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Rehabilitando a autonomia por Mark Horne

É um padrão bem comum em círculos cristãos conservadores condenar a incredulidade por suas pretensões de “autonomia”. Cornelius Van Til celebremente (pelo menos entre aqueles que sabem quem ele é) disse que “não há outra opção senão entre teonomia e autonomia”. Greg Bahnsen recorreu a essa citação ao chamar a sua visão particular da aplicabilidade da “lei do Antigo Testamento” (eu uso aspas aqui porque eu não tenho certeza de quais passagens contam como lei e quais não).

Obviamente, seres humanos, como criação de Deus, devem obedecer ao que ele ordena. Rotular a recusa de ouvir aos mandamentos de Deus pode ser corretamente chamada de uma afirmação de autonomia.

Todavia, eu não acho que esse é o uso comum da palavra na maior parte do mundo anglófano. Por isso, condenar a aspiração à autonomia pode não comunicar às pessoas o que se pretende. Por exemplo, o American Heritage Dictionary oferece as seguintes definições do adjetivo “autônomo”:

  • Não controlado por outros ou por forças externas; independente: um judiciário autônomo; uma divisão autônoma de um conglomerado empresarial.
  • Independente em mente ou juízo; autodirecionado.
  • Independente de leis de outro estado ou governo; autogovernado.
  • De ou relaciona a uma entidade que se governa: uma legislatura autônoma.
  • Autogoverno com respeito a questões locais ou internas: uma região autônoma de um país
  • Autonômico.

Dessas definições, as ações autônomas que são uma forma de incredulidade são cobertas com as definições tendo a ver com o governo. Mas as duas primeiras definições não tem necessariamente a ver com uma alegação de não prestar contas a uma autoridade superior.

O Wictionary fornece uma definição útil: “agir por conta própria ou independentemente; quanto a uma criança, agir sem ser governado por regras de um pai ou guardião”. As crianças começam a sua vida sem nenhuma autonomia, mas devemos nos tornar adultos autônomos que podem tomar decisões sem supervisão dos pais.

O apóstolo Paulo celebremente se referiu a esse tipo de autonomia quando escreveu: “ora, digo que por todo o tempo em que o herdeiro é menino, em nada difere de um servo, ainda que seja senhor de tudo; mas está debaixo de tutores e curadores até o tempo determinado pelo pai” (Gálatas 4.1-2). Sair da escravidão para a liberdade com uma herança é outra forma de dizer que homens e mulheres devem se tornar autônomos quando crescem.

Eu creio que esses termos são importantes porque empoderar a humanidade para ser autônomo é um grande tema da Escritura. Paulo não está apelando para uma verdade obscura em Gálatas 4.1-2, mas um tema central da revelação bíblica. Podemos ver isso ironicamente na rejeição de Deus por Israel ao escolher um rei. Em 1Samuel 8, vemos que Samuel é obrigado a “obedecer” a Israel mesmo quando o povo está sendo desobediente.

Disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não é a ti que têm rejeitado, porém a mim, para que eu não reine sobre eles. Conforme todas as obras que fizeram desde o dia em que os tirei do Egito até o dia de hoje, deixando-me a mim e servindo a outros deuses, assim também fazem a ti. Agora, pois, ouve a sua voz, contudo lhes protestarás solenemente, e lhes declararás qual será o modo de agir do rei que houver de reinar sobre eles. (1Sm 8.7-9)

 

O povo, porém, não quis ouvir a voz de Samuel; e disseram: Não, mas haverá sobre nós um rei,  para que nós também sejamos como todas as outras nações, e para que o nosso rei nos julgue, e saia adiante de nós, e peleje as nossas batalhas. Ouviu, pois, Samuel todas as palavras do povo, e as repetiu aos ouvidos do Senhor.  Disse o Senhor a Samuel: Dá ouvidos à sua voz, e constitui-lhes rei. Então Samuel disse aos homens de Israel: Volte cada um para a sua cidade. (1Sm 8.19-22)

O contraste  entre a reação de Deus a Israel quando eles o rejeitaram no deserto (o que é recordado explicitamente no texto) e a reação de Deus não poderia ser mais diferente. No deserto, Deus matou muitas pessoas quando elas escolheram rejeitá-lo. Mas aqui ele diz a Samuel para que obedeça às pessoas. Claramente, Israel recebeu autoridade para agir autonomamente de uma forma que não tinha limites anteriormente. Eles podem fazer as suas próprias decisões sem uma intervenção imediata de Deus. Eles não são criancinhas debaixo de uma supervisão constante dos pais.

Em Provérbios, Salomão adverte aos filhos que tolice e pecado levarão ao fim da autonomia que eles deveriam usufruir.

“A mão dos diligentes dominará; mas o indolente será tributário servil” (Provérbios 12.24)

“O que perturba a sua casa herdará o vento; e o insensato será servo do entendido de coração” (Provérbios 11.29)

“O servo prudente dominará sobre o filho que procede indignamente; e entre os irmãos receberá da herança” (Provérbios 17.2)

Tais advertências assumem que a autonomia é um estado desejável e uma bênção dada por Deus.

A autonomia era tanto o estado original da humanidade quanto a esperança futura. Adão e Eva ficaram por conta própria para lidar com a tentação de Satanás e então foram avaliados por como eles lidaram com o seu tempo sem supervisão. Se eles tivessem passado, temos boas razões para crer que eles seriam premiados com maior autonomia.

Jesus ilustrou esse processo na sua parábola das Dez Minas (Lc 19.11-28) e na parábola dos Talentos (Mt 25.14-30). Em ambas as histórias, o mestre deixa os servos sem dar instruções adicionais sobre o que fazer com o dinheiro além de lucrarem com ele. Quando ele retorna, ele não pede por uma explicação do que aconteceu e somente o servo rebelde sente a necessidade de dizer o que ele fez. Os servos agiram com autonomia e quando passaram no teste receberam mais autonomia. “Disse-lhe o seu senhor: Muito bem, servo bom e fiel; sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mateus 25.21)

Para resumir o meu argumento e talvez adicionar um pouco mais, aqui estão nove pontos:

  1. Se tomarmos o sufixo –nomos como “lei”, então teonomia é boa e autonomia é ruim, porque é necessário se submeter à lei de Deus ao invés de ser uma lei para si mesmo.
  2. Mas ser “autônomo” não quer dizer comumente ser uma lei para si mesmo. Pode simplesmente significar ser autogovernado. Uma criança se torna “autônoma” na idade de dezoito anos porque a criança se torna um adulto e pode fazer escolhas para si. Torna-se “autônomo” quando se recebe espaço e tempo para fazer decisões sem supervisão imediata.
  3. Em outras palavras, você é autônomo quando se espera que você pode se supervisionar ao invés de ser supervisionado por outra pessoa.
  4. A autonomia pode ser uma questão de grau: você pode receber a tarefa de dar um relatório depois duas semanas ou seis meses num projeto. Você é autônomo na medida em que você está “por conta própria” até o momento de prestação de contas. Ou você pode receber uma missão sem receber instruções detalhadas sobre como ter sucesso na missão. Determinar a melhor estratégia para completar a missão é parte da própria missão. Então, em ambos os casos, você tem um grau maior ou menor de autonomia sem negar uma autoridade superior.
  5. Então Deus nos deixou com ampla autonomia, ou melhor, com a tarefa de nos tornarmos autônomos e assim completarmos a missão dele para nós.
  6. Em outras palavras, Deus quer que nós cresçamos. Nós precisamos aprender nos supervisionar ao invés de ficar sob a supervisão perpétua de outra pessoa.
  7. E se é para nos supervisionarmos, então cada um de nós é obrigado a se controlar como uma pessoa unificada a fim de ser um instrumento adequado e uma arma para tal fim.
  8. Mas para qual fim? Se não temos pelo menos um plano abrangente para os seres humanos em mente, então como podemos unificar os nossos desejos, percepções e impulsos para um objetivo inteligível? Sem objetivo, nos tornamos escravos a vícios. Com um objetivo falso, nós eventualmente descobriremos que a nossa “autonomia” na verdade é uma escravidão a um princípio que não se adequa verdadeiramente a nós.
  9. Se Deus é verdadeiramente Pai, Filho e Espírito Santo como revelado na Bíblia, então somente nos governando para servirmos a ele e nos moldarmos segundo ele é que podemos ser verdadeiramente autointegrados e autogovernados.

Então esta é a conclusão da questão: a teonomia é o único caminho da real autonomia. E os cristãos precisam desafiar os incrédulos dizendo claramente que o compromisso deles só pode levar à escravidão e ao cativeiro. Somente confiando em Jesus e abrançando o evangelho é que se pode encontrar verdadeira autonomia.

Mark Horne tem um M.Div do Covenant Theological Seminary e é um ministro na Presbyterian Church in America. Ele é diretor executvio da Logo Sapiens Communications e escreve em www.SolomonSays.net.

Original aqui.

Traduzido por Guilherme Cordeiro.