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10 coisas que você precisa saber sobre a Bíblia como literatura – Leland Ryken

  1. A ideia da Bíblia como literatura não começa na era moderna.

Como fiz carreira como defensor da Bíblia como literatura por meio século, adotei a estratégia de primeiro limpar do terreno as concepções equivocadas e só depois fazer a defesa positiva da importância de ler e interpretar a Bíblia preservando sua natureza literária. Uma vez que a expressão “bíblia como literatura” entrou em cena em meados do século XX, é compreensível que evangélicos tenham receio da ideia. Contudo, grandiosos baluartes teológicos do passado, como Agostinho, Lutero e Calvino, jamais duvidaram de que a Bíblia tivesse qualidades literárias.

 

  1. Ver a Bíblia como literatura não é necessariamente um sinal de liberalismo teológico.

Como os eruditos bíblicos liberais estão mais inclinados que os conservadores a adotar abordagens literárias da Bíblia, é fácil associar tais abordagens ao liberalismo teológico; no entanto, não há conexão necessária entre eles. Começo meu curso de literatura na Bíblia com a leitura de dez declarações de autores bíblicos sobre a natureza singular da Bíblia – sua inspiração, sua infalibilidade e assim por diante. Em seguida, digo que, para mim, um estudo literário da Bíblia começa onde começa qualquer outro estudo dela – afirmando como verdade tudo que a Bíblia diz acerca de si mesma. Não vejo conflito entre o que creio teologicamente acerca da Bíblia e meu estudo literário dela.

 

  1. Dizer que a Bíblia é literatura não precisa implicar que seja ficcional e não factual.

A maior parte da literatura é ficcional em algum nível, mas a ficcionalidade não é um traço definidor da literatura. Uma obra escrita é literária sempre que os autores empregam técnicas literárias, independentemente de registrarem o que realmente aconteceu ou inventarem os fatos narrados.

 

  1. Quando encontramos qualidades literárias na Bíblia, não estamos acrescentando esses traços a ela.

Para pessoas não familiarizadas com a abordagem literária da Bíblia, pode parecer que eruditos literários estão acrescentando algo à Bíblia, mas esta é uma impressão falsa. Quando interagimos com a Bíblia usando ferramentas literárias de análise, não estamos acrescentando algo, mas descobrindo o que já está no texto. Não podemos tratar a história de Sansão como uma tragédia literária se esta não tiver as qualidades desse gênero.

 

  1. A ideia da Bíblia como literatura começou com os escritores da Bíblia.

Foram os escritores da Bíblia que nos deram uma Bíblia literária, de modo que a origem do conceito pode remontar a eles. Temos uma pista disso no modo como alguns autores bíblicos falam com precisão técnica sobre os gêneros literários em que escreveram – salmo, crônica, cântico, parábola, epístola, apocalipse e outros. Entretanto, a principal evidência é a natureza literária do que escreveram. Cada página da Bíblia contém ao menos algum exemplo de técnica literária, e muitas páginas estão inteiramente repletas delas.

 

  1. O tema da literatura é a experiência humana.

Várias qualidades tornam um texto literário, e é fácil negligenciar o princípio mais básico e universal da literatura – o princípio que diz respeito ao conteúdo da literatura. A literatura toma a experiência humana como tema. Quando lemos uma obra literária, compartilhamos uma experiência. A literatura é veraz perante a vida e a experiência e não é em primeiro lugar um sistema de transmissão de ideias. Uma abordagem literária da Bíblia identifica e revive as experiências humanas que são retratadas e evita reduzir a Bíblia a um conjunto de ideias.

 

  1. A literatura é uma corporificação e uma encarnação de seu tema.

Professores que ensinam literatura e escrita criativa alegam que a literatura mostra em vez de dizer. “Mostrar” é encarnar concretamente; “dizer” é expressar uma abstração ou uma ideia. O sexto mandamento nos diz “não matarás”. A história de Caim e Abel (Gn 4.1-16) mostra e encarna essa verdade, e o faz sem usar a abstração do assassinato e sem ordenar-nos que nos abstenhamos dele. Quando o jovem rico pediu que Jesus definisse o próximo, Jesus, em vez disso, contou uma história (a parábola do bom samaritano) que nos mostra como é o comportamento amoroso. Uma abordagem literária da Bíblia interage com as experiências encarnadas que os autores bíblicos põem diante de nós.

 

  1. Talento artístico é uma parte importante da natureza literária da Bíblia.

Deus não desprezou a beleza quando criou o mundo e tampouco a desprezou quando supervisionou a redação da Bíblia. As partes literárias da Bíblia estão repletas de destreza artística, e prestar atenção a ela e desdobrá-la mediante análise é uma parte importante de uma abordagem literária da Bíblia. Ao fazê-lo, pode-se acrescentar uma dimensão e um nível de apreciação inteiramente novos à leitura e ao estudo da Bíblia. Adicionalmente, precisamos operar com base na premissa de que os autores bíblicos consideravam importante e digno de atenção tudo que punham em suas obras, inclusive os aspectos artísticos.

 

  1. Respeitar os aspectos literários da Bíblia é uma forma de observar as intenções dos autores bíblicos.

Por muito tempo, a pedra angular da hermenêutica evangélica foi a intenção autoral – a necessidade de interpretar uma passagem preservando a intenção inferida do autor. É hora de colocarmos a abordagem literária da Bíblia sob esta rubrica. É lógico que, se um autor bíblico confiou sua mensagem a formas e técnicas literárias, ele pretendia que aplicássemos métodos comuns de análise literária ao texto.

 

  1. Ler a Bíblia como literatura está ao alcance da capacidade de qualquer leitor.

Como a maioria dos evangélicos prestam pouca atenção à natureza literária da Bíblia, perpetua-se o equívoco de que a abordagem literária da Bíblia é especializada e técnica. Na verdade, tudo que ela exige é que apliquemos à Bíblia o que sabemos acerca da literatura em geral. Todos tivemos aulas de literatura na faculdade ou no ensino médio em que aprendemos que enredo, cenário e personagens são os elementos de uma história, e que poetas pensam em imagens e figuras de linguagem. Tudo que precisamos fazer é pôr em prática o que já sabemos enquanto lemos e interpretamos a Bíblia.

 

Leland Ryken

Leland Ryken (PhD, University of Oregon) serviu como professor de Inglês no Wheaton College por quase 50 anos. Escreveu ou editou mais de cinquenta livros, incluindo The Word of God in English e A Complete Handbook of Literary Forms in the Bible. É preletor frequente das reuniões anuais da Evangelical Theological Society e serviu como estilista literário da English Standard Version Bible.

 

Tradução de William Campos da Cruz