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Sexo

Os cristãos entendem o sexo errado quando começam da ponta errada. Começamos com os desejos, paixões, impulsos biológicos e “necessidades” humanas. Eles são tratados como dados, como a realidade natural que é a condição de base da sexualidade humana.

Então chegamos na Bíblia e encontramos, para a nossa surpresa, que Deus coloca todo tipo de restrição sobre como podemos expressar e canalizar essas necessidades e desejos. A lei inclui mais “nãos” em relação ao sexo do que a qualquer outra atividade humana.

Os “nãos” são tão variados quanto as expressões de sexualidade humana: não adulterarás, não te deitarás com a esposa do teu pai ou a esposa do teu tipo ou a tua nora ou a tua irmã, não te deitarás com um homem como se fosse uma mulher, não se aproxime de um animal para acasalar com ele.

Quando não tem nãos estritos, há consequências drásticas por passar dos limites: durma com uma virgem e logo você vai se ver negociando com o pai dela sobre um dote (Êxodo 22.16-17).

E então Jesus coloca a cereja do bolo: “Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela”. Ah não! Como Agostinho observou, já é difícil controlar uma ereção, e agora Jesus quer que eu controle os meus impulsos e pensamentos e a direção em que eu coloco os meus olhos.

No final das contas, a Bíblia canaliza essa paixão humana titânica no caminho mais estreito: o sexo só é permitido entre um homem e uma mulher casados um com o outro.

 A ética sexual bíblica parece roubar os nossos corpos, ao menos os usos criativos dos nossos corpos. É uma ética para anjos.

O ensinamento cristão nesse ponto nem sempre foi útil. Ele tem pedido algo bem próximo de uma conduta sexual que nega a corporeidade. Agostinho (corretamente) enfatizou a maneira com que o pecado perturba a nossa sexualidade: a nossa incapacidade de controlar órgãos sexuais é um sinal da nossa falta geral de autogoverno.

Mas isso ainda pode ver a questão de forma invertida, tratando a nossa sexualidade desordenada como dada e a lei como uma imposição extrínseca na liberdade humana. Podemos dizer que as restrições da sexualidade bíblica são libertadoras e isso é verdade. Mas tente convencer um adolescente excitado.

Para alguns hoje, há uma solução simples e elegante: livre-se das antigas picuinhas cristãs sobre o sexo. Que mil flores floresçam. Nada humano me é estranho. Se Deus não quer que nós experimentemos com a nossa sexualidade, por que Ele nos deu pênis, vagina e outras zonas erógenas?

A chave para entender bem o sexo é reconhecer que ele é uma realidade teológica do começo ao fim. Paulo não estava impondo Cristo-e-a-igreja no fenômeno natural da diferença sexual (Efésios 5). Ele estava expondo a realidade, sentido e estrutura criados do sexo. É por isso que Paulo cita de Gênesis 2. O grande mistério é que Deus criou o homem macho e fêmea, como uma unidade diferenciada e uma diferenciação unificada, como um sinal vivo do Seu vínculo pactual com o Seu povo. 

Poucos teólogos ressaltam isso tão poderosamente, e tão incansavelmente, quanto Karl Barth, que considera a criação de Eva como, fundamentalmente, uma revelação da aliança de Deus (Church Dogmatics, III.4: The Doctrine of Creation).

“Não é bom que o homem esteja só”, diz Yahweh de Adão. Escreve Barth: “o homem em sua sexualidade divinamente criada é uma semelhança do pacto, que repousa no fato de que o próprio Deus não quer estar só, mas com o homem e por ele, com e por o seu povo”, por meio do pacto o relacionamento não é de forma alguma um relacionamento entre iguais (p. 149).

“Um homem deixará pai e mãe e se unirá a sua mulher”, diz Gênesis. Por que o homem deixa, ao invés da mulher? Porque, diz Barth, “Deus, na Sua eleição de Israel e na Sua aliança com ele, vinculou-se tão fortemente com este povo, tornando-se um com ele sem reservas e com tal promessa” (p. 143).

“Eles estavam nus e não se envergonhavam”, nos diz Gênesis. E Barth observa que isso também é “uma semelhança com o pacto da graça, no cumprimento do qual Deus se prova como sendo Aquele que não se envergonha de ser o Irmão do homem perverso, nem precisará o homem se sentir envergonhado na presença do Deus transcendente, mas ambos estarão juntos, verdadeiro Deus e verdadeiro homem” (p. 150).

Barth observa que “tudo que Deus deseja e requer do homem está contido por implicação” no Um-Ou-Outro de macho e fêmea (p. 149). O homem como ele realmente existe não é um “humano em geral” abstrato, mas precisamente como “homem enquanto macho e fêmea”. Todas as palavras e ações de Deus são dirigidas ao homem ou à mulher, homem e mulher. E então a relação sexual é tão abrangente quanto a aliança.

Depois que reenquadramos a questão, os nãos entram no seu lugar. Deus nos comanda a vidas de fidelidade sexual, porque Ele é um Deus fiel. Todos os nãos são enraizados no “sim” fundamental: seja quem você é enquanto macho e fêmea, a imagem viva do Deus da criação e do pacto.

Peter J. Leithart, presidente do Theopolis Institute, e professor adjunto sênior de Teologia e Literatura no New Saint Andrews College, é o autor do livro Vestígios da Trindade (Editora Monergismo, 2018, compre aqui). Este artigo foi publicado originalmente aqui.

Traduzido por Guilherme Cordeiro.