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O pecado da atração homossexual

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Há muita confusão sobre a natureza da tentação e da atração pelo mesmo sexo. Muitos cristãos, até mesmo pastores e teólogos, alguns dos quais são ostensivamente reformados, acreditam que a tentação entre pessoas do mesmo sexo não é pecado. Para eles, só há pecado quando ocorre o ato. Outros afirmam que o pecado original nos torna culpados diante de Deus, mas esse pecado não produz algo culpável, a menos que a vontade concorde com o desejo. Então, argumentam, um pensamento impuro pode surgir, mas se lutarmos contra ele, não pecamos. O que devemos fazer com esses e outros argumentos  semelhantes?

A mente

Os atos internos da mente envolvem, como diz Thomas Goodwin em sua obra A vaidade dos pensamentos: “todos aqueles raciocínios, consultas, propósitos, resoluções, intenções, fins, desejos e cuidados da mente do homem, que estão em oposição às nossas palavras e ações externas” (Works, 3:510).

O próprio Goodwin reconhece que “os homens geralmente pensam que os pensamentos são livres”. Mas a lei julga nossos pensamentos (Hb 4.12); pensamentos podem receber perdão (At 8.22); podemos nos arrepender de nossos pensamentos (Is 55.7); pensamentos podem contaminar uma pessoa (Mt 15.18–19); e pensamentos também podem revelar hipocrisia (Is 29.13).

Goodwin conclui sua análise dos pensamentos pecaminosos observando que nossos pensamentos “são os primeiros impulsionadores de todo o mal em nós. Pois eles criam o movimento, e também unem o coração e o objeto, são provocadores de nossas concupiscências, sustentam o objeto até que o coração tenha adulterado com ele, e cometido loucura: assim, na especulação da impureza, e em outras concupiscências, eles erguem as imagens dos deuses que criam, aos quais o coração cede e adora; apresentam crédito, riqueza, beleza, até que o coração os tenha adorado, mesmo quando as próprias coisas estão ausentes” (Works, 3:512–13).

Os primeiros movimentos da mente (isto é, pensamentos), quando desagradáveis ​​à lei de Deus, são pecaminosos. Como diz a CFW (6.5), a corrupção da natureza permanece nos regenerados, e enquanto em Cristo os nossos pecados são perdoados (justificação) e mortificados (santificação), “no entanto, tanto ela como todos os seus movimentos são verdadeira e propriamente pecado”.

E devemos estar cientes de que Deus monitora nossos movimentos internos melhor do que outra pessoa monitora nossas ações externas. Como diz Charnock: “Deveríamos envergonhar-nos com o surgimento de pensamentos impuros diante de Deus com a mesma intensidade que nos envergonhamos quando nossas ações indignas são descobertas pelos homens, se vivêssemos sob a sensação de que nem um pensamento de todos aqueles milhões, que flutuam em nossas mentes, podem ser ocultados dele. Quão vigilantes e cuidadosos devemos ser com nossos corações e pensamentos” (Existence and Attributes, p. 733).

Por que deveríamos corar diante do surgimento de um pensamento impuro, se tal pensamento não é pecado?

A permissividade de um pensamento deve ser governada pela vontade de Deus, especificamente pela sua lei, que fornece uma base moral para o que é certo e o que é errado. Pensamentos e desejos surgem da vontade, mas como devemos entender o pecado em relação à vontade?

A vontade

Ao tentar compreender se a atração homossexual é pecaminosa ou não, deve-se considerar a maneira como falamos acerca de pecado voluntário em relação à vontade. Podemos distinguir entre a vontade considerada de forma limitada (estritamente) e de forma ampla (geral). Esta é uma distinção importante, assim como distinguimos entre a imagem de Deus de forma ampla e estrita. (Perdemos a imagem de Deus, em sentido estrito; mas, em termos gerais, ela não foi perdida e por isso ainda podemos dizer que fomos feitos à imagem de Deus, Gn 9.6; Tg 3.9).

No que diz respeito à forma restrita, ela refere-se àquilo que é feito por um movimento deliberado da vontade. No entanto, com respeito à vontade considerada de forma ampla, ela refere-se a qualquer coisa que afete a vontade ou dependa dela. Todo pecado é voluntário em certo sentido, se estivermos falando sobre a vontade considerada “amplamente”. Mas, de forma restrita, nem todo pecado é necessariamente voluntário. Um pensamento pode aparecer “de repente” diante de nossa mente, sem qualquer desejo consciente de que ele apareça. Para usar a linguagem de Goodwin, são como “batidas e interrupções”, que podem invadir o coração de um crente. Contudo, isso não significa que um certo pecado “involuntário” possa ignorar a vontade.

Alguns membros da tradição católica romana argumentaram que os movimentos involuntários opostos à lei de Deus não são pecados. François Turretini afirma que “os primeiros movimentos de concupiscência não deixam de ser pecados, embora não sejam totalmente voluntários nem estejam em nosso poder”. (Institutes, 9.2.5).

Voltando à vontade considerada de forma ampla, Bavinck explica bem como os pecados involuntários simplesmente não podem ocorrer fora da vontade humana:

“Não existe apenas um antecedente, mas também um concomitante, um consequente e uma vontade de aprovação. Mais tarde, em maior ou menor grau, a vontade aprova a pecaminosidade da nossa natureza e deleita-se nela. O pecado cometido sem ter sido desejado não ocorre totalmente à parte da vontade”. (Reformed Dogmatics, 3:144)

Tudo isto quer dizer que nunca poderemos desculpar os nossos pensamentos ou desejos impuros só porque não são atos voluntários. A vontade, em certo sentido, está sempre em ação, pois, enquanto seres humanos, nunca deixamos de exercer vontade. Ser é exercer vontade. Além disso, esses desejos “involuntários” pecaminosos que ocorrem são o resultado de certos padrões de pensamento que cultivamos em nossas vidas. Se meditamos frequentemente sobre pensamentos pecaminosos, não deveríamos ficar surpresos com os pensamentos pecaminosos intrusivos “involuntários” que ocorrem. Por outro lado, ao cultivarmos bons pensamentos, não deveríamos nos surpreender com pensamentos “involuntários” retos que emergem da vontade. Em outras palavras, somos responsáveis ​​por tudo o que pensamos porque nossos pensamentos não estão isolados de quem somos.

Tentação e pecado

Desejar no coração aquilo que se opõe à lei de Deus é oposição ao que é bom. Estamos falando aqui de tentações internas, entendidas como a deliberação em pecar. Assim, o pecado tem vários estágios, como segue:

A) Inclinação e propensão, um ato da vontade considerada de forma ampla ou restrita (involuntária e voluntária).

B) Deliberação (via tentação interna ou externa ou ambas).

C) A resolução de pecar (sempre voluntária).

D) O ato em si.

E) Um certo prazer em realizar o ato.

F) Vanglorização.

G) Repetição deliberada do ato.

Não há fase em que não sejamos culpados. Obviamente, nem todas as etapas são necessárias para que o pecado aconteça. A tentação, interiormente, pode ser pecaminosa, mas um cristão pode se arrepender de uma tentação interior antes que ela se torne um desejo de executar ou agir de acordo com o pecado.

O que é tentação? Como observa John Owen: “É despertar no coração e propor à mente e às afeições aquilo que é mau; testando, por assim dizer, se a alma irá atender às suas sugestões ou até que ponto as levará adiante, embora não prevaleça totalmente. Agora, quando tal tentação vem de fora, é para a alma uma coisa indiferente, nem boa nem má, a menos que seja consentida; mas a própria proposta que brota de dentro, sendo o ato da própria alma, é o seu pecado” (Works, 6:194).

Se a tentação for entendida desta forma, então uma proposta voltada para o que é mau (por exemplo, atração pelo mesmo sexo) é pecaminosa.

Como observa John Davenant: “embora a faculdade do desejo em si não seja pecado, ainda assim sua inclinação e propensão para o mal é pecado; mesmo em alguém adormecido, quando na verdade não se inclina ao pecado” (A Treatise on Justification, 1:127). Como aqueles que ainda têm pecados em nosso interior, temos a inclinação ao pecado que pode levar a atos pecaminosos. Mortificamos não apenas os atos, mas também a inclinação, o que significa que nos arrependemos não apenas do ato, mas também da inclinação ao pecado (ou seja, de sua simples presença). Em outras palavras, nos arrependemos de quem somos, embora perdoados, porque ainda somos aqueles que possuem impureza em nosso próprio ser. Davi não estava preocupado apenas com seus atos no Salmo 51, mas com o próprio fato de sua pecaminosidade.

Cristo foi tentado de todas as maneiras

Dado o que foi dito acima, sustento que Cristo não estava “sujeito a tentações internas”. Se eu puder resumir a visão básica dos teólogos reformados, argumentaria o seguinte:

Nossas tentações normalmente surgem de nosso interior, à medida que somos atraídos por desejos que dão origem a pecados, como a incredulidade e a luxúria pecaminosa (Tg 1.14-15). Jesus estava livre desses tipos de tentações. Ele não possuía uma inclinação para o mal ou uma “propensão” ao desejo do mal vindo de dentro.

Por exemplo, como o Imaculado, cheio do Espírito além da medida, ele não experimentou luxúria em seu coração por uma mulher; entretanto, isso não significa que ele não achasse certas mulheres atraentes. Como homem, ele teria sentido uma atração natural por uma mulher bonita. A beleza é necessariamente atraente. No entanto, esta “atração” sempre foi mantida perfeitamente sob controle. Nunca passou para o reino da luxúria ou da cobiça. Ele não apenas tratou, mas pensou nas mulheres com “pureza absoluta” (1Tm 5.2).

Depender de si mesmo ou ceder por um momento a um pensamento ou ação lasciva sempre traz consigo um apelo, mas Jesus não podia fazer e não o fez. Ele sempre se confiou ao seu Pai. Sempre respondia perfeitamente a qualquer situação em que se sentia tentado.

Não houve, entretanto, impulsos pecaminosos em Cristo que se originassem de dentro de sua natureza humana. Por Jesus ter enfermidades, ele tinha fraquezas humanas naturais que, por exemplo, o deixavam sujeito à fome. Assim, o diabo o tentou naquela área na esperança de que Jesus não dependesse de Deus, mas somente do pão. O desejo de comer quando está com fome não é pecaminoso, mas tal desejo às custas da fé na provisão de Deus o é.

A luxúria homossexual, mesmo que não seja praticada, é pecaminosa. Até mesmo a atração homossexual deve ser mortificada porque não é natural, mas sim antinatural. É uma tentação para o que é mau. Portanto, não apenas o ato em si, mas também a “deliberação” que surge da “inclinação e propensão” é pecaminosa e precisa ser mortificada (Rm 8.13). As inclinações precisam ser reorientadas para que as propensões sejam reorientadas. Desta forma, o filho justificado de Deus é cada vez mais libertado das resoluções de pecar.

A fé cristã tem visto a orientação homossexual, de fato, como uma perversão e a sua expressão como um pecado grave. Mas se as pessoas quiserem argumentar que a tentação interior na forma de desejos homossexuais não é inerentemente pecaminosa porque Cristo foi tentado de todas as maneiras como nós somos, terão de fazer um pouco melhor do que simplesmente fazer tal afirmação.

Resumo

Quanto àqueles que desejam argumentar que o pecado original nos torna culpados diante de Deus, mas o pecado original produz algo que não é culpável, a menos que a vontade concorde com esse desejo, eles devem manter uma visão da vontade que é bastante diferente da visão reformada clássica. A atração pelo mesmo sexo é um ato da vontade, mas é um ato desordenado e, portanto, precisa ser mortificado e motivo de arrependimento.

Em Cristo, estes movimentos não são apenas perdoados, mas podem e devem ser mortificados. Na medida em que vestirmos o que é bom, abandonaremos o que é mau; os movimentos internos que surgirem serão mais semelhantes aos de Cristo do que carnais, à medida que continuamos a pensar sobre “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honroso, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, [e] tudo o que é louvável…” (Fp 4.8).

Mark Jones (Ph.D., Leiden) é ministro da Faith Vancouver Presbyterian Church (PCA), Canadá, desde 2007.

Tradução de Rafael Sanguinetti

Fonte: https://www.reformation21.org/blog/same-sex-attraction-as-sin