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«O tédio das análises de cosmovisão» por Jake Meador

Ontem, num episódio do podcast “The Briefing”, o Dr. Al Mohler, do Seminário Batista do Sul, fez algumas reflexões sobre a morte do renomado físico Stephen Hawking. Você pode ler a transcrição completa da faixa de oito minutos usando o link acima.

Eis o resumo do episódio que o próprio Mohler disponibilizou na página do Facebook, que, creio eu, é bastante sugestivo do que ele falou no seu programa:

 

Cremos que Stephen Hawking e todo seu brilhantismo simplesmente evidenciavam o fato de que ele era um ser humano criado à imagem de Deus, mas um ser humano que morreu sem Deus. Essa é a grande tragédia, mas não é o que provavelmente leremos nos obituários. Antes, o que veremos é um mundo secular tentando encontrar uma razão secular para celebrar um pensador secular e dizer algo relevante sobre o sentido de sua vida. Ao final de seus esforços, a cosmovisão secular não pode apresentar sequer um argumento para explicar por que a vida de Stephen Hawking (ou a minha, ou ainda a sua) foi em algum momento relevante. Apenas a cosmovisão bíblica pode responder a essa questão, e ela o faz de forma bastante profunda.

 

O que me impactou, no entanto, quando um amigo mostrou essa postagem para mim, foi o seguinte: se você substituir o nome “Hawking” por “Oppenheimer” e se, na plataforma do Facebook, trocasse o nome e foto do perfil de Mohler pelo nome e foto de Schaeffer, você poderia mostrar toda a postagem para alguém, dizer que Schaeffer escreveu isso na ocasião do falecimento de Oppenheimer, em 1968, e… seria bastante crível.

 

Bem, amo Schaeffer, então não faço essa referência apenas para criticar o Dr. Mohler. Se tivéssemos de falar como um evangélico dos anos de 1960, Schaeffer seria uma ótima opção. E, no entanto, quando lemos essa abordagem sobre a morte de Hawking, o tédio que ela provoca salta aos nossos olhos.

No início desta semana, publicamos um ensaio no qual Susannah Black aborda a nova versão do filme Uma dobra no tempo (2018). No texto, Susannah tratou como o exemplo de Madeleine L’Engle fez com que, de algum modo, fosse “OK” alguém como ela – uma novaiorquina de nascença e sem quaisquer raízes cristãs – se tornasse cristã. Aquilo que ela sabia, isto é, que o mundo é belo e parece indicar-nos algo para além; que as pessoas são notavelmente inventivas e capazes de grandes coisas; e que a criação pode deleitar-nos, de modo surpreendente, por meio do inesperado e das dádivas, tudo isso estava lá igualmente em L’Engle… e L’Engle era uma cristã. Assim, ela também podia se tornar uma cristã.

Esse relato é, certamente, bastante semelhante aos relatos de conversão de dois outros escritores que admiro – Sheldon Vanauken e C.S. Lewis. Pois, para ambos, o admirável brilhantismo de escritores cristãos os auxiliou a aproximarem-se da fé e, em seguida, a se habituarem, eles próprios, a ser, de forma impremeditada e até mesmo relutante, cristãos. Mas ainda mais importante foi o fato de que o cristianismo com que esses dois homens se depararam (em Oxford, em ambos os casos) não receava o mundo nem se preocupava em ultrapassá-lo, de algum modo. Pelo contrário, sentia-se profundamente à vontade neste mundo, fascinado com ele e convicto de que a verdade do cristianismo não negava as verdades a que chegaram anteriormente à sua conversão, mas, pelo contrário, as enriquecia.

Aliás, a despeito de sua justa apropriação pela turma da cosmovisão, o próprio Schaeffer estava mais próximo ao cristianismo de Vanauken e Lewis que do cristianismo dos integrantes da guerra cultural. Embora ele jamais tenha se emancipado da visão do “guerrismo cultural” de seus contemporâneos, ele se empenhou, por meio do L’Abri, para articular o mesmo tipo de cristianismo – não um cristianismo que dividia o mundo em times, com cosmovisões rigidamente definidas que, por sua vez, ditavam como esses grupos viam o mundo e se relacionavam, mas sim um cristianismo que afirma, junto a Robert F. Capon, que a estrada para salvação não se distancia do mundo, mas sim o atravessa.

Para dizer do modo mais simples que posso: o problema com o “cosmovisionismo” que se evidencia nos comentários de Mohler sobre Hawking é que ele não deixa espaço para a afirmação de fé do tipo “sim, e…”, tal como encontramos em Lewis e Vanauker – sim, essa sua intuição sobre o mundo é correta, e eu posso te dizer o porquê disso. Ao contrário, no “cosmovisionismo” há somente a divisão rígida de seres humanos em equipes competidoras que subscrevem a cosmovisões rivais, de modo que a única forma de trocar de time é rejeitando integralmente sua antiga cosmovisão e assumindo uma nova. E, para muitas pessoas, incluindo aí Susannah, essa mudança soa como um total apagamento da identidade pessoal, uma perda de todas as coisas que o indivíduo reconhece como parte de quem ele é, todas as coisas que ele ama e lhe dá alegria – a família, os livros favoritos, as memórias mais valiosas que se tem dos momentos com os amigos (não sendo eles cristãos), a experiência de ouvir a uma bela sinfonia e saber que o mundo é bom.

Cria-se pois a impressão de que o único caminho para se achegar a Jesus é colocar tudo isso de lado. E, é claro, isso é verdade em determinado sentido – “quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim” [Mateus 10.37] –, mas essa ordem não equivale jamais a um chamado para rejeitar a criação em sua totalidade, ou rejeitar os dons que nela nos foram dados. É, antes, um chamado para entender esses afetos em relação às reivindicações do senhorio de Cristo, o que significa, sobretudo, reconhecê-los como dádivas concedidas por um Deus que nos ama e ama o mundo – pois, afinal, ele é quem criou as coisas de que agora desfrutamos.

Em suma, minha preocupação com esse ramo do “cosmovisionismo” se dá porque creio que ele nos apresenta um mundo muito menos interessante, bem como um salvador que não parece amá-lo tanto quanto o Deus da Bíblia afirma amá-lo. E essa representação é um entrave real ao evangelismo. Porém, mais que isso, é um entrave à adoração, pois cria, em nossas mentes, divisões que não deveriam existir, e priva-nos, de igual modo, da oportunidade de vermos a face de Deus em lugares inesperados.

Alguns dias atrás, tomei um café com um amigo que não via há anos. Como eu, ele cresceu numa igreja fundamentalista abusiva, o que o deixou com muitos fardos para se livrar ao longo dos anos. Conforme falávamos, nossa conversa se voltou para o trabalho de Jordan Peterson e para um debate a que meu amigo assistiu, no qual Peterson e William Lane Craig, o célebre apologeta cristão, discutiam acerca da possibilidade do sentido na vida humana. Disse a meu amigo que muitos dos meus amigos cristãos assistiram ao debate e ficaram muito mais impressionados com Peterson do que com Craig. Meu amigo acenou positivamente. “Peterson não se importa em vencer”, disse ele. “Craig queria vencer o debate. Peterson pretendia buscar a verdade”.

Se há um problema típico de certo segmento do evangelicalismo reformado, é que nos importamos mais em vencer – vencer debates, vencer campanhas políticas, vencer batalhas institucionais – do que em simplesmente buscar o bem, a verdade e o belo.

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