Portanto, você, meu filho, fortifique-se na graça que há em Cristo Jesus. E as palavras que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie-as a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar outros. (2 Timóteo 2.1-2)
Muitos homens são instáveis quando diz respeito à doutrina e lealdade humana legítima. Uns poucos homens, por causa de seu amor e fidelidade a Jesus Cristo, permanecem fiéis até ao fim em sua doutrina e lealdade ao povo de Deus, especialmente aos seus ministros. Em conexão com isso, Paulo insta Timóteo para que se “fortifique na graça que há em Cristo Jesus”. Isso é o que produz o caráter incomum de lealdade corajosa. A força interior que distingue grandes homens de perdedores egoístas não é nossa disposição natural, nem nossa resolução ou força de vontade humana, nem educação secular e propaganda, mas o poder de Jesus Cristo operando em nós.
Todos os cristãos devem, pela graça de Cristo, ser fortes em favor do evangelho, mas isso é especialmente verdadeiro para os ministros, pois eles devem fazer a mesmíssima coisa que colocou Paulo em problemas. Ele escreve: “E as palavras que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie-as a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar outros”. O que são as “coisas” que Timóteo ouviu Paulo “dizer”, que “muitas testemunhas” também sabiam, e que homens fiéis podiam “ensinar a outros”? Elas são palavras, sentenças, proposições, ideias e doutrinas expressas, faladas de uma maneira pública, e numa forma que pode ser entendida e transmitida pelo mesmo método, isto é, falando e escrevendo palavras. Isso é de importância suprema para o correto entendimento e cumprimento do ministério, pois define a natureza e método da sua obra. A tarefa de um ministro não pertence primeiramente à política, economia, e tais aspectos da vida, mas é primária e diretamente intelectual. Isso não significa que seja acadêmica, mas que pertence à mente ou espírito.
Sem dúvida, um exemplo piedoso é importante. Paulo menciona seu próprio exemplo e instrui Timóteo a apresentar um bom exemplo diante dos outros, e insiste que os bispos devem estar acima de reprovação em seu comportamento e estilo de vida. Mas palavras e doutrinas são infinitamente mais importantes que ações. Primeiro, sem doutrinas, nem mesmo podemos dizer quais ações são recomendáveis e quais são condenáveis. Ações boas e más são distinguidas por doutrinas. Ações não falam mais alto que palavras, pois elas não falam de forma alguma. Elas são interpretadas por palavras e doutrinas. Se elas falam de alguma forma, é porque as palavras falam por elas. Segundo, ações não são o que os ministros do evangelho declaram ao mundo e confiam a homens fiéis. Quando diz respeito a perpetuar o poder para salvar e santificar, nós passamos palavras e doutrinas, não ações e exemplos, pois somente o evangelho pode salvar, e o evangelho é uma mensagem intelectual sobre Deus, o homem e Jesus Cristo, expressa em palavras escritas e faladas.
Um exemplo piedoso é importante, mas sua importância é frequentemente má compreendida e exagerada. Ele não contribui diretamente para a propagação do evangelho. Antes, apresentamos um exemplo piedoso perante o mundo e a igreja porque mediante isso honramos a Deus, de forma que deveríamos viver vidas piedosas quando ninguém está nos observando, e por ela ilustramos (não declaramos, visto que as ações em si são silentes e sem significado) o evangelho que pregamos. Muitas pessoas tropeçam quando testemunham hipocrisia e ouvem sobre escândalos entre os cristãos. Isso é irracional, visto que o fracasso dos cristãos não tem nenhuma influência direta sobre se a fé cristã é verdadeira ou não. Todavia, os cristãos devem apresentar bons exemplos para que esse povo irracional não tropece por causa das nossas falhas. Essa é outra razão importante para apresentar um bom exemplo, e viver vidas piedosas de acordo com os mandamentos de Deus.
As palavras que Timóteo recebeu de Paulo poderiam ser confiadas a homens fiéis, e esses homens podem por sua vez “ensinar” outros. Isto é, Timóteo tinha sido ensinado por Paulo, mas para passar adiante os ensinos de Paulo, era desnecessário passar a pessoa de Paulo a outros. Passar as coisas que ele disse – suas palavras, ideias, proposições, doutrinas – é passar os ensinos de Paulo. Os mesmos ensinos podem então ser passados pelo mesmo método. A fé cristã é ensinada, não capturada, e é ensinada pelo uso de palavras.
Timóteo foi ensinado por Paulo principalmente no sentido que Paulo falou-lhe palavras sobre ideias e doutrinas cristãs. É um erro comum exagerar a diferença entre ser ensinado por alguém em pessoa e ser ensinado por alguém por suas palavras. Supõe-se que a proximidade física de uma pessoa transmite algo que é de outra forma inalcançável. Isso é antibíblico e irracional. Jesus diz: “As palavras que eu lhes disse são espírito e vida” (João 6.33). Ele diz a Filipe que alguém que o vê viu o Pai, e explica: “As palavras que eu lhes digo não são apenas minhas. Ao contrário, o Pai, que vive em mim, está realizando a sua obra” (João 14.9-10). As palavras de uma pessoa são suficientes para representar a pessoa.
Dessa forma, receber palavras de Paulo é ser ensinado pelo próprio Paulo. Essa simples percepção carrega implicações poderosas para nós. Isso é verdade porque nós também temos as palavras de Paulo. Temos muitas de suas cartas, e alguns de seus discursos estão registrados em Atos dos Apóstolos. Temos também muitas palavras dos profetas e de outros apóstolos, e temos até mesmo palavras do Senhor Jesus. Assim como ler as palavras de Paulo é ser ensinado por Paulo, ler as palavras de Jesus é ser ensinado por Jesus. Isso significa que não temos um Cristianismo inferior simplesmente porque os apóstolos já morreram e porque Jesus Cristo não está entre nós no sentido físico e corporal. Eles nos deixaram suas palavras, e isso significa que eles ainda estão aqui para nos ensinar.
Quando menciono que temos as palavras de Paulo e até mesmo as palavras de Jesus, não quero dizer que temos algo essencialmente superior no último caso. Em termos de autoridade e valor, não existe nenhuma diferença essencial entre palavras divinamente inspiradas de Paulo e as palavras de Jesus. Alguns cristãos tendem a pensar que as palavras de Jesus na Bíblia carregam autoridade especial, acima até mesmo daquelas dos profetas e apóstolos. Contudo, longe de expressar reverência para com a pessoa de Deus, essa posição equivale a um ataque contra o Espírito Santo. Paulo declara que o próprio Jesus ensinou-lhe suas doutrinas (Gálatas 1.11-12), e que o próprio Espírito Santo ensinou-lhe que palavras usar (1 Coríntios 2.13). O mesmo se aplica a todos os outros apóstolos, visto que Jesus disse-lhes: “Tudo o que pertence ao Pai é meu. Por isso eu disse que o Espírito receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês” (João 16.15).
As palavras de Jesus e dos apóstolos são as palavras de Deus, e fazer as palavras de um superiores a dos outros é fazer Deus superior a si mesmo, o que é impossível. E dizer que as palavras dos apóstolos são inferiores às palavras de Jesus é insultar a obra do Espírito nos apóstolos, o que é blasfêmia. Devemos estender o mesmo princípio a todos os profetas, visto que eles “falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo” (2 Pedro 1.21). Eles declararam as próprias palavras de Deus, dizendo: “Assim diz o Senhor”. E Paulo declara que “toda a Escritura é inspirada por Deus” (2 Timóteo 3.16), isto é, como palavras faladas pela própria boca e fôlego de Deus. Portanto, toda a Bíblia consiste das palavras de Deus. Visto que ler as palavras de uma pessoa é ser ensinado por essa pessoa, ao ler a Bíblia, podemos todos ser ensinados por Deus.
Isso é boas novas. Pessoas não podem ser transmitidas. Exemplos não podem ser transmitidos. Mas palavras podem facilmente ser transmitidas com tranquilidade e precisão. E ao pregar as palavras, ideias e doutrinas da Bíblia, apresentamos a própria voz de Deus ao mundo e à igreja. A tarefa principal do ministro é passar essas palavras de Deus e esperar que o Espírito Santo use-as para afetar o povo da forma que ele desejar. Ele usa as palavras de Deus para despertar, converter e santificar aqueles criados e escolhidos para a salvação. E ele usa as mesmas palavras para cegar, irritar e endurecer aqueles criados e escolhidos para a condenação.
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Fonte: Reflections on Second Timothy
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto