Dois amores fizeram as duas cidades: o amor de si até ao desprezo de Deus ― a terrestre; o amor de Deus até ao desprezo de si ― a celeste.
Aquela glorifica-se em si própria ― esta no Senhor;
aquela solicita dos homens a glória ― a maior glória desta consiste em ter Deus como testemunha da sua consciência;
aquela na sua glória levanta a cabeça ― esta diz ao seu Deus:
Tu és minha glória, tu levantas a minha cabeça;
aquela nos seus príncipes ou nações que subjuga, e dominada pela paixão de dominar ― nesta servem mutuamente na caridade: os chefes dirigindo, os súbditos obedecendo;
aquela ama a sua própria força nos seus potentados ― esta diz ao seu Deus:
Amar-te-ei, Senhor, minha fortaleza;
por isso, naquela, os sábios vivem como ao homem apraz ao procurarem os bens do corpo, ou da alma, ou dos dois: e os que puderam conhecer a Deus
não o glorificaram como Deus, nem lhe prestaram graças, mas perderam-se nos seus vãos pensamentos e obscureceram o seu coração insensato. Gabaram-se de serem sábios, (isto é, exaltando-se na sua sabedoria sob o império do orgulho)
tornaram-se loucos ― e substituíram a glória de Deus incorruptível por imagens representando o homem corruptível, aves, quadrúpedes e serpentes.
(porque à adoração de tais ídolos conduziram os povos ou nisso os seguiram)
e veneraram e prestaram culto a criaturas em vez de ao Criador que é bendito para sempre,
― mas nesta só há uma sabedoria no homem: a piedade que presta ao verdadeiro Deus o culto que lhe é devido e que espera, como recompensa na sociedade dos santos (tanto dos homens como dos anjos),
que Deus seja tudo em todos.
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Fonte: Santo Agostinho, A Cidade de Deus, Vol. II (Edição da Fundação Calouste Gulberkian, abril 1993; tradução de J. Dias Pereira), p. 1319-1320.