1. Deus
15 de junho de 1954
Bom dia, amigos. Vez por outra, nossos filhos nos surpreendem com uma pergunta simples, mas de escopo vasto, e nos deixam à procura de respostas. Uma dessas perguntas é: “Quem é Deus?” ou “o que é Deus?”. Como responderemos a essa pergunta, tanto a nós mesmos quanto a nossos filhos? Afinal, o que é Deus? A pergunta não é nova. Há muito tempo, no monte Horebe, um pastor chamado Moisés recebeu a ordem de voltar ao Egito e libertar seu povo do cativeiro. Moisés hesitou diante da ordem divina, dizendo que o povo questionaria sua autoridade. “Que lhes direi?”, questionou, “se me perguntarem seu nome, isto é, a definição do Deus que me envia?” “Deus disse a Moisés: Eu sou o que sou. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou a vós outros” (Ex 3.14). Como Deus definiu-se ou nomeou-se a Moisés? Como o autoexistente e autossuficiente. Deus não apelou a nada que conhecemos para declarar-se a si mesmo: Simplesmente afirmou: Eu sou o que sou.
Como compreenderemos esta definição? A primeira e mais importante ideia é a seguinte: Deus recusou-se a definir-se a si mesmo; em vez disso, revelou-se a si mesmo. Sua definição, Eu sou o que sou, é na verdade a rejeição de uma definição. Definir algo é limitá-lo, estabelecer fronteiras e compreender seu território e natureza. Isso nenhum homem pode fazer com Deus, pois, para definir ou compreender a Deus, o homem teria de ter uma mente igual à de Deus. Todo sistema doutrinário ou de pensamento que nos dá um deus que podemos entender nos dá um deus existente apenas na imaginação do homem, não na realidade. Quando tornamos Deus compreensível ou inteligível, fazemo-lo menor que o homem, e tal pensamento sempre torna homem e o universo incompreensíveis e, em última análise, divinos. Assim, a primeira e mais importante ideia em nosso pensamento acerca de Deus deve ser este: que Deus está além do entendimento humano, que Deus recusa-se, quando lhe perguntam seu nome ou definição, a fazer mais do que afirmar sua autossuficiência e sua autoexistência: Eu sou o que sou.
A segunda coisa que vemos quando examinamos a resposta de Deus é esta: embora Deus recuse-se a definir-se, ele se revela. Portanto, a medida que conhecemos a Deus é a medida que ele revela de si mesmo. Nosso conhecimento de Deus, portanto, não depende de nossa compreensão, mas da autorrevelação dele. O impacto imediato desta situação é que o homem jamais pode provar a existência de Deus e que todos os argumentos a favor da existência de Deus são vaidade e provas falsas. O único Deus que o homem pode provar por seu raciocínio é um deus menor que o homem e, portanto, não é Deus, pois Deus é conhecido, não por nossa descoberta ou reconhecimento, mas por sua autorrevelação. Porque é nosso criador, tanto nós como todas as coisas ao nosso redor são compreensíveis à luz dele. Não é a nossa mente, mas a pessoa dele que é a chave de todas as coisas. É tolice tentar prova-lo à parte de quem não há fato.
Como Deus se revela a nós? O primeiro modo como Deus se revela a nós é por meio da natureza, isto é, por meio de toda a criação. Tudo dá testemunho dele, e nada faz sentido se separado dele. Como diz Paulo: “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis” (Rm 1.20). Mas, porque estão em rebelião contra Deus, os homens preferem mudar a verdade de Deus em mentira (Rm 1.25) e adoram a si mesmos, em lugar do criador. Portanto, embora Deus se revele na natureza na medida em que o homem é indesculpável, o homem rejeita este conhecimento e não lhe admitirá a existência.
Como resultado, Deus se revela a nós de uma segunda forma, na pessoa de Jesus Cristo. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14). “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18).
Entretanto, nosso conhecimento da autorrevelação de Deus na natureza e em Jesus Cristo é dependente de um terceiro aspecto da autorrevelação de Deus, a saber, as Escrituras. A medida em que aceitamos a Bíblia e a tomamos como base exclusiva de todos os nossos pressupostos e pensamentos também é a medida em que o vemos na criação e em Cristo. Desse modo, tudo revela Deus a nós porque reconhecemos todos os fatos criados como parte da revelação de Deus ao homem. Prostramo-nos diante de Deus e ouvimo-lhe a palavra, em vez de prostrar-nos diante do homem e da palavra deste. “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rm 10.17 , ARC).
Assim, a resposta à pergunta “O que é Deus?” é a seguinte: Deus é o que ele diz que é em sua autorrevelação, e nunca o que o homem entende que ele seja. Portanto, nas palavras do Catecismo Maior, quando este resume a Escritura:
“Deus é espírito, em si e por si infinito em seu ser, glória, bem-aventurança e perfeição; todo-suficiente, eterno, imutável, insondável, onipresente, infinito em poder, sabedoria, santidade, justiça, misericórdia e clemência, longânimo e cheio de bondade e verdade”. (CMW R:7)
“Porventura, desvendarás os arcanos de Deus ou penetrarás até à perfeição do Todo-Poderoso? Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás fazer? Mais profunda é ela do que o abismo; que poderás saber? A sua medida é mais longa do que a terra e mais larga do que o mar” (Jó 11.7-9).
“Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.-0).
Tradução: William Campos da Cruz
Fonte: Bom dia, amigos (vol. 1), de R. J. Rushdoony (futuro lançamento ad Monergismo).