento está perto. Uma nova era desponta.

            Gabriel diz a Maria que o Espírito “a envolverá com a sua sombra” (Lucas 1.32-35). Quando o mundo nascia, o mesmo Espírito pairava sobre o útero aquoso da terra, tocando-o à vida, ordem e beleza. O Filho do Altíssimo no útero de Maria é um novo cosmos em pessoa, a encarnação do Verbo em quem tudo subsiste, mas Maria é também uma figura cósmica, a matriz na qual o Espírito dá forma humana ao Filho. “Envolver com sua sombra” também invoca a cena final do livro de Êxodo, quando a nuvem de glória de Javé desce do Sinai para entronizar-se nas asas do querubim e consagrar o santuário interno do tabernáculo (Êxodo 40.34). Por meio do Espírito, Maria se torna o santo lugar, gestando “o ente santo que há de nascer” (Lucas 1.34, to gennomenon hagion). João chama Jesus de o tabernáculo, a habitação terrena da glória de Deus (João 1.14), mas Lucas dá um impressionante passo adiante: semelhante gera semelhante; o Verbo está tabernacularizado porque procede de uma mãe que já havia sido consagrada como um templo vivo. A nova criação formada pelo Espírito começa em Maria no momento mesmo que nela é plantada como sua Semente. Antes que o Redentor do mundo mostrasse sua sagrada face, ele começara a criar a Humanidade 2.0, sendo Maria o protótipo.             O futuro do homem é mariano. Todos nós, como Paulo, sofremos dores de parto até que Cristo seja formado em nós, até que Cristo seja formado entre nós, até que os filhos de Deus sejam revelados na plenitude de nossa glória (Gálatas 4.19). Mediante o Espírito que envolve com sua sombra, a nova criação já agora gesta no útero do mundo. Assim como todas as coisas na criação, permanecemos firmes na esperança mariana, ansiando por dar à luz a Semente que já carregamos, ansiando por crescer à medida da estatura da plenitude da mãe de nosso Senhor.