Texto de Eduardo Luiz Santos Cabette
O opúsculo de Hugh J. Flemming foi recentemente publicado com tradução para o português pela Editora Monergismo. Essa pequena – grande obra vem colmatar uma lacuna na literatura bioética brasileira quanto ao tema das origens remotas da arte e prática médica, sob o enfoque cultural e, no seio deste, religioso.
Logo no prefácio, Hélio Angotti Neto, chama a atenção para a importância da recuperação da tradição médica (e por que não, de outras profissões e atividades), tendo como marco a sacralidade da vida humana, isso porque o esquecimento induzido ou incauto dessas tradições milenares tem conduzido, nos últimos tempos, a uma “queda do ser humano do estado de grande dignidade ao de bestialidade”. [1]
Flemming apresenta, logo na introdução, o mal e o grande perigo do gradual abandono pela profissão médica da “tradição hipocrática” e do “fundamento ético judaico – cristão”. [2] Esse abandono tem deixado tristes traços históricos como, por exemplo, ocorreu com a aceitação da eutanásia e do aborto na medicina norte – americana, numa visão meramente utilitarista do homem, culminando no genocídio nazista alemão. [3] O secularismo humanista jamais cumpriu suas promessas de redenção da liberdade e da ativação do potencial da humanidade. Transformou-se sim, invariavelmente, em “barbárie e superstição”.
O item número 1 da obra trata do “Período Bíblico”, chamando a atenção para aquilo que fez surgir o conceito de “pessoa”, centrado na especial “dignidade humana”, algo desconhecido no mundo pagão. Essa concepção surge com a doutrina cristã da “imago Dei”. [4] Ao reverso do que se apregoa, o reconhecimento do homem, qualquer ser humano, pela só condição de sua humanidade, como pessoa, sujeito de direitos inalienáveis e de dignidade, não surge com o Iluminismo no século XVIII. Na verdade, trata-se de uma apropriação e adaptação secularista de uma doutrina originalmente cristã. [5]
Como destaca o autor, há atualmente uma tendência de ataque veemente à doutrina da “imago Dei”, taxando-a, como faz Peter Singer, de mera “bobagem religiosa”. [6] E abrindo mão de toda essa “bobagem” (sic), chega-se à “brilhante” conclusão de que o homem é um animal dentre outros, sendo sua especial dignidade, constante, inclusive, em tratados sobre os chamados “Direitos Humanos”, a manifestação de um “preconceito odioso”, semelhante ao racismo, ao qual se dá o nome de “especismo”. Ou seja, o simples fato de pertencer à espécie humana não nos deve conceder qualquer privilégio em uma avaliação ética. [7]