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“E Paulo… disputou com eles sobre as Escrituras, expondo e demonstrando que convinha que o Cristo padecesse e ressuscitasse dentre os mortos. E este Jesus, que vos anuncio dizia ele, é o Cristo.”
– Atos 17.2,3
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Raramente os pregadores têm dificuldade em pregar baseados no Antigo Testamento – mas pregar Cristo com base no Antigo Testamento pode ser uma questão diferente. Não obstante, foi exatamente isso que Paulo fez quando chegou a Tessalônica, como o versículo acima impresso deixa claro. Naturalmente, o Antigo Testamento contém muitas passagens explicitamente “messiânicas” – isto é, elas fazem inequívoca referência à vinda de Cristo. Isaías, capítulo 53, é provavelmente o exemplo mais conhecido, mas há muitos outros. Ninguém tem problema em pregar Cristo baseado em tais passagens neotestamentárias.
A dificuldade está em conseguir uma interpretação cristológica geral e coerente do Antigo Testamento – uma interpretação na qual todas as Escrituras do Antigo Testamento sejam vistas como um testemunho de Cristo e sejam entendidas em consonância com isso. Há dois pontos a considerar: em primeiro lugar e fundamentalmente, deveríamos buscar tal interpretação de qualquer forma? Em segundo lugar, se devemos, como podemos, na prática, encontrar Cristo em todas as Escrituras?
“Icebergs” ou ilhas?
Neste capítulo tratamos da primeira destas perguntas. Uma analogia talvez nos ajude a explicar essa questão. Consideremos um “iceberg” flutuando no oceano. É uma beleza, mas flutua livremente, sem raiz alguma em seu ambiente aquático. É incidental, isolado e sem significado duradouro. Em contraste, ilha é uma manifestação da geografia oculta do oceano – talvez revelando a existência de um vulcão extinto. Ela é parte integrante do leito do oceano, muito embora o fato de que esse leito em grande parte está oculto, enquanto não nos dermos o trabalho de explorar as suas profundezas.
Similarmente, as passagens messiânicas podem ser “icebergs”, belas em si mesmas mas incidentais, sem raízes nas Escrituras do Antigo Testamento – singularidades desconexas que de modo algum refletem a natureza intrínseca dessas Escrituras. Por outro lado, estas passagens podem ser “ilhas” – afloramentos visíveis de uma profunda realidade oculta que sustenta parte por parte as Escrituras do Antigo Testamento, de Gênesis a Malaquias. Essa é, creio eu, a visão do Antigo Testamento revelada pelo Novo. Naturalmente, a realidade oculta é Cristo. Consideremos as evidências acaso existentes para suporte desta alegação.
As Evidências
Em primeiro lugar, as Epístolas do Novo Testamento contêm diversas declarações que asseveram que o propósito de todas as Escrituras do Antigo Testamento é instruir e edificar os crentes pertencentes à nova aliança. Além disso, em cada caso esta asserção tem suporte no testemunho de Cristo dado pelo Antigo Testamento. Com efeito elas dizem: “O Antigo Testamento foi escrito para o nosso benefício, e esse benefício reside em Cristo”.
Um exemplo é Romanos 15.1-4. Essa passagem começa com uma simples injunção moral – “nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos”. Mas Paulo não deixa a coisa nesse pé. Essa conduta moral, ele insiste, flui do exemplo de Cristo – “Porque também Cristo não agradou a si mesmo, mas, como está escrito (Salmo 69.9): Sobre mim caíram as injúrias dos que te injuriavam”. E continua: “Porque tudo que dantes foi escrito para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança…”. A palavra grega traduzida por “sejam quais forem as coisas” (VA) é enfática, implicando “tudo” (ARC). Isso nos diz não somente que a citação obscura do Salmo 69 se refere a Cristo, mas também que todas as Escrituras do Antigo Testamento foram escritas especificamente para nosso benefício. Este benefício, diz Paulo, nos vem na forma de aprendizado, paciência, consolação e, acima de tudo, esperança em Cristo (não há outra esperança).
Tentando Cristo
Uma segunda declaração acha-se em 1 Coríntios 10.8-12, onde Paulo adverte: “Não tentemos Cristo, como alguns deles também tentaram, e pereceram pelas serpentes… Ora tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos”. Como em Romanos, capítulo 15, Paulo diz duas coisas e as liga uma à outra. Primeiramente, o real propósito do Antigo Testamento – mesmo as suas partes históricas – é instruir e admoestar aqueles que vivem sob a nova aliança (“para quem já são chegados os fins dos séculos”). Adicionalmente, porém, é Cristo que não devemos tentar – significando que estas Escrituras nos admoestam, não apenas em termos gerais, mas quanto à nossa relação com Cristo. Ele próprio nos diz que “a serpente no deserto” prefigurava a Sua crucifixão (João 3:14).
Uma terceira declaração encontra-se em 1 Coríntios 9.9 – “Porque na lei de Moisés está escrito: não atarás a boca ao boi que trilha o grão. Porventura Deus tem cuidado dos bois? Ou não o diz certamente por nós? Certamente que por nós está escrito; porque o que lavra deve lavrar com a esperança…”. Continue a ler, e você verá que o “lavrar” aqui é a obra do evangelho. Mais uma vez, então, encontramos asserções gêmeas – as Escrituras do Antigo Testamento foram escritas para nosso benefício, e esse benefício se relaciona com Cristo e Seu evangelho.
Pedro concorda (1 Pedro 1.8-12). Ele escreve: “Da qual salvação (mediante Cristo) inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada… o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir”.
“Nos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo, enviado do céu, vos pregaram o evangelho”.
Isso dificilmente poderia ser mais claro. Os profetas do Antigo Testamento (expressão que abrange todos os escritores do Antigo Testamento) foram movidos pelo Espírito Santo para testificarem do sofrimento e da glória de Cristo – e ao fazê-lo não estavam ministrando primariamente para a geração deles, mas para aqueles que iriam ouvir o evangelho neotestamentário da salvação pela graça.
O Antigo Testamento testifica de Cristo
A seguir chegamos a diversas declarações definitivas concernentes ao testemunho que o Antigo Testamento dá de Cristo. A primeira acha-se em João 5.39, onde Jesus diz aos judeus: “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam”. Esta não é uma declaração de se jogar fora, mas é parte de um argumento extenso. Pois pouco depois Jesus continua: “Se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu ele. Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?” (João 5.46,47).
Note-se a escolha das palavras. Cristo não diz simplesmente: “(As Escrituras) testificam de mim”, o que poderia significar que elas o fazem incidentalmente. Antes, diz: “São elas que de mim testificam” – implicando que o real propósito do Antigo Testamento é testificar dEle. De novo Ele declara inequivocadamente que são os escritos de Moisés (isto é, todo o Pentateuco) que dão testemunho de Cristo, não apenas ocasionais referências neles presentes. Isso é significativo, uma vez que há uma tendência comum atual de pregar sobre assuntos tais como criação, os patriarcas, e a lei de Moisés, de um modo que negligencia Cristo. Contudo, em conformidade com Jesus, Moisés estava escrevendo sobre Ele no correr de todo o conteúdo dos cinco primeiros livros da Bíblia.
Uma segunda passagem significativa é Lucas 24.25-27, a conhecida história do caminho de Emaús. O Cristo ressurreto repreende os Seus frustrados discípulos: “O néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!… E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras”. Note o leitor os três termos abrangentes, tudo, todos, todas. É evidente que Lucas está interessado em que entendamos a natureza abrangente das reivindicações de Jesus – a saber, que todas as Escrituras do Antigo Testamento, não apenas parte delas, são proféticas quanto a Cristo.
“Moisés e os profetas” é uma forma abreviada de referir-nos ao Antigo Testamento – e noutro lugar Jesus nos diz que veio cumprir cada “jota” e “til” dessas Escrituras (Mateus 5:17,18). Se Cristo é Seu cumprimento, elas necessariamente apontam para Ele.
Sábios para a salvação
O último texto que vamos usar como prova é 2 Timóteo 3.15-17 – “Desde a tua meninice sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus. Toda a Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra”.
Frequentemente citamos essas palavras quando falamos da natureza e do uso das Escrituras – que elas são inspiradas (literalmente “sopradas-por-Deus”) e instrutivas. Mas facilmente passamos por alto a declaração que leva Paulo a descrever o Antigo Testamento dessa maneira. Qual declaração? Que estas antigas Escrituras do Antigo Testamento nos iluminam quanto à salvação pela fé em Cristo! De novo Paulo se refere abrangentemente às Escrituras do Antigo Testamento como aquilo que revela Cristo com poder salvífico. É neste contexto cristológico que o apóstolo, em acréscimo, recomenda o Antigo Testamento como uma fonte de instrução e de boas obras.
Estas Escrituras me compelem a crer que o Antigo Testamento, em sua inteireza, testifica de Cristo e foi escrito especificamente para benefício dos crentes do Novo Testamento – e de todos os que desejam tornar-se “sábio(s) para a salvação” nEle. As “passagens messiânicas” das Escrituras do Antigo Testamento são “ilhas”, não “icebergs”, revelando a cristologia totalmente abrangente do Antigo Testamento.
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Fonte: Edgar Edwards, Pregando Cristo (Editora PES), p. 71-78.