Desde 1977, Theonomy in Christian Ethics tem servido para estabelecer a chave distintiva da Reconstrução Cristã. O Reconstrucionismo Cristão como uma escola distintiva de pensamento dentro da tradição Reformada está fundamentado sobre cinco premissas teológicas básicas: (1) Soteriologia calvinista; (2) teologia da aliança; (3) escatologia pós-milenista; (4) apologética pressuposicional; e (5) ética teonômica: a pedra angular do pensamento reconstrucionista. [1] Sem dúvida, o aspecto mais distintivo do movimento é o tópico deste livro: ética teonômica, que estabelece toda a revelação de Deus na Escritura (incluindo a lei Mosaica) como a fonte de uma ética verdadeiramente cristã em tudo da vida – privada e pública, cultural e política, social e judicial. [2]
A primeira vez que tomei ciência da abordagem teonômica na ética foi em 1975, quando foi transferido para o Reformed Theological Seminary (Jackson, Mississippi), após estudar no Grace Theological Seminary (Winona Lake, Indiana). Mediante o meu estudo pessoal e extracurricular no seminário Grace, fiquei frustrado com o dispensacionalismo e intrigado pela teologia da aliança. No meu novo seminário encontrei o seu professor recém-chegado, Greg L. Bahnsen, Professor Adjunto de Apologética. Eu tinha várias aulas com ele — de maneira mais significativa em seus cursos sobre “História e Escatologia” e “Ética Teísta Cristã”. Minha primeira introdução seu livro Theonomy in Christian Ethics foi bem incomum: as aulas de ética exigiram leituras do livro antes dele ser publicado. Tivemos que ler páginas de prova soltas e cortadas em pequenas caixas numa sala da livraria do seminário (minha esposa, Melissa, era bibliotecária ali e lembra-se bem de tirar e guardar as pequenas caixas para os estudantes). Estávamos lendo o livro mesmo antes dele sair “quente da gráfica”.
Assim, ao me transferir de uma seminário fundamentalista e dispensacionalista para um reformado e aliancista, encontrei implicações bastante inesperadas e surpreendentes de uma calvinismo rigorosamente aliancista: sua aplicação à esfera da ética, i.e., teonomia. Para dizer o mínimo, não somente resistir à perspectiva teonômica de Bahnsen no princípio, mas fiquei muito alarmado com ela. Todavia, sentando debaixo da instrução cuidadosa, deliberada, coerente, rigorosa e convincente de Bahnsen, muitos dos meus colegas e eu mesmo nos “convertemos” à ética teonômica antes do curso terminar. Alguns dos estudantes tornaram-se mais tarde expoentes bem conhecidos da teonomia, incluindo Gary DeMar, David Chilton, e Richard Flinn. Durante os meus dias de estudante no RTS (1975–77), passei a admirar grandemente o talento teológico de Bahnsen, sua precisão filosófica e clareza da instrução. Após aqueles dias e até sua morte prematura em 11 de dezembro de 1995, eu enriqueci o meu relacionamento com ele, não somente tendo-o como meu mentor e alegrando-me em trabalhar com ele como um colaborador em teologia, mas também me deleitando numa amizade íntima: Bahnsen e eu escrevemos House Divided: The Break-up of Dispensational Theology, servimos como professor adjunto na faculdade do Christ College, e falamos juntos em várias conferências. Eu o convidei para falar em minha igrejas em inúmeras ocasiões e ele me convidou para acompanhá-lo como instrutor na equipe do seu Southern California Center for Christian Studies. Trabalhar com ele nesses vários empreendimentos ministeriais foi um grande privilégio e alta honra. Ele teve um impacto em meus comprometimentos teológicos maior do que qualquer outro erudito que eu poderia citar. E eu conheço muitos cristãos que poderiam afirmar com prazer a mesma coisa.
Infelizmente, porém, a ética teonômica não é bem vista, haja vista os valores modernos de paz e afluência pessoal. Seu caráter absolutista permanece como a Rocha de Gibraltar contra as ondas implacáveis e sempre mutantes da abordagem da vida faça-do-seu-jeito. Tristemente, mesmo dentro dos círculos conservadores e evangélicos, bem como dentro dos círculos cristãos reformados, a teonomia tem gerado uma enorme e vigorosa oposição. Pior ainda, a grande maioria dos adversários de Bahnsen nunca separaram um tempo para ler o seu argumento extenso e detalhado apresentado em Theonomy in Christian Ethics, a Bíblia da ética teonômica.
Lembro-me inclusive de ficar surpreendido durante um exame teológico em meu presbitério na Presbyterian Church in America. O examinador, um ministro ordenado, estava questionando um candidato ao ministério com respeito à questão da teonomia. Em seu interrogatório, o ministro não podia nem mesmo pronunciar “teonomia”, de forma que ele a soletrou! Levantei-me e perguntei se o examinador tinha lido Theonomy in Christian Ethics, que explica a posição; ele confessou que não tinha lido, mas sabia que a posição era errada. E esse tipo de resposta desinformada e altamente emocional não é única no debate contínuo sobre a ética teonômica.
Talvez a resenha mais bizarra foi aquela escrita pelo reformado (maverick) e erudito em Antigo Testamento, Meredith G. Kline. Sua resenha começou com denúncias contundentes e carregadas de emoção contra Greg Bahnsen e a teonomia — misturadas com admissões que a perspectiva repugnante da teonomia estava inerente na própria Confissão de Fé de Westminster. A primeira sentença de Kline reclama sobre o “tipo de escrita acalorada de Greg Bahnsen”. Sua segunda sentença lamenta sobre “a tragédia da Chalcedon” (i.e., seu nome para o movimento teonômico), que promove “uma perversão ilusória e grotesca” da Escritura. Kline inclusive observa o seguinte sobre essa “perversão grotesca”: “Os tribunais eclesiásticos que trabalham sob a Confissão de Fé de Westminster terão os seus problemas, portanto, se decidirem trazer a aberração da Chalcedon para uma análise judicial”. [3] Por quê? Como ele observa bem: “Chalcedon não tem raízes na tradição eclesiástica respeitável. Ela é na verdade um reavivamento de certos ensinamentos contidos na Confissão de Fé de Westminster”.[4]
A despeito da difundida resposta emocionalmente carregada e eclesiasticamente encorajada contra a teonomia, vários eruditos evangélicos bem respeitados reconhecem a abordagem teonômica como uma opção viável no debate, embora eles mesmos não a adotem. Por exemplo, observe os seguintes comentários:
# Ronald Nash, um teólogo reformado do Reformed Theological Seminary, Orlando, escreve que: “Por um lado, o povo chamado de teonomistas não parecem ser perigosos. Esforços para mostrar que eles são perigosos contribuem mais, eu suspeito, para desonrar as pessoas que levantam as acusações”. [5]
# Mark Noll, McManis professor da matéria Pensamento Cristão no Wheaton College, observa que a teonomia insiste “em fundamentos teológicos cuidadosamente formulados para a ação política”, a qual “leva a uma reflexão política mais auto-consciente do que aquela habitual na tradição evangélica”. [6]
# Carl F. H. Henry, em sua série magistral God, Revelation, and Authority, expressa apreço pelo livro Theonomy in Christian Ethics: “Através de uma riqueza de dados bíblicos, Greg L. Bahnsen estabelece que os mandamentos de Deus impõe obrigação moral universal; que os padrões éticos de Deus devem informar universalmente a legislação civil; que idealmente os magistrados civis devem impor os mandamentos sociais de Deus e que os cristãos devem estar envolvidos no uso pactual da lei divina (Theonomy in Christian Ethics)”.[7]
# J. G. Child elogia a teonomia, por “forçar os cristãos a lidar com a contribuição do Antigo Testamento para a ética cristã e uma sociedade justa, e ao oferecer soluções bíblicas perspicazes para os problemas do mundo moderno, os Reconstrucionistas têm enriquecido a igreja”. [8]
# D. Claire Davis, professor de História Eclesiástica no Westminster Seminary, observa: “A teonomia pode ser de grande serviço precisamente dentro do contexto da constituição da república americana”. Adiante ele continua: “É fácil argumentar que o compromisso da Confissão de Westminster para com a equidade geral da lei do Antigo Testamento fornece ampla justificação para o esclarecimento teonômico dessa equidade”. [9]
# Mesmo na nota introdutória ao livro Theonomy: A Reformed Critique, uma crítica reformada ferrenha à teonomia, os editores puderem concluir: “Embora este volume seja uma crítica à teonomia, vários capítulos foram concluídos com uma nota de apreciação positiva pelo que os teonomistas têm contribuído para o nosso entendimento da lei de Deus”. [10]
Consequentemente, estou muito satisfeito pela Covenant Media Press ter empreendido a tarefa de republicar esse clássico insubstituível sobre ética bíblica, que tornou-se uma obra de referência amplamente citada.[11] Nesta edição o texto permanece praticamente inalterado, exceto pela correção de diversos erros de digitação, o uso de uma fonte mais legível e mais espaço em branco (para conforto do leitor) — e pela adição de umas poucas obras de referência atualizadas. Uma vez mais os oponentes da teonomia têm ao seu dispor o sistema completo claramente apresentado. Espero que desta vez eles leiam.
Kenneth L. Gentry, Jr., Th.D.
7 de junho de 2001
Bahnsen Theological Seminary
Placentia, California
NOTAS:
[1] – Alguns teólogos reconhecem todos esses cinco pontos, e.g., J. G. Child, “Christian Reconstruction Movement,” in David J. Atkinson, David F. Field, et al. New Dictionary of Christian Ethics & Pastoral Theology (Downers Grove, IL.: InterVarsity, 1995), 227. Outros escritores que não fazem parte do movimento colocam apenas alguns desses pontos, mas interessantemente, eles reconhecem essas questões. Por exemplo, “essas ideias fundacionais são subjacentes à agenda reconstrucionista: (1) uma apologética pressuposicionalista; (2) uma crença que a lei do Antigo Testamento se aplica hoje, de maneira ‘exaustiva’ e em detalhes ‘mínimos’; e (3) o pós-milenismo”. Daniel G. Reid, Robert D. Linder, et. al, eds., Concise Dictionary of Christianity in America (Downers Grove, IL.: InterVarsity, 1995), 285.
[2] – Um erro comum de alguns oponentes da teonomia é asumir que teonomia implica pós-milenismo. As duas construções teológicas, contudo, são distintas; de forma alguma elas permanecem ou caem juntas. O pós-milenismo está preocupado com “o que será”; a teonomia está focada em “o que deveria ser”. Muitos teonomistas são amilenistas; poucos pós-milenistas são teonomistas.
[3] – Meredith G. Kline, “Comments on an Old-New Error: A Review Article,” in Westminster Theological Journal 41:1 (Fall, 1978), 173.
[4] – Kline, “Old-New Error,” 173.
[5] – Ronald H. Nash, Great Divides: Understanding the Controversies That Come Between Christians (Colorado Springs, CO.: NavPress, 1993), 176.
[6] – Mark A. Noll, The Scandal of the Evangelical Mind (Grand Rapids: Eerdmans, 1994), 225.
[7] – Carl F. H. Henry, God Who Stands and Stays (Part Two), vol. 6 de God, Revelation and Authority (Waco, Tex.: Word, 1983), 447.
[8] – J. G. Child, “Christian Reconstruction Movement,” 227.
[9] – Will S. Barker and W. Robert Godfrey, Theonomy: An Informed Critique (Grand Rapids: Zondervan, 1990), 392, 394.
[10] – Will S. Barker and W. Robert Godfrey, eds., Theonomy: An Informed Critique (Grand Rapids: Zondervan, 1990), 385.
[11] – D. J. Moo, “Law,” in Michael B. Green, Scot McKnight, I. Howard Marshall, eds., Dictionary of Jesus and the Gospels: A Compendium of Contemporary Biblical Scholarship (Downers Grove, IL.: InterVarsity, 1992), 461. J. G. Child, “Christian Reconstruction Movement,” in New Dictionary of Christian Ethics & Pastoral Theology, 227. P. A. Marshall, “Theonomy,” in New Dictionary of Christian Ethics & Pastoral Theology, 845. Joe M. Sprinkle, “Law,” in Walter A. Elwell, ed., Evangelical Dictionary of Biblical Theology (Grand Rapids: Baker, 1996), 470. J. H. Gerstner, “Law in the NT,” in Geoffrey W. Bromiley, ed., The International Standard Bible Encyclopedia, 2d ed. (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), 3:91. Thomas D. Ice, “Reconstructionism, Christian,” in Mal Couch, Dictionary of Premillennial Theology (Grand Rapids: Kregel, 1996), 362. J. R. McQuilkin, “Reformed Ethics,” Roland Kenneth Harrison, ed., Encyclopedia of Biblical and Christian Ethics, ( 2d. ed.: Nashville: Nelson, 1992), 348. David Clyde Jones, Biblical Christian Ethics (Grand Rapids: Baker, 1994), 113–15.
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Fonte: Theonomy in Christian Ethics, p. xv-xx.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto, 31 de dezembro de 2011